Chairman da TAP rejeita acusação de chantagem: "ninguém apontou uma pistola" ao acionista que "nunca teve disponibilidade" para auxiliar. Frasquilho está otimista sobre ok europeu à restruturação.
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A pandemia provocou uma catástrofe no setor da aviação em todo o mundo. Portugal não foi exceção: a TAP teve no ano passado um prejuízo recorde de 1200 milhões de euros. Com os aviões parados, a transportadora foi obrigada a uma restruturação que implica a saída de milhares de trabalhadores.
Nas próximas semanas a transportadora vai passar por três marcos importantes: a aprovação do plano de reestruturação em Bruxelas, a estabilização do quadro de pessoal e a nomeação de uma nova administração. E entretanto tem de resolver outro problema difícil: a Groundforce.
Começamos pela Groundforce que quer anular o acordo com a TAP. Como reage?
O apoio da TAP à Groundforce começou em Agosto do ano passado e numa primeira fase decorreu até janeiro deste ano. Em Janeiro, na ausência de garantias por parte da Groundforce e do seu acionista maioritário, houve uma decisão da TAP de não prestar mais auxilio. Depois houve um período de um mês, um mês e pouco, em que tentámos chegar a um entendimento com o acionista maioritário. O acionista minoritário é que estava a auxiliar a empresa e da parte do acionista minoritário não houve a mesma disponibilidade.
O acionista maioritário não quis auxiliar a Groundforce. Ajuda foi dos contribuintes
Aliás, nunca houve. E em fevereiro dá-se a situação de os salários não terem sido pagos. Estivemos semanas em conversações e foi possível chegar a um entendimento em que a TAP comprava os equipamentos à Groundforce, e depois alugava-os à Groundforce e isso permitiu, com um pagamento de cerca de 7 milhões de euros, que a empresa pudesse pagar os salários em atraso de Fevereiro, Março e Abril. Foi um contrato assinado em meados de Março, e este dinheiro que entrou na Groundforce foi disponibilizado pelos contribuintes portugueses. São eles que estão a apoiar a TAP. Sem este investimento a TAP já não existiria e a Groundforce também não existiria como prestador de serviços à TAP
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Mas esta semana, a Groundforce decide anular esse contrato.
Entretanto, tínhamos tido conhecimento de que havia alguns interessados em comprar a Groundforce.
Decisão da Groundforce é incompreensível
E isso implicava um entendimento com o acionista maioritário, porque a posição da TAP é minoritária. E estávamos a trabalhar nesse cenário. Sabíamos que havia entendimentos entre o acionista maioritário e alguns desses interessados, nomeadamente com um deles, e começámos a trabalhar nesse cenário. Qual não é o nosso espanto quando na terça-feira somos informados que essas negociações tinham-se rompido. E vou deixar aqui muito claro que elas não se romperam por causa da TAP nem de qualquer proposta que a TAP tivesse feito.
Foi uma negociação direta entre o acionista maioritário da Groundforce e um potencial interessado na compra dessa posição?
Exatamente, e a TAP já tinha chegado à fala com esse potencial interessado. E ficámos muito surpreendidos com a decisão do conselho de administração da Groundforce de declarar a nulidade do contrato que tinha sido assinado há um mês. Para nós isto é completamente incompreensível, até porque nós sabemos que quer o conselho fiscal, quer o auditor da Groundforce não emitiram qualquer opinião sobre qualquer nulidade dos contratos.
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Mas o conselho de administração da Groundforce diz que sim, que emitiu.
Mas não, não emitiu. Nós também temos administradores na administração da Groundforce e acreditando na palavra deles, obviamente, e no conselho fiscal, que também tem representante. Portanto, os contratos, para nós, encontram-se em vigor, e hoje [sexta-feira, 30 de abril] vence-se a primeira prestação.
Não há um clima de confiança entre os acionistas da Groundforce
Aguardamos que essa prestação possa ser paga porque nem sequer compreendemos como é que um mês depois de ter entrado na Groundforce um montante que permitiu que os salários fossem pagos, esse contrato é declarado nulo. E é evidente que neste contexto não há condições para que haja um entendimento entre o acionista minoritário e maioritário. Não há um clima de confiança nesta altura entre os dois acionistas.
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A Groundforce acusa a TAP de chantagem e queixa-se que este acordo é muito lesivo para a empresa, o acordo que assinou há um mês. Qual é o retorno que a TAP tem deste investimento de 7 milhões de euros?
Este investimento, como lhe chamou, visou essencialmente poder resolver, embora a curto prazo, uma situação que, em termos sociais era muito complicada, com salários em atraso. Não houve chantagem nenhuma. Ninguém obrigou ninguém a assinar qualquer contrato. Nós enviámos uma proposta de contrato depois de várias interações, um contrato já assinado por nós, e se ele foi assinado pelos órgãos sociais da Groundforce... não houve quem apontasse uma pistola à cabeça dos administradores para eles assinarem. Foi, portanto, de livre vontade. Eu refuto essa acusação.
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Mas qual é o retorno financeiro para a TAP?
Não, não foi com esse objetivo que este investimento, como lhe chamou - eu prefiro chamar-lhe apoio - foi feito. Tinha que haver uma garantia. Não poderíamos continuar a apoiar financeiramente sem haver as garantias. Tinha havido uma decisão do conselho de administração da TAP. No fundo, o que se tentou preservar foi uma normalidade dentro da vida da empresa. Fomos confrontados esta semana com uma inversão total do cenário em que estávamos a trabalhar. Isto foi feito na terça-feira.
Parece-me difícil resolver problemas da Groundforce com este acionista
No dia em que estamos a falar, passaram dois dias e meio. Temos vindo a trabalhar, não na mesma direção em que tínhamos vindo anteriormente. A única coisa que lhe posso dizer, nesta altura, é que há um cenário que está completamente excluído por decisão do governo português, que é a nacionalização. De resto, não podemos excluir qualquer cenário, além desse, para a Groundforce.
É possível resolver este problema da Groundforce com este acionista maioritário?
Eu diria que me parece difícil.
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Desde o início 2020 já saíram da TAP mais de 2000 pessoas e ainda terão de sair mais 400 ou 500. Este objetivo vai ser atingido só com medidas voluntárias ou o despedimento coletivo continua em cima da mesa?
Esses acordos permitiram salvar cerca de 750 postos de trabalho. Depois, tivemos a primeira vaga de medidas voluntárias onde aderiram um pouco mais de 600 trabalhadores.
Tivemos também...as candidaturas à Portugália Airlines, porque esta redução de efetivos é na TAP SA, na Portugália não, e que poderão ir até 50. E tivemos a segunda vaga de medidas voluntárias onde os resultados estão a ser ultimados, mas há à volta de cem candidaturas.
Tudo somado?
Isto deixa-nos, no total, com entre 400 a 500 postos de trabalho em excesso que é a situação a que chegámos, e agora estamos numa fase em que esses trabalhadores que foram identificados estão a ter entrevistas individualizadas com o departamento de recursos humanos. Esperamos que isto possa decorrer da forma o mais tranquila possível. Eu não vou dizer que é um processo que esteja a correr bem porque, sinceramente, não acho que um processo destes possa correr bem.
O objetivo é evitar um despedimento coletivo
Mas vai ser possível evitar um despedimento coletivo?
Esse seria o nosso objetivo. Não lhe consigo responder ainda, porque ainda estamos a meio do processo. Vamos ter mais umas semanas em que estas reuniões individuais vão decorrer, mas, esse seria o nosso objetivo, que não houvesse nenhum caso de despedimento coletivo. Não posso dar aqui nenhuma garantia que isso não venha a ocorrer.
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O plano de reestruturação previa que o quadro de pessoal diminuísse para cerca de 6600 trabalhadores, mas isto foi um plano entregue em dezembro. Este número mantém-se?
Este número mantém-se porque o plano que fizemos era um plano bastante cuidadoso, cauteloso, resiliente. Isto são qualificativos que eu ouvi, foi a minha perceção das reuniões que tivemos com a Comissão Europeia. Nós tínhamos que entregar um plano credível em Bruxelas, não podíamos chegar lá com um plano otimista. Não, o plano tinha que ser conservador e foi isso que nós fizemos.
Mesmo assim, o primeiro trimestre decorreu pior do que aquilo que nós tínhamos antecipado, mas, neste momento, também lhe posso dizer - enfim, tentar dar aqui alguma boa notícia, ou menos más - que estamos a assistir já a um aumento das reservas, com o plano de vacinação que está em marcha na Europa e um pouco por todo o mundo. Para contextualizar, nós em fevereiro tínhamos mais de 90% da nossa operação parada. Estávamos com 7 ou 8% dos voos. Março foi muito parecido. Em abril já vamos para um patamar algures entre os 10 e os 20% de voos. Esperamos chegar ao verão, por comparação ao último ano normal, com uma operação a rondar os 60% do que tínhamos em 2019. Já seria positivo.
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A TAP usa um algoritmo para selecionar os trabalhadores para as rescisões?
Os critérios têm de ser critérios objetivos. E, portanto, fizemos, com a consultora que está a trabalhar connosco, que é a BCG, fizemos um acordo para o processamento de dados, o algoritmo foi construído com base em critérios que são objetivos, têm a ver com a experiência, com o absentismo, com o custo, com o salário, portanto, todos esses critérios foram devidamente ponderados. Se o algoritmo fosse aplicado cegamente, isso poderia ser alvo de críticas, mas como disse há pouco, cada caso é um caso. E, portanto, é evidente que as pessoas, no momento em que será tomada a decisão sobre a sua saída ou não saída, garanto-lhe que o algoritmo não atua por si só.
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Mas a denúncia é que haverá casos em que o algoritmo é cego quanto aos motivos que levaram ao absentismo. Há mesmo notícias de alguém que teve dias de luto porque perdeu a família em Pedrógão, e terá sido chamado.
Mas é exatamente por isso que depois há um temperamento da decisão por parte do departamento de recursos humanos e por parte dos responsáveis da gestão da empresa. E todas as regras do regime geral de proteção de dados foram cumpridas pela TAP.
Mas considera que há algum acerto a fazer ao algoritmo, por exemplo, nestas questões do absentismo por via de dias de luto,?
Com certeza. São tudo questões que terão de ser devidamente avaliadas, claro que sim. E como compreenderá, um algoritmo não as apanha. E portanto cabe aos recursos humanos e à gestão analisar. Porque, como disse há pouco, cada caso é um caso.
Nas próximas semanas a Comissão Europeia deverá aprovar o plano de reestruturação. O histórico mostra que Bruxelas raramente aprova seja o que for sem pedir novas condições. Antevê que venham a ser pedidas muitas alterações?
Acho que o plano - é a minha perceção - foi recebido de forma construtiva e positiva em Bruxelas. Diria mais: os acordos a que chegámos com as estruturas sindicais, portanto, com os trabalhadores, também foram muito apreciados em Bruxelas. Já se sabe que nestes acordos há ligeiros desvios ao plano original - é isso que significa negociar.
Espero que Bruxelas aprove o plano em maio e não penso que exija mais medidas gravosas para os trabalhadores
Estou otimista, acho que dentro de um realismo que temos que ter, eu espero, esperamos na TAP, que o plano possa ser aprovado durante o mês de maio pela Comissão Europeia. É natural que haja medidas que devam ser propostas, elas têm vindo a ser discutidas, mas medidas mais gravosas para os trabalhadores não penso, sinceramente, que elas vão ocorrer.
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Já falamos aqui da vacinação, que tem corrido bem em Portugal. Que perspetivas é que isto traz à TAP?
Traz perspetivas de retoma positivas, que, aliás, já estão a ser sentidas nas reservas que finalmente em abril começaram a descolar. Preocupa-nos obviamente a situação que se vive no Brasil, que é o principal mercado, em termos de receita, para a TAP.
Com a vacinação cá e na Europa estamos já a assistir a um aumento das reservas
Esperamos que a situação também possa melhorar, porque, de facto, a TAP com Brasil é uma coisa, a TAP sem Brasil ou com Brasil fragilizado é outra. Foi importantíssimo que os voos para o Brasil e Reino Unido tivessem sido autorizados de novo agora em abril.
Nas próximas semanas será anunciada a nova equipa de gestão da TAP. Vai estar nessa equipa?
Esse é um tema que me diz respeito a mim e ao acionista Estado e portanto ainda não chegou o momento de podermos falar sobre esse tema. Não estará para muito longe no tempo, mas no que eu lhe posso dizer é que continuo totalmente empenhado, dedicado e com a mesma motivação com que assumi estas funções na TAP no dia 30 de junho de 2017. Portanto, vamos aguardar.