Auditoria do Tribunal de Contas conclui que o modelo de financiamento do ensino superior público entre 2016 e 2019 não levou em linha de conta "qualquer indicador". Ministério acusa juízes de "desfasamento".
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"Não são considerados quaisquer indicadores de desempenho ou de qualidade, não premiando o mérito, nem alavancando a excelência." Esta é uma das conclusões da auditoria do Tribunal de Contas (TdC) ao modelo de financiamento do ensino superior em Portugal entre 2016 e 2019.
A instituição liderada por Vítor Caldeira passou a pente fino os dinheiros canalizados pelo Estado para as universidades e politécnicos públicos e explicou que nos contratos de legislatura assinados em 2016 o financiamento "não considerou os critérios objetivos de qualidade e de excelência, dos valores padrão e dos indicadores de desempenho previstos na Lei de Bases" e ainda que não foi "aplicada a fórmula legalmente definida na Lei de Bases nem sido promovido o seu eventual aperfeiçoamento".
O TdC recorda que o atual modelo de financiamento público passa pelo chamado "contrato de legislatura" assinados em 2016 pelo governo e Instituições de Ensino Superior (IES) com o horizonte de três anos e sublinha que em 2019, os montantes atribuídos pelo Orçamento do Estado às universidades e politécnicos alcançaram 1,1 mil milhões de euros, o equivalente a 53% do financiamento total das IES.
Os juízes entendem ainda que "o financiamento com base nos contratos não atende ao desempenho passado ou atividade presente das IES, nem às suas características e especificidades".
Para além disso, lê-se no relatório, "também não foram tidos em conta fatores externos às IES, tais como os efeitos da evolução demográfica, por força da diminuição da natalidade e potencial redução futura no número de alunos a frequentar o ensino superior, que pode vir a traduzir-se no acréscimo do esforço financeiro a suportar pelo Estado, a exigir planos próprios e financiamento específico".
O Tribunal avisa também que "o contrato não estabeleceu qualquer afetação do financiamento a atividades principais, a investimento, ao desenvolvimento de projetos, à investigação ou a outras atividades para conferir a necessária clareza à atribuição do financiamento e contribuindo para melhorar o desempenho das instituições".
Para os relatores, "tão pouco se sabe qual a percentagem do financiamento que foi, de facto, aplicada àqueles fins, o que poderia contribuir para minimizar tais insuficiências na sua atribuição", sendo que "sem a identificação específica das atividades às quais o financiamento é destinado é impossível aferir da sua adequabilidade e suficiência".
Face a estas conclusões, o Tribunal recomenda ao ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior "o cumprimento integral da Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior ou promova as diligências necessárias à sua alteração", e que "diligencie no sentido de introduzir as melhorias necessárias para colmatar as insuficiências e fragilidades identificadas pela auditoria".
Para além disso, o TdC quer que o executivo "promova a publicitação dos resultados das ações de acompanhamento e controlo do financiamento público das IES que vierem a ser realizadas".
O contrato em causa foi assinado com as universidades e politécnicos com o objetivo de dar estabilidade e previsibilidade ao financiamento público das instituições de ensino superior. Entretanto o governo já assinou com universidades e politécnicos um novo entendimento para o período 2020-2023.
O contraditório à auditoria, integrado no próprio documento, revela críticas do governo e a concordância de universidades e politécnicos com as conclusões da análise.
Ministério do Ensino Superior: relatório revela "total desfasamento"
O ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior reage afirmando que a auditoria "revela um total desfasamento face à evolução do ensino superior em Portugal e na Europa". O gabinete de Manuel Heitor escreve que a análise dos juízes está "claramente baseada em opções que parecem desconhecer o contexto internacional em que o ensino superior público em Portugal se insere, assim como as metodologias tipicamente usadas a nível internacional para o acompanhamento, análise e avaliação do ensino superior".
O ministro sustenta ainda que o relato do Tribunal de Contas "é redutor e deve ser corrigido e ampliado, pois está incompleto e revela desconhecimento das tendências internacionais e nacionais sobre a análise do contexto e da eficiência do ensino superior".
O governo acrescenta que a auditoria "esquece totalmente que a atividade das instituições de ensino superior também se desenvolve no respeito pelo princípio da estabilidade das relações entre o Estado e as instituições, designadamente ao nível do financiamento".
Universidades e Politécnicos concordam com TdC
O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) concorda genericamente com as conclusões, afirmando que "o CRUP, e as universidades que o constituem, partilham a necessidade de um modelo de financiamento assente em parâmetros objetivos que permitam aferir, de forma transparente, os fatores de qualidade e eficiência necessários para o cumprimento dos objetivos e prioridades nacionais fixados para o sistema" e concordam com a ideia de definir "um modelo que promova patamares cada vez mais satisfatórios de transparência, estabilidade e previsibilidade no financiamento do ensino superior", sublinhando que "é essencial lançar as bases de um novo quadro de financiamento público de ensino superior".
O Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) escreve que "as informações vertidas na versão preliminar do relatório afiguram-se, na generalidade, corretas", mas ignoram "o desempenho do sistema, tal como o próprio Tribunal de Contas reconhece".