Há falhas graves na luta contra a desertificação. Tribunal de Contas faz aviso ao Governo
O Tribunal de Contas recomendou ao Governo que reveja o Programa Nacional de Combate à Desertificação, concluindo que, por falta de recursos, pouco tem sido feito.
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Numa auditoria divulgada esta quarta-feira, o Tribunal de Contas (TdC) considera que o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PANCD), criado em 2014, "não identificou as concretas ações a desenvolver, as entidades e as áreas de governação responsáveis pela sua execução, o respetivo calendário, o custo envolvido" e a articulação com os programas ou fundos que poderiam financiá-lo.
Dirigindo-se especialmente ao ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural e ao do Ambiente e da Transição Energética, o Tribunal recomenda "rever o PANCD" e criar "um sistema de acompanhamento permanente e atualizado da desertificação e da degradação dos solos".
A revisão do programa é precisa para poder aproveitar o próximo período de fundos europeus, de 2021 a 2027 e para cumprir a meta de alcançar a neutralidade na degradação do solo em 2030, conforme os objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pelas Nações Unidas.
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Embora o programa parta de um "diagnóstico adequado" e nele se definam "objetivos e linhas de ação" dirigidos aos principais riscos de desertificação, era suposto ser cumprido "através de outros programas e estratégias", como a gestão de florestas e da água.
Contudo, nota o Tribunal, as "estruturas de governação" do programa "revelaram-se ineficazes", sem que a Comissão Nacional de Coordenação tenha cumprido as suas funções, "por falta de recursos humanos e financeiros" e com um Observatório Nacional da Desertificação que nunca funcionou.
"Não foi ainda implementado um sistema de monitorização permanente e atualizado que permita analisar e interpretar continuamente a dimensão e os riscos de desertificação e degradação dos solos em Portugal", refere o Tribunal no sumário da auditoria.
Mais de metade (58%) do território nacional, sobretudo Alentejo, Algarve, interior Centro e Nordeste são as zonas mais em risco de desertificação, ou seja, da degradação do solo provocada por variações climáticas e atividades humanas.
Na verdade, "não se conhece" a real execução do Programa e "não se consegue determinar a sua eficácia" por falta de recolha de informação e sem "análises ou avaliações" sobre a execução.
No programa de Desenvolvimento Rural, em que está prevista a aplicação de 2,7 mil milhões de euros de fundos europeus entre 2014 e 2020, não se consegue identificar que valor está atribuído ao PANCD.
O Tribunal defende que é preciso que no Plano estejam escritas "concretas ações a desenvolver", que entidades as vão cumprir, calendário, "custos e fontes de financiamento".
Devem também ser definidas "composição, competências, financiamento e operacionalização" das estruturas que é suposto coordenarem o PANCD.
O Tribunal defende ainda que deve ser aprovada "legislação adequada à proteção dos solos, prevenção da contaminação e respetiva remediação".
À Comissão Nacional de Coordenação de Combate à Desertificação e ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, o Tribunal de Contas recomenda "o reforço dos meios humanos" a quem compete o acompanhamento e a execução do programa e a "operacionalização do Observatório".
Ambientalistas falam em "desilusão"
A associação ambientalista ZERO considera que o Programa Nacional de Combate à Desertificação é uma desilusão e que há muito por fazer.
Em declarações à TSF, Francisco Ferreira, presidente da Zero, não se mostra surpreendido com os problemas identificados pelo Tribunal de Contas.
"Quando criamos estruturas muito complexas, com muitas entidades, mas depois não conseguimos organizar e, acima de tudo, repercutir os seus objetivos fundamentais, que são travar a desertificação que está a acontecer ao nível dos solos, agravada pelas alterações climáticas, é uma desilusão", declarou.
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"É preciso ir mais longe e, em muitos caso, temos políticas - a começar pela política agrícola - que estão a pôr em causa o futuro dos solos", denunciou Francisco Ferreira. "Há determinados tipos de agricultura (monocultura, intensiva,...) - como as que nós temos em vários locais do país - que não são o caminho a seguir para liderar com as alterações climáticas e a desertificação progressiva."
"Há demasiado por fazer. É preciso uma visão integrada e séria desta questão e, sem dúvida, financiamento - o que vai, muitas vezes, contra determinados interesses, nomeadamente de autarquias e do setor agrícola", concluiu.
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Notícia atualizada às 10h34