Hospital de Santa Maria ameaça processar quem faça "críticas ofensivas" nas redes sociais. Utentes falam em "repressão"
A administração do hospital afirma que este tipo de publicações tem crescido nos últimos meses e "atingem a honra", a "reputação" e o "bom nome" da instituição e dos profissionais que nela trabalham
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Quem criticar publicamente o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, pode ir parar a tribunal. Num despacho a que a TSF teve acesso, a administração do hospital explica que estão em causa publicações nas redes sociais que podem ser consideradas "ofensivas", publicações essas que têm crescido nos últimos meses e "atingem a honra", a "reputação" e o "bom nome" da instituição e dos profissionais que nela trabalham.
No documento assinado pelo presidente da administração do Hospital de Santa Maria, é defendido que estas mensagens publicadas nas redes sociais e que são "claramente ofensivas" devem ter uma "resposta firme e proporcional", o que inclui a possibilidade de recurso ao Ministério Público e aos tribunais. Nesse sentido, Carlos Martins determina que o gabinete jurídico avance com processos.
Depois da divulgação deste despacho, foi emitido um esclarecimento, no qual se explica que a medida serve para "proteger" os profissionais da Unidade local de Saúde de Santa Maria e a própria instituição de "ataques externos, injuriosos, atentatórios das boas práticas e do bom nome das equipas, publicados por terceiros nas redes sociais". Excluídos desta medida estão os conteúdos que os profissionais do Hospital de Santa Maria possam publicar, de forma individual, nas redes sociais.
O Conselho de Administração do Santa Maria escreve que espera não ter de utilizar este mecanismo jurídico contra terceiros, mas avisa que não hesitará em defender o "bom nome e a integridade moral" dos seus profissionais.
"Tudo agora é comer e calar, mas no 25 de Abril aprendemos a comer e não calar"
Ouvida pela TSF, Luísa Ramos, do movimento dos utentes dos serviços públicos, sublinha que, muitas vezes, a forma como são feitas as críticas nas redes sociais não é a mais correta, mas a repressão não é caminho.
"Quem entra por vias da repressão, seja ela jurídica, seja ela física, com certeza que não está a ajudar o problema e, portanto, se os serviços jurídicos do Hospital de Santa Maria estão a agir assim, é seguramente porque têm cobertura governamental, provavelmente. Era interessante perceber o que o Ministério pensa desta iniciativa dos serviços jurídicos. Não tem sentido e desvia a atenção do que é fundamental", explica à TSF Luísa Ramos.
O movimento dos utentes dos serviços públicos defende que não é pela via da repressão que se resolvem os problemas. Luísa Ramos fala em mesquinhez, por parte do Conselho de Administração do Santa Maria, e assegura que, tal como os profissionais de saúde, os utentes também querem defender o SNS.
"O que os utentes dizem é que é preciso salvar o Serviço Nacional de Saúde, é preciso mais médicos, é preciso dar estabilidade aos profissionais e, portanto, a preocupação do utente é no sentido de que, com os seus alertas, com as suas denúncias, com as suas lutas, o que eles querem é mesmo defender o Serviço Nacional de Saúde, que está de acordo com muito do que os profissionais têm sofrido e, no fundo, têm sido eles os grandes protagonistas do que temos ainda de bom no Serviço Nacional de Saúde", considera, sublinhando que a posição da administração da instituição é "mais uma linha de mesquinhez e de falta de condições para resolver os problemas".
"Eles canalizam pelo silenciamento, pela punição, em vez da resolução dos problemas. Tudo agora é comer e calar, mas não, no 25 de Abril nós aprendemos a comer e não calar quando as coisas não estão bem", atira, acrescentando: "Eu não defendo que se pessoalize os problemas. Com certeza que haverá no meio deste mundo da medicina, no Serviço Nacional de Saúde, dos profissionais de saúde, pessoas menos corretas no tratamento com o utente, mas isso não justifica que se vá para as redes sociais falar do médico A ou do enfermeiro B. Os problemas resolvem-se pela exigência de que o Governo resolva, de facto, os grandes e graves problemas do Serviço Nacional de Saúde e as condições exigidas pelos profissionais de saúde."