O antigo diretor-geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais considera que o pedido de amnistia de penas por parte dos bispos católicos faz todo o sentido
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Rui Abrunhosa Gonçalves considera que “há realmente um problema” que faz com que mais pessoas do que o número recomendável fiquem no sistema prisional. Até há alguns meses diretor dos Serviços Prisionais, Abrunhosa Gonçalves aponta, na TSF, que esta taxa demasiado elevada em relação à média da União Europeia (118 presos por 100 mil habitantes quando na UE não ultrapassa os 73) se deve ao elevado número de presos preventivos que ficam muito tempo a aguardar julgamento, mas também ao número de pessoas condenadas por demasiado tempo.
"Quando os reclusos têm a possibilidade de usufruir de liberdades condicionais, em muitos dos casos, só usufruem tardiamente, já nos 2/3 ou nos 5/6 da pena", refere. "Noutros casos [as situações de liberdade condicional] também são apreciadas tardiamente.”
Por outro lado, na opinião de Abrunhosa Gonçalves, também há indivíduos que “continuam a ser presos por aquilo que se chamam bagatelas penais, e que não se justificaria, nomeadamente por conduzir sem carta, ou eventualmente com algum teor de álcool no sangue”, conta. "Esses indivíduos acabam por constituir um grupo considerável de pessoas que acaba por lotar o sistema”, acrescenta.
Diretor dos Serviços Prisionais até setembro, quando foi demitido após a fuga de cinco prisioneiros da cadeia de Vale de Judeus, Abrunhosa Gonçalves diz que a situação que se verifica nas cadeias “tem a ver um bocadinho com a mentalidade dos juízes que entendem que deve haver mais tempo de encarceramento para estas pessoas”. “É preciso depois ver até que ponto isso realmente é ou não benéfico na perspetiva da reincidência, porque quanto mais tempo uma pessoa está presa, a possibilidade de se reinserir cá fora com êxito diminui”, explica.
No entanto, ressalva que "tem que haver claramente penas pesadas para crimes graves e, nesses casos, levar eventualmente até ao limite, o cumprimento da pena, os 5/6 a penas superiores a seis anos". Noutros casos, ser “mais brando”. Rui Abrunhosa Gonçalves considera que é necessário fazer a apreciação do risco que esses indivíduos representam e, eventualmente, substituir as penas de prisão por penas na comunidade. “Aí diminuímos claramente a taxa de encarceramento", assinala.
O antigo responsável pelas cadeias portuguesas sublinha que se assiste também a disparidades na atribuição de penas pelos diferentes tribunais. “Isto faz com que, muitas vezes, os próprios reclusos andem a pedir para ser transferidos de um estabelecimento prisional para o outro, porque sabem que nesse outro estabelecimento prisional se vai mais facilmente embora em liberdade condicional”, garante. “E essa disparidade é realmente muito prejudicial”, tanto para a reinserção social, como para a uniformidade na aplicação das medidas.
O que passou na pandemia, quando foram libertados cerca de dois mil prisioneiros, é apresentado como um exemplo, embora na opinião de Abrunhosa Gonçalves as medidas a tomar para o futuro devam ser duradouras e não pontuais.
“Decorridos dois anos dessas medidas de clemência adotadas na altura da pandemia, desses dois mil, só cerca de 20% é que tinham retornado a cometer crimes, o que mostra efetivamente que, por um lado, a avaliação de risco feita para essas pessoas serem soltas foi a adequada, por outro, provavelmente muitos desses indivíduos não precisariam de estar presos, mas sim a cumprir uma medida em liberdade, na comunidade”, conclui.