"Hoje não está tempo de moer." Mais um dia sem vento no moinho do Sr. Joaquim
No Dia Nacional dos Moinhos, a parceria entre a TSF e a Rede Portuguesa de Moinhos passa também pelo Oeste, onde existe um dos poucos moleiros que ainda vive exclusivamente da produção de farinha. Na Sexta-Feira Santa, o dia foi de intenso trabalho. Apesar da falta de vento.
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O feriado acordou sem uma brisa, apenas ao som dos pássaros e do sino da aldeia. Do vento, nem sinal. Joaquim Constantino e o moinho conhecem-se desde que ele se entende por gente. O suficiente para ter uma certeza: "Hoje não está tempo de moer".
As velas estão enroladas; as varas, paradas; os búzios, calados. O tempo, e o vento, mudaram. E muito. "As coisas estão diferentes. Por exemplo, há uma nortada hoje; amanhã não se importa de estar a chover ou vento noutra posição! E muito menos vento. Há muito menos vento, nesta altura. E depois faz aquela coisa que é vir mal governado... vem todo de uma vez, dava para uma semana ou duas!". E pronto, o moinho fica parado.
Ou não. Joaquim Constantino toda a vida viveu da farinha e assim continua. Por isso, as alterações climáticas não podem parar o moinho. Sempre que não há vento, vale ao moleiro o motor elétrico. É ele que hoje move as mós, mas o moleiro garante que a farinha é boa na mesma. Só haveria diferença se fosse de mós diferentes: "A mesma pedra, o mesmo cereal,... seja acionado constante, 'tá tudo bem".
No andar de cima, a grande roda não para. O milho desliza para o centro da mó, controlado pelo cadelo, uma espécie de "agulha" em cima do "disco", que vai garantindo a entrada da quantidade certa de cereal para conseguir uma boa farinha.
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"O som é o mais importante"
Em dias ventosos, as velas brancas dançam ao ritmo do vento. Uma dança que faz mover o mastro e, quando o vento muda de direção, basta ao moleiro ouvir o "cantar" dos búzios, pequenas vasilhas de barro, colocadas em cada uma das varas. Joaquim Constantino explica que "o som é o mais importante", já que esse som é diferente conforme o quadrante do vento. E o vento muda sem aviso. Por isso, saber dominar o moinho é uma "arte" só de alguns.
Este moinho, ali bem perto da aldeia de Bordinheira, no concelho de Torres Vedras, está na família há três gerações. Aos 10 anos, Joaquim já andava no moinho do pai. Tudo o que sabe aprendeu sozinho, a ver o pai trabalhar, ou na brincadeira com um primo.
Já lá vão "48 mais 20", diz Joaquim, sobre os anos que leva de moinho. A paixão é grande, mas a verdade é que os sacos de farinha começam a pesar: "Os sacos estão a ficar cada vez mais pequenos e mais pesados", ri-se o moleiro. "Até a alguns clientes digo que a fábrica dos sacos deixou de fabricar sacos de 50 quilos! Mas não. Ainda não deixaram. Dos silos, saíam sacos de 80 quilos. Passaram muitos centos deles pelas minhas costas. E a gente até brincava com aquilo!" Outros tempos. Agora, não. Agora, "estão pesados, pesados, que é uma coisa doida!".
Proteger e valorizar
Só no Oeste, há cerca de 900 moinhos. As 12 câmaras da região têm em discussão pública um plano para recuperar e valorizar este património. Chama-se "Oeste, moinhos com futuro" e foi apresentado em meados de março.
Jorge Miranda, da Rede Portuguesa de Moinhos, vê vontade de não deixar cair um "passado com futuro". Trata-se de recuperar moinhos "com objetivos museológicos, educativos, mas também, e cada vez mais, como fontes de rendimento. E não apenas ligadas ao turismo".
O antropólogo defende que se trata de um património cada vez mais procurado. Jorge Miranda nota que, agora, quem gosta de moinhos, "consome" tudo o que com eles estiver relacionado, desde o edifício propriamente dito, passando pelo moinho, e pela história dos seus antepassados. E "tudo isso deve ser servido em valor. Os moinhos são as máquinas do passado; são a nossa indústria pré-industrial. Portanto, há aqui mesmo muito futuro, com novos caminhos para os moinhos. Os sacos vão ser mais leves".
E para discutir também a salvaguarda e preservação dos moinhos portugueses, os especialistas voltam a reunir-se em 2022. Adiado novamente por causa da pandemia, o Sexto Encontro Nacional de Molinologia está previsto para o Dia Nacional dos Moinhos do próximo ano, 7 de abril, precisamente na região Oeste.
80 quilos por hora
É feriado, mas o moinho de Joaquim Constantino trabalhou todo o dia. Passa das sete da tarde e o armazém está composto, com sacos e sacos de farinha, prontos a entregar. "Fazemos à volta de 80 quilos por hora, em cada mó de milho. Na de trigo, aí uns 130 a 150 kgs". Ao todo, são quatro, as mós de Joaquim. Duas de milho, duas de trigo. Todas movidas a um saber de experiência feito.
Afinal, este moleiro continua a viver da farinha. É um dos poucos em Portugal. Mais sério ao nascer do dia, sorridente ao pôr-do-sol, o Sr. Joaquim remata: "Se a azenha não tiver água, o moleiro bebe água; se a azenha tiver água, o moleiro bebe vinho. É o mesmo com o vento".
Indiferente à falta dele, o vento, a mó continua a rodar.