"Grito desesperado." Reitores apelam à revisão das parcerias com universidades americanas
Em declarações à TSF, António Sousa Pereira fala em "consequências verdadeiramente trágicas" para o sistema científico nacional.
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O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) recomenda ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior que as parcerias com três universidades norte-americanas, nas quais o erário público já investiu quase 310 milhões de euros, não sejam renovadas automaticamente, num comunicado enviado esta sexta-feira às redações.
Os reitores defendem que "antes da sua continuidade ou renovação, deve ser feito um exercício de definição clara de objetivos e resultados esperados", afirmam que as parcerias internacionais lançadas pelo Governo português entre 2006 e 2007, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia receberam, desde então, 309,6 milhões de euros. As beneficiárias são as universidades Carnegie Mellon University, Massachussetts Institute of Technology e a University of Texas at Austin.
Num período equivalente, 2021-2025, os "Laboratórios Associados, que agregam perto de cem unidades de investigação e quase dez mil investigadores", representando uma "componente essencial do sistema científico português", receberão apenas 24 milhões de euros todos os anos, lê-se na nota.
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Mais do que um alerta, os reitores falam num "grito desesperado das instituições que estão a viver à míngua e que veem o dinheiro a fugir por entre os dedos para programas que não se compreendem muito bem por que é que existem".
O presidente do CRUP, António Sousa Pereira, recomenda assim ao Governo que "pare para pensar" antes de avançar com a renovação automática das parcerias.
"Entendemos que o volume de dinheiro que está em causa é demasiado elevado face ao financiamento disponível para a ciência em Portugal para se continuar a meter tanto dinheiro em três universidades, sem que haja qualquer avaliação conhecida de quais os benefícios que resultaram desse dinheiro", afirma o presidente em declarações à TSF.
António Sousa Pereira considera que esta é uma "verba muito significativa", que é "praticamente equivalente ao financiamento programático de todos os laboratórios associados existentes em Portugal".
Para além dos valores avultados, o CRUP critica que estas estejam alocadas em "apenas três instituições", cujos projetos "envolvem poucas universidades portuguesas", ao mesmo tempo que denunciam a "reduzida lista de áreas de investigação para um financiamento tão substancial", apesar de reconhecerem que estas são áreas de "investigação importantes", nomeadamente as TIC, Ciência do Clima e Alterações Climáticas e a computação avançada.
"Não existe disponível uma avaliação do seu custo-benefício. Não sabemos também qual foi o investimento adicional que foi gerado por cada euro investido por Portugal nestas parcerias", insiste o presidente do CRUP.
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António Sousa Pereira explica à TSF que este é o momento certo para repensar as parcerias com as universidades dos EUA, caso contrário, pode haver "consequências trágicas" para a ciência nacional.
"Estamos a aproximar-nos da fase em que, se não for feito nada, haverá uma renovação automática e esta renovação automática, tanto quanto eu sei, tem um plus em cima. É que está previsto que na renovação seja ainda aumentado o volume de financiamento que é posto nestas parcerias. Ora, isso pode ter efeitos verdadeiramente trágicos para o sistema científico nacional, visto que colocará em causa o financiamento das unidades de investigação existentes em Portugal", denuncia.
A revisão automática está prevista para o final do ano de 2023.
"Há aqui qualquer coisa que não está bem. É preciso parar para pensar, vamos fazer uma avaliação custo-benefício e naquilo que existir de bom, mantenha-se, naquilo que não existir de bom, suspenda-se e aplique-se o dinheiro de uma forma que seja mais eficaz e que garanta maior retorno para a sociedade portuguesa", aconselha António Sousa Pereira.
Os reitores das universidades portuguesas lembram ainda, na nota enviada, que esta é uma preocupação que já tinha sido partilhada por uma avaliação independente da colaboração portuguesa com as universidades americanas realizada em 2012 pela Academia da Finlândia.
Os projetos finlandeses observavam que as parcerias funcionavam bem "no fluxo da pesquisa", mas "não tão bem no fluxo da inovação", pelo que o CRUP lamenta que as recomendações "não tenham sido suficientemente seguidas na aplicação de mais de 200 milhões de euros que foi feita desde então", lê-se no documento.