Nos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, o Memorial aos Refugiados e ao cônsul Aristides Sousa Mendes quer integrar a rede portuguesa de museus. Reportagem TSF em Vilar Formoso
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O tempo parece parado na estação ferroviária de Vilar Formoso. Os poucos comboios que circulam transportam apenas mercadorias. Em dia de chuva, contam-se pelos dedos de uma mão as pessoas na rua. Em frente à estação, um edifício antigo, de portas fechadas, identifica-se como "alfândega". Foi por aqui que passaram milhares de refugiados da Segunda Guerra Mundial, graças aos vistos do cônsul português Aristides Sousa Mendes. Vilar Formoso era a porta de entrada para Portugal ou a única saída de uma morte certa. Aqui ficava a Fronteira da Paz.
Encostado à estação ferroviária, o Memorial aos Refugiados e ao cônsul Aristides Sousa Mendes nasceu no espaço de dois armazéns, fruto do trabalho de Margarida Ramalho, a coordenadora científica, e a arquitecta Luísa Pacheco Marques. "Tudo foi pensado" ao detalhe, garante Margarida Ramalho, que conduz uma visita técnica de uma equipa da rede portuguesa de museus. Inaugurado em 2017 e integrado na Rede de Judiarias de Portugal, o pólo museológico quer agora fazer parte da rede portuguesa de museus, para captar mais apoios e visitantes.
Dividido em seis núcleos, na primeira parte do memorial destaca-se um corredor hexagonal, evocando a estrela de David, símbolo do judaísmo. É "o início do pesadelo", num corredor que "aperta, escuro, desconfortável, sem aquecimento, onde as pessoas se sentem oprimidas", descreve Margarida Ramalho. Neste corredor, seguimos as primeiras medidas do regime nazi, como a queima dos livros, a discriminação e segregação, o controlo da informação, a fuga e separação das famílias.
Foi nessa altura que o cônsul português em Bordéus, Aristides Sousa Mendes, ajudou a salvar milhares de pessoas, concedendo vistos à revelia das orientações do Estado português. A maioria entrou por Vilar Formoso.
Até então, o habitual era chegarem a Vilar Formoso "30 a 40 pessoas por dia", conta Ângela Rainha, durante uma visita guiada para um grupo de estudantes. Mas "em Maio-Junho de 1940, com os vistos de Aristides Sousa Mendes, chegam aqui mais de duas mil pessoas".
Para simbolizar a chegada a Vilar Formoso, o memorial transforma-se na segunda parte. O corredor inicial, escuro e opressor, dá lugar a um espaço aberto, dominado pelo azul. "As paredes são redondas, para simbolizar o abraço, o acolhimento", explica Margarida Ramalho. "O azul é o céu azul de Vilar Formoso", pois, para os refugiados, "pisar solo português já era o alívio, a esperança, a liberdade".
Margarida Ramalho lembra como alguns refugiados fizeram questão de voltar a Vilar Formoso para a inauguração do Memorial em 2017. Uma em cadeira de rodas, outra apoiada em canadianas, outra já doente e que morreria três meses depois. A investigadora ainda se emociona a contar as histórias de cada família representada no espaço. É uma "ligação visceral", admite com a voz embargada.
A representante da rede portuguesa de museus, Diana Carvalho, também se comove com o "percurso forte que nos coloca no lugar do outro. É um murro no estômago (...), um sinal de alerta que merece ser visto e, acima de tudo, sentido".
Susana Gonçalves, também da rede portuguesa de museus, concorda. "Sai-se muito valorizado daqui." Apesar das dificuldades de deslocação, o pólo museológico "merece toda a atenção e visita".
Margarida Ramalho sublinha que o memorial "merece a integração" na rede portuguesa de museus, até pela "componente pedagógica nos tempos conturbados que estamos a viver, que quase parecem a repetição" do que aconteceu no Holocausto.
O mais importante, realça a historiadora, é pensarmos que "podia ser connosco, pode ser connosco". Em qualquer altura, poderemos ter de fugir e começar de novo. Importa lembrar - e sentir - o passado. "Venham mesmo", corrobora Diana Carvalho, da rede portuguesa de museus.
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