Governo fechou os olhos à proteção das aves para fazer mapa das eólicas oceânicas

Eólica offshore
John Moore / Getty Images / AFP
A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) acusa o Governo de colocar "em causa o que se pretende que seja uma Economia Azul Sustentável" com a instalação de eólicas no mar em conflito com o habitat das aves marinhas.
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Num parecer divulgado esta sexta-feira, e que foi entregue como contributo para a consulta pública da "Proposta preliminar das áreas espacializadas e dos pontos para a ligação à Rede Nacional de Transporte de Eletricidade", que hoje termina, a SPEA admite ter "sérias preocupações" depois de ter estudado as cinco localizações propostas de Viana do Castelo até Sines, para a instalação de 10 GW de potência eólica no alto mar.
O parecer da SPEA demonstra que "a proposta do governo não considera a componente da biodiversidade, nomeadamente as aves, para garantir a seleção de áreas menos sensíveis para a implantação da energia eólica, colocando em causa o que se pretende que seja uma Economia Azul Sustentável".
Por outro lado, "a proposta do governo não considera a melhor informação científica disponível para selecionar áreas de implantação em zonas de menor sensibilidade ambiental, incluindo propostas de implementação destas estruturas em áreas classificadas como Zonas de Proteção Especial (ZPE), importantes para a avifauna".
Assim, a SPEA propõem que "no caso das eólicas offshore e das aves, é fundamental produzir mapas de sensibilidade, tendo em consideração a vulnerabilidade das várias espécies ao impacto das turbinas, o estado das populações e estatuto de conservação, assim como a sua abundância e distribuição no mar, e identificar as áreas mais sensíveis" para se evitar instalar as eólicas nessas zonas.
"Um exemplo é a Zona de Proteção Especial do Cabo Raso, onde a área proposta (Sintra-Cascais) se sobrepõe completamente com a área da ZPE - uma área onde se concentram milhares de aves, sobretudo durante os períodos de migração. A proposta inclui ainda áreas para implantação imediatamente adjacentes a ZPEs, o que irá comprometer as espécies protegidas que usam essas áreas, por exemplo como área de alimentação ou passagem. É o caso da área proposta da Ericeira, adjacente à ZPE Ilhas Berlengas, onde nidifica a única população continental de cagarra", explica a SPEA.
Ou seja, das cinco áreas propostas, a SPEA está particularmente preocupada com três: Sintra-Cascais e Ericeira; Matosinhos; e, Sines (zona portuária).
Quanto à zona de Sintra-Cascais, ela "encontra-se totalmente sobreposta com uma área classificada da Rede Natura 2000 (Zona de Proteção Especial do Cabo Raso), que concentra grandes números de aves no período de migração (incluindo a criticamente ameaçada pardela-balear)".
Em relação a Matosinhos e Sines (Zona Portuária), as duas estão "situadas a pouca distância da costa (menos de 5 milhas), numa faixa onde se concentra a passagem migratória de inúmeras espécies de aves marinhas e costeiras (nomeadamente a negrola, a pardela-balear e espécies de alcídeos) e que se sobrepõem quase na totalidade com áreas de Rede Natura 2000 existente (Sitio de Importância Comunitária de Maceda - Praia da Vieira) e a classificar (Sitio de Importância Comunitária da Costa de Setúbal)".
No caso da Ericeira, está numa "área adjacente à ZPE Ilhas Berlengas, e que é utilizada pela única população nidificante de cagarra em Portugal continental, nomeadamente numa fase fulcral do seu ciclo de vida".
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Para Joana Andrade, coordenadora do Departamento de Conservação Marinha da SPEA, "deste modo os projetos de energia renovável não são sustentáveis e é imperativo mitigar a crise climática, mas a crise climática anda de mão dada com a crise da biodiversidade. Se instalarmos turbinas eólicas em áreas onde elas põem em risco a fauna marinha, isso não é sustentabilidade".
Por isso, "é necessário um planeamento estratégico da energia eólica offshore, fundamentado na ciência, para garantir que temos uma transição energética amiga do ambiente", adianta Joana Andrade.
A associação ambientalista conclui que "instalar eólicas em áreas importantes para as aves, e nas áreas circundantes, é pôr em risco as espécies que essas áreas deveriam proteger".