"Gostaria que se implementasse a fiscalidade verde e que não se circunscreva aos combustíveis"
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A presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável, Ivone Rocha, é a convidada desta semana do "Em Alta Voz", a entrevista TSF/Diário de Notícias.
A Plataforma para o Crescimento Sustentável nasceu em 2011 com um relatório de resposta ao período pós-troika. Hoje, mais de uma década depois e sem troika, qual é o grande desígnio desta organização?
O desígnio da Plataforma é sempre o mesmo. Tal como em 2011 se impunha pensar além do urgente, com a intervenção da troika, hoje também se impõe pensar além do imediato. O mundo atravessa desafios que podem pôr em causa, e que têm a própria Humanidade como desafio, pondo em causa a sua sobrevivência e o proliferar através das alterações climáticas, bem como com o proliferar da Inteligência Artificial. E, portanto, hoje a intervenção da plataforma é tão importante quanto em 2011, no sentido de contribuir para que se pense um novo modelo, um modelo capaz de lidar com estes dois desafios e, acima de tudo, um modelo que reequilibre o presente com o futuro. Temos nas mãos, neste momento, a capacidade de tornar o futuro bom, mau ou inexistente e não podemos permitir que haja esta tirania deste presente perante o futuro e, portanto, temos de fazer esse contributo no sentido de repensar o nosso modelo, a nossa sociedade, a nossa economia, a nossa forma de governo e contribuir para que se construa um novo modelo que seja capaz de fazer face a estes desafios.
No passado recente, saúde, desigualdade e demografia eram três das prioridades da plataforma com o seu antecessor. Se a Ivone Rocha tivesse de decidir agora escolher duas, três prioridades, quais é que seriam?
Responsabilidade e incorporação do princípio da responsabilidade, ou melhor, da solidariedade intergeracional - é fundamental. Temos de incorporar este princípio quando falamos de Finanças Públicas, quando falamos de economia de investimento, temos de incorporar este princípio no modo de Governo e em todas as decisões, sejam elas públicas ou privadas.
E diz isso porque não estão, as entidades, a ser responsáveis?
Acho que demos um passo gigante na aprovação do direito mais recente, o direito ao clima. Penso que ainda temos muitos quilómetros para andar para tornar este direito efetivo. A decisão, com ponderação de longo curso, ainda é uma exceção, não está proliferada, ela não é o modo suficiente e atual, ainda, sobretudo ao nível do Estado e das organizações internacionais.
É o Estado que está a falhar mais, então?
Ora bem, o direito é um importante instrumento de concretização e de travar esta tirania do futuro, do presente perante o futuro e, portanto, é um excelente instrumento de travagem climática, é um excelente instrumento - aliás diria que é mesmo essencial - de regulação da Inteligência Artificial. Mas não podemos criar uma lei, criar um direito, sem lograr repensar o próprio funcionamento. E nomeadamente, e dou um exemplo muito concreto, a própria relação entre público e privado entre o Estado e o setor privado, a lei do clima, o direito ao clima, obriga a um exercício de cooperação e de certa paridade perante o desafio, e isso ainda não acontece.
Falou agora em travar a tirania do presente sobre o futuro em relação às alterações climáticas. Que tirania é esta?
É a tirania do desperdício, é a tirania do desafio, ou melhor, da forma lenta como a descarbonização está a ser feita. Se vivermos e se imaginarmos o que as pessoas esperam de 2100, é que as pessoas hoje travem o aquecimento global, porque caso contrário, as pessoas de 2100 vão ter um mau futuro.
Mas seria possível fazer mais rápido?
Tem de ser possível fazer mais rápido. Estamos efetivamente num ano importantíssimo, estamos a poucas semanas do início de uma COP [Conferência das Partes, em português], que é uma COP importantíssima na medida em que é de balanço, em que todos os Estados têm de demonstrar a forma como implementaram os seus planos de clima e de energia. É um balanço que se impõe, mas todos os relatórios e o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na tradução portuguesa] é claro ao referir que temos de acelerar o ritmo, senão não vamos a tempo.
Falou também há pouco da proliferação da Inteligência Artificial. Diz que a IA é uma ameaça às democracias, mas porquê?
Relativamente à Inteligência Artificial, acho que ela é o yin e o yang do nosso equilíbrio, ou seja, não classifico a Inteligência Artificial como algo mau ou algo bom. Agora, é algo com que temos de lidar e é algo que temos que regular.
Mas é ameaçadora?
A Inteligência Artificial deveria ser facilitadora. Facilitadora, por exemplo, nos serviços que o Estado nos presta. Estamos a criar instrumentos tão bons, passo a expressão, como fazer uma encomenda numa Amazon para nos entregar um produto. Isto, a Inteligência Artificial faz bem. Mas pode ser manipulada - e temos vários exemplos de que isso acontece - e se não soubermos se a informação que nos chega tem origem na Inteligência Artificial generativa ou humana, isto é extremamente importante, porque passamos a ser comandados por algoritmos, e não há nada pior, porque os algoritmos não têm valores, não têm moral, não têm ética e acho que isto é suficientemente assustador para nos preocupar.
E estando nós a falar com uma advogada, o que é que é preciso? Regulação mais forte?
É preciso regulação e flexibilização dos processos de regulação e poder de fiscalização. Precisamos de entidades reguladoras fortes e independentes e precisamos de uma regulação clara no sentido de não permitir e de tornar fácil esta triagem, que, para mim, parece importante, que é saber se aquilo que me estão a dar como informação - e aqui o jornalismo tem um papel fundamental - tem efetiva origem humana ou artificial. O que é manipulado do que não é manipulado, isto tem de ficar claro para quem usa, senão é um poder gigante de quem manipula e um pouco pelo mundo todo vamos tendo exemplos disso.
É especializada na área do ambiente e da energia, pergunto-lhe por isso também, como é que analisa as ações dos ativistas da Climáximo, que em final de setembro atacaram o ministro do Ambiente e esta semana pararam a 2.ª Circular em Lisboa?
Percebo o desespero, porque efetivamente é a geração futura que vai sofrer, é a vida deles que vai ser limitada e, portanto, impõe-se chamar a atenção. Acho que isto deve ser feito num quadro de um Estado de Direito e também em respeito pelo presente. Saliento algo que, para mim, é mais simbólico, que é a ação no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em que um grupo de jovens vem queixar-se de que estamos a limitar o seu futuro. E aqui, sim, é uma ponderação importante.
Portanto, para quem não está a par, um grupo de jovens colocou uma ação contra os Estados que nada fazem pelo clima. O que é que isto quer dizer? Há aqui um novo paradigma, há toda uma geração que se sente ameaçada, descontente com o que foi feito até aqui? Que leitura é que faz sobre estes movimentos?
Há uma geração que se sente ameaçada, há uma geração que se sente limitada naquilo que vai ser o futuro dessa geração e, acima de tudo, é a prova daquilo que referi há bocado, porque o direito ao clima tem pouco mais de um ano, mas ainda está longe de ser efetivo. E o conflito climático existe e esta é a prova evidente que ele pode existir. E, portanto, a ponderação que este julgamento provoca é esta mesmo, é convalidar a satisfação das necessidades do presente com as do futuro. E este grupo de jovens vai chamar a atenção e tenho imensa curiosidade com o desfecho deste processo.
E o que é que espera dessa pronúncia do Tribunal Europeu? Pode eventualmente até fazer-se alguma jurisprudência?
Jurisprudência seguramente. Espero que a jurisprudência seja no sentido de incorporar o tal princípio de responsabilidade, de solidariedade intergeracional de que falei há pouco e que sirva de exemplo para que ele seja incorporado nas decisões das empresas quando fazem investimentos, nas decisões do Governo quando fazem opções estratégicas, ou tão simplesmente nos cidadãos, quando fazem as suas compras e o seu ato de consumo.
Defende, e já disse ainda há pouco, que o direito ao clima exige reequilíbrio entre Estado e privados. Sugestões para esse reequilíbrio, quer dar um exemplo?
Nada mais importante do que descarbonizarmos a nossa matriz energética, e nada mais importante que fazer chegar energia renovável a todos. A produção descentralizada de energia tem aqui um papel fundamental pela sua proximidade do consumo, o que evita desperdícios no transporte, pelo facto de ser renovável e pelo facto de sair mais barata, porque em alguns casos não tem de ter acesso à linha para poder chegar ao consumidor. Portanto, criou-se aqui a figura do prosumer, que é o produtor-consumidor. E temos as chamadas comunidades energéticas, que não deixam de ser formas de as pessoas partilharem a energia entre si, que elas próprias produzem. E temos um diploma, por exemplo, em Portugal - ainda no caso português -, do Sistema Elétrico Nacional, que é bastante aberto em termos de junção de entidades, sejam elas públicas, privadas, associações particulares, empresas, portanto, não limita, sob o ponto de vista do sujeito, quem pode participar. Mas depois, na prática, temos enormes entraves na junção entre o público e o privado. E os municípios têm aqui um papel importantíssimo a desempenhar, na medida em que podem alavancar vários projetos de produção descentralizada, ajudando a organizar estes municípios e eles próprios participando. Mas há depois toda uma panóplia de restrições ao nível de regulação pública, nomeadamente o Código da Contratação Pública, designadamente sobre as empresas locais, que impedem esta junção flexível e tornam os processos de aprovação extremamente burocráticos e extremamente morosos.
O Código de Contratação Pública ajuda ou está a desajudar ao cumprimento desse objetivo?
Costumo dizer que o Diploma do Sistema Elétrico Nacional é facilitador e o diploma e as regras de contratação pública são bloqueadores. Não podemos esquecer que, com a intervenção da troika, viveu-se um período em que todas as parcerias público-privadas foram postas em causa e, portanto, foi necessário fazer uma intervenção no sentido de tornar esta relação público-privada mais restritiva e mais regulada. Porém, hoje, a energia, a descarbonização da matriz energética, está a exigir que se olhe e que se repense esta relação no sentido de a flexibilizar.
Aquilo que nos está a dizer é que o direito e as suas entropias podem bloquear os avanços ambientais e criar um mundo a duas velocidades, por assim dizer.
Sim. Aquilo que gostaria de remarcar é que o direito é um excelente instrumento de combate ou de implementação de regras que venham a travar a alteração climática, mas temos de evitar que ele se transforme num bloqueador e, portanto, sendo um excelente instrumento, deve ser pensado no sentido de eliminar tudo aquilo em que possa ser bloqueador.
Tem vários artigos publicados na área da energia e do ambiente e é também coautora do livro Chance to Change, sobre o impacto do Acordo de Paris, que toca estes temas de que temos estado aqui a falar. Sendo coautora deste livro, será que esta década é, no seu entender, na investigação que fez, realmente a última oportunidade de mudarmos o rumo do planeta?
Se reparar, este momento é único. Nunca na História da Humanidade houve uma taxa tão elevada de mudança e uma taxa tão elevada de vulnerabilidade. Foi a pandemia, do ponto de vista da vulnerabilidade, são as catástrofes naturais que estão a acontecer sempre, cada vez mais próximas. A Grécia tem-se visto no mesmo ano com temperaturas elevadíssimas e com enchentes e inundações e, por outro lado, a Inteligência Artificial acelerou e, portanto, esta taxa nunca foi tão elevada. Por isso, é um momento privilegiado, se soubermos aproveitá-lo, de saber mudar aquilo que é preciso mudar para que o futuro seja bom e para se travar o avanço climático.
A esse propósito, concorda com António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, quando alerta que já estamos em situação de catástrofe climática?
Absolutamente de acordo. António Guterres tem feito um trabalho notabilíssimo no sentido de sensibilizar, de chamar a atenção, de pôr o dedo na ferida e tem de ser ouvido.
Portanto, está a ser realista ou está a ser alarmista? Tem sido atacado também por isso. Qual é a sua opinião?
Está a ser realista. As pessoas têm um bocadinho a tendência e é este um diálogo que se impõe e que gostaríamos muito que a plataforma também contribuísse para ele, que é pôr os dados da ciência a dialogar com a sociedade, de forma que incorporem na ética comum e deixe de ser tido em conta de uma forma tão distante. Olhamos para a guerra na Ucrânia e vemos a vastidão e a brutalidade e temos de olhar para o relatório e para as palavras de António Guterres e também incorporar que são brutais.
Que oportunidades há para as empresas? É também coautora do livro com o título "Climate Chance!", sobre o mercado regulado de carbono no Protocolo de Quioto. Que oportunidades é que há, de facto, para as empresas que queiram fazer captura de carbono, por exemplo?
Costumo dizer que atrás de um desafio, de um constrangimento, está sempre uma oportunidade, e as empresas inteligentes têm sabido e têm agarrado esta oportunidade. Na medida em que há que ser inteligente, estamos a construir um novo modelo e, portanto, não podemos continuar a fazer da mesma forma como fizemos no passado. Temos, por exemplo, de olhar para os resíduos que produzimos e reincorporá-los no processo produtivo, ou então arranjar forma de eles terem utilidade. Estive há pouco numa conferência com a participação do Grupo Amorim, que tem por objetivo reduzir a zero o seu desperdício e a produção de resíduos e está a fazê-lo precisamente pela criação de unidades de negócio e por reincorporação dos seus próprios resíduos. Estes são os desafios.
E há muitas empresas em Portugal a fazê-lo?
As empresas inteligentes estão a fazê-lo e aquelas que não estão a fazê-lo devem fazê-lo, porque esse é o caminho. Se tenho de reduzir o meu consumo de energia, tenho de implementar práticas que me permitam essa redução, e essa redução vai ter como resultado final a redução da minha fatura energética. Se tenho de descarbonizar a minha matriz energética no meu processo produtivo, tenho de olhar para o meu processo produtivo e tenho de saber, e pelo menos identificar, as oportunidades que tenho de fazer. Por exemplo, produção descentralizada e de eu própria fornecer a energia para o meu próprio consumo. São exemplos.
O problema não será - e a solução também não estará - só do lado das empresas, mas sim também do lado do consumidor. A educação dos mais novos está a ser feita ou acha que só as gerações mais velhas é que têm essa consciência? Acha que o problema é geracional?
Acho que a geração mais nova está sensibilizada. Falo com jovens e tenho filhos jovens e tenho o maior respeito por esta geração, porque eles vivem sucessivas dificuldades e, para eles, separar o lixo é um ato normal. E têm incorporado a necessidade de mudar, a necessidade de reduzir o desperdício, a necessidade de ser responsável. Acho que o foco maior em termos de sensibilização é, obviamente, a educação, que é importantíssima e faz parte do próprio desígnio do Acordo de Paris. Está lá incluída a importância da educação, mas também a sensibilização e a chamada de atenção, precisamente para a geração que neste momento ocupa os lugares de decisão, sejam eles nas empresas, sejam eles no Estado, sejam eles no Governo.
O que está a dizer é que o problema está nos mais velhos?
Não estou a dizer que o problema esteja nos mais velhos, estou a dizer que o futuro depende das decisões de hoje e, portanto, se não damos passos maiores é porque o problema está em quem tem, neste momento, o poder de decidir. É esta geração que se tem revelado mais resistente à mudança. E aqui o papel importante, não só da sensibilização, mas também das regras que vierem a ser e que devem ser implementadas e, claro, o Estado tem de ser o bom aluno e não o mau aluno.
E como é que as mulheres podem fazer a diferença, sendo a Ivone subscritora do movimento Mulheres pelo Clima?
Esse grupo chama a atenção para duas questões. Primeiro, para o papel da mulher na sociedade, da igualdade de género e do protagonismo que é preciso promover e implementar. E, por outro lado, porque entendemos que temos uma responsabilidade acrescida por tudo o que fazemos. É um movimento importantíssimo que tem agregado bastantes seguidores e que tem tido um papel importantíssimo nessa sensibilização.
Esse papel importante tem a ver com a evangelização também ao nível familiar? Em que é que se traduz o que está a dizer?
A família é o cerne, todos nascemos numa família e na família são os nossos primeiros valores e, portanto, o papel de uma mãe e de um pai é fundamental na educação e na sensibilização para os novos valores e para a incorporação dos princípios que são necessários, que são a solidariedade intergeracional, a responsabilidade no consumo, evitar o desperdício e vivermos num mundo mais descarbonizado, mais inclusivo. No fundo, é incorporar toda a panóplia dos ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável] e é aí que tudo começa, é no núcleo que tudo começa. Mas é um bocadinho mais do que isso e, portanto, gostava de salientar que as mulheres também têm essencialmente esse papel transversal, não só como mães, mas como cidadãs, como membros de uma sociedade.
É também presidente do conselho fiscal da Associação Portuguesa do Veículo Elétrico. Há cerca de duas semanas o Ministro do Ambiente anunciou na TSF e ao Diário de Notícias que quer manter os apoios à aquisição de veículos elétricos, mas com outros parâmetros. Ora, os apoios, sabe a TSF, poderão ter em conta o peso dos automóveis, por exemplo. O ambiente e as cidades podem ganhar com este tipo de inclusão de critério?
Não há nada mais difícil e mais importante do que a descarbonização da mobilidade. É o setor que piores índices comporta e é aquele que mais difícil tem sido mudar. Não pode ser tudo elétrico, é óbvio. Passos estão a ser dados ao nível de utilização de outro tipo de combustível, todos eles verdes, mas todas as medidas que possam ser tomadas no sentido de promover a descarbonização da matriz da mobilidade é importantíssima. Ao nível das cidades, o que é importante mesmo é a criação de uma rede de transportes públicos que seja tão boa e tão confortável que torne absolutamente desnecessário aos cidadãos ter um carro. Este é o outro paradigma para a nova geração. A nova geração não precisa, provavelmente, ou melhor, mais do que querer ter um veículo automóvel, quer é ter um serviço público ou privado que a transporte, porque no fundo o automóvel serve para isso mesmo. Temos de reduzir o número de veículos e, portanto, as cidades têm de saber planear e ter formas de mobilidade alternativas que desincentivem o veículo individual.
A descarbonização dos transportes, naturalmente, é talvez das questões mais difíceis de concretizar. Acha que a falta dessa rede de carregamentos pode atrasar esta transição, atendendo a que até as vendas dos automóveis elétricos estão a aumentar substancialmente, o que significa que também vão ter de utilizar muito mais a rede e sobrecarregá-la muito mais, certo?
É verdade. A existência de veículos elétricos tem aumentado de forma exponencial. Posso dar-lhe um exemplo muito concreto. Estive num pequeno-almoço sobre mobilidade elétrica aqui há uns anos, isto ocorreu em janeiro, e no ano anterior tinham-se vendido - e estou a falar de há quatro ou cinco anos - cerca de 500 e tal veículos elétricos. Neste momento, ultrapassámos este valor em alguns meses. Portanto, é desta aceleração que estamos a falar. Não obstante, não vale a pena apostar num veículo elétrico se não tivermos uma rede que cubra o carregamento elétrico. E aqui devo dizer que, como utilizadora, nem sempre é fácil, no interior do país, carregar um veículo elétrico.
Tem de percorrer largas distâncias até conseguir encontrar esse ponto de carregamento, é isso?
Mas é um ponto importante, porque as pessoas precisam de se deslocar e a ideia não é tornar a vida difícil. A ideia é manter os níveis de satisfação das necessidades, mas de uma forma mais eficiente.
Acha que o recente regulamento europeu AFIR, que prevê essas infraestruturas e acesso fácil a carregamentos, tão fácil quase como ir a uma bomba de combustível, poderá ser o desbloqueador que faltava?
É um dos desbloqueadores, é importantíssimo. O regulamento AFIR traz bastantes drivers que, se forem implementados - e esperemos que sim -, são importantes nesse sentido. Efetivamente, a União Europeia está consciente da dificuldade na descarbonização da mobilidade, mas não será seguramente o único. Para mim é fundamental, também, que no planeamento e no governo das cidades os transportes públicos tenham um papel importante.
Fala em planeamento, planeamento, planeamento, não é?
Sim, e sobretudo numa visão sistémica ou holística. Porque as medidas avulsas perdem-se e aquilo que se impõe a quem decide é decidir no presente, não amarrado no passado, não incorporado no modelo passado, mas na consciencialização de construir um modelo futuro, e, ao ter esta consciencialização, quem decide no presente vai ter a necessidade de olhar, por exemplo, para a mobilidade elétrica e pensar que vamos precisar de pôr carregamento elétrico para que as pessoas possam carregar os seus veículos, mas também vamos precisar de disponibilizar transporte coletivo para que as pessoas usem menos o carro. E vamos ainda ter de saber compatibilizar os transportes desta cidade ou deste concelho de forma a que não se cruzem nas mesmas rotas e sejam interativos, complementares, e assim sucessivamente. Tudo isto é um puzzle.
No próximo dia 10 de outubro vai ser entregue a proposta de Orçamento do Estado para 2024. O que é que gostaria de ver lá inscrito, especificamente, para estas áreas, o Ambiente e também a Energia?
Algo de que ainda não ouvi falar, a lei do clima. Como já disse, tem pouco mais de um ano e tem lá um artigo que fala do IRS verde, que é precisamente para levar os consumidores e as empresas a optarem por aquisições mais descarbonizadas, oferecendo-lhes o Estado uma possibilidade de amortização e benefícios fiscais. Portanto, gostaria que se começasse a implementar a fiscalidade verde e que ela não se circunscreva aos combustíveis.
