"Não ter deixado cair João Galamba custou caro ao país"
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Jurista, 43 anos, foi a única deputada do PAN que sobrou no Parlamento, dos quatro que constituíam a bancada depois das Legislativas de 2022. Resistiu como porta-voz do partido apesar da oposição interna do primeiro deputado eleito, André Silva.
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O primeiro-ministro demitiu-se na sequência do último parágrafo num comunicado do gabinete de imprensa da PGR que diz que ele é alvo de processo-crime no Supremo Tribunal de Justiça. Suspeitas muito vagas mas com consequências gravíssimas: a queda do Governo. Como é que viu a atuação judicial nesta questão?
António Costa fez a única coisa que poderia fazer, havendo uma investigação. Houve um desprendimento que reconhecemos. Mas quando uma decisão desta natureza pode deitar um Governo abaixo e causar uma crise política que pode levar o país para uma crise socioeconómica ainda mais profunda, no mínimo aquilo que achamos que deveria acontecer era a constituição como arguido e a apresentação de factos na constituição como arguido.
Vamos supor que neste inquérito de crime que foi aberto ao primeiro-ministro se conclui que, afinal, não se passou nada. A PGR terá de se demitir?
Existem mecanismos próprios, nomeadamente dentro dos conselhos superiores de magistratura, para também responsabilizar quando existe um abuso de poder por parte dos órgãos que o praticam. Daí que o PAN tenha apelado para que este caso seja esclarecido com a maior celeridade possível, para que o país não fique em suspenso. Não podemos ter processos como o que vimos no caso, por exemplo, de José Sócrates, a arrastarem-se durante anos, a ter megaprocessos que são infindáveis ou que acabam por prescrever e não dar em nada. Não podemos permitir que, por um lado, a vida das pessoas fique manchada com uma suspeição e um julgamento em praça pública e, por outro, havendo efetivamente um crime ou um alegado crime, que o mesmo passe impune. Mas há um sinal importante que é dado: ninguém está acima da justiça, nem um primeiro-ministro, mas é grave que num país como Portugal tenhamos já pela segunda vez, um primeiro-ministro sob investigação e tenhamos já um Governo com casos reiterados de corrupção ou de alegada corrupção, presidentes de câmara - este mandato fica marcado por isso. António Costa deveria ter demitido lá atrás João Galamba. Galamba há muito que não reunia as condições políticas para se manter e aqui a teimosia de António Costa saiu-lhe caro. Não ter deixado cair João Galamba na altura certa custou caro ao país e agora, ao invés de estarmos a discutir o Orçamento do Estado, estamos mais uma vez com um caso demasiado grave.
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Vamos supor que se repete um cenário tipo Madeira. O PSD vence sem maioria, nas próximas legislativas. O PAN estará disponível para um acordo com o PSD, como fez na Madeira?
O exercício mostrou que o PAN é um partido útil. O PAN é um partido que quando é eleito trabalha para fazer avançar as suas causas. Não estamos na Assembleia, seja ela da República ou Regional, para não fazermos avançar aquilo que são as preocupações de quem nos colocou e elegeu naquele lugar. A nossa grande preocupação num ato eleitoral é efetivamente conseguirmos recuperar um grupo parlamentar, garantirmos que conseguimos dar mais força àquilo que são as causas que representamos.
Mas o PAN está disponível ou não para acordos pós-eleitorais de governação com o PSD?
A nossa coligação é com os portugueses. Teremos de fazer essa avaliação após as eleições e após o resultado eleitoral em função daquilo que seja o caderno eleitoral, não só de cada força política, mas também o compromisso de aproximação com as nossas causas. Há linhas vermelhas que o PAN jamais ultrapassará. Nunca daremos a mão a um partido que dê a mão ao Chega. Na Madeira não há touradas, portanto, era possível fazer um acordo.
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Quais seriam as condições para um eventual acordo? A tauromaquia é uma condição?
Sem dúvida. Na Madeira não tínhamos touradas, portanto, havia condições para não pôr em causa princípios e valores do PAN que para nós são fundamentais.
Essa será uma das condições, mas haverá outras para haver um eventual acordo?
O PAN é um partido que tem consciência da sua dimensão. Não somos um partido de Governo, somos um partido quanto muito de incidência parlamentar, estamos na Assembleia da República para fazer, de facto, avançar as nossas propostas e fazer acordos, tal como temos feito, seja no âmbito do Orçamento do Estado ou para viabilizar um potencial Governo por via da aprovação dos orçamentos. Qualquer solução terá de passar sempre por um caderno de encargos que vá ao encontro daquilo que são as nossas preocupações e das nossas áreas de atuação, incluindo naquilo que são áreas fraturantes como a proteção animal. Temos neste momento um risco com a queda desta legislatura, que é ficar pelo meio a revisão constitucional e a consagração da proteção animal na Constituição. Esse compromisso terá de ser um compromisso assumido por qualquer futuro governo.
Disse aqui também que não estará disponível para um acordo que inclua o Chega. E se incluir a Iniciativa Liberal, estará disponível?
Em política temos de saber ler o momento e o contexto político e é preciso saber fazer cedências. Mas é preciso sabermos também que se queremos fazer avançar as nossas causas é preciso saber ver até onde é que estão disponíveis para ir as forças políticas democráticas.
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Então, enquanto com o Chega fecha a porta, com a IL não fecha a porta?
Há uma diferença entre a Iniciativa Liberal e o Chega. É que a Iniciativa Liberal tem uma ideologia diferente do PAN e de outras forças políticas, com a qual discordamos, mas do ponto de vista dos direitos humanos não nos parece que tenha até hoje colocado em causa os direitos humanos como o Chega o faz com uma atitude xenófoba, racista, discriminatória, misógina.
No caso de um acordo de governação em que o PAN alinhe com o PSD, as exigências sobre a questão da tauromaquia são exatamente quais?
É muito clara a vontade dos portugueses que as touradas acabem em Portugal, os portugueses não querem o financiamento da tauromaquia. Neste momento, temos tido uma grande dificuldade em que haja um financiamento às famílias. Pagam a alimentação dos animais e os serviços médico-veterinários com IVA de 23% como se fosse um bem de luxo, mas continuamos a ter uma média de 16 milhões de euros de apoios diretos à tauromaquia quando todos os estudos nos dizem que os portugueses não querem esse tipo de financiamento público para as touradas, que não querem desvio de dinheiro do PRR, como aconteceu recentemente numa câmara municipal em que foram gastos mais de 12 mil euros em bilhetes para as touradas. Não querem sequer a perpetuação das touradas no nosso país, portanto, é muito claro que a agenda do PAN é uma agenda abolicionista das touradas e que haja uma reconversão das praças de touros e uma reconversão da atividade. Portanto, toda a gente sabe que o PAN tem na sua agenda essa abolição. Agora, não estamos preocupados com quem é que o PAN terá de fazer acordo ou não, estamos preocupados em eleger e levar as nossas causas para a Assembleia da República. O PAN não é um partido com uma dimensão governativa, e teremos que, evidentemente, respeitar também aquilo que seja a dimensão que os portugueses nos queiram dar no próximo ato eleitoral.
O primeiro-ministro demitiu-se por causa de negócios relacionados com a proteção ambiental , o hidrogénio, o lítio com que se fazem as baterias dos carros elétricos. E afinal, este mundo da proteção ambiental parece ser um mundo tão corrupto como o mundo antigo do petróleo e do carvão. Como é que vê o facto destas questões da proteção ambiental não induzirem nenhuma espécie de nova ética no comportamento humano?
Aqui não é o mundo da proteção ambiental que tem falta de ética, é a governação e e a falta de transparência que tem existido, que não permite essa ética. Porque se houvesse transparência, tal como o PAN tem exigido, se a Entidade da Transparência já estivesse a funcionar em pleno, como o PAN tem exigido, haveria uma maior capacidade de escrutínio, porque a transição energética e a economia verde não têm de ser inimigas do progresso, muito pelo contrário. O PAN pediu de imediato a revogação do Simplex Ambiental e do Simplex Urbanístico porque acreditávamos que o mesmo traria problemas graves ao país do ponto de vista ambiental e do ponto de vista do processo. E recordo que nesta investigação está também envolvido o presidente da APA [Agência Portuguesa do Ambiente] e foi uma das questões que colocámos já em causa no âmbito do abate dos sobreiros, quer em Sines quer agora mais recentemente com o projeto do aeroporto em Alcochete.
Falando de transparência. Não conhecemos os termos exatos do acordo do PAN com o PSD na Madeira, tal como conhecemos, por exemplo, quando foi a geringonça.
É público e pode ser consultado diretamente no site do PAN.
O que é que falhou na comunicação com os eleitores, nesse caso?
Assim que foi feito o acordo foi feita uma conferência de imprensa onde a nossa deputada eleita, Mónica Freitas, transmitiu os principais pontos do acordo e aquilo que tinham sido os alicerces deste acordo de incidência parlamentar e que corresponde àquilo que está escrito no mesmo.
Mas, por exemplo, os acordos da geringonça tinham duas partes: uma tinha as políticas setoriais, em que havia acordos ou não havia acordos, e outra parte com as condições de governabilidade. Qual é o compromisso do PAN em relação, por exemplo, aos orçamentos regionais que o Governo do PSD na Madeira apresentar? É um compromisso de viabilizar ou não viabilizar?
É um compromisso de análise.
Se houver moções de censura qual é o compromisso do PAN? É aprovar ou não aprovar? Qual é o compromisso do PAN estabelecido por escrito em relação à estabilidade política na Madeira?
As políticas setoriais estão reveladas, mas também está acordado que não só o Governo Regional tem que dar conhecimento prévio ao PAN daquilo que são as suas iniciativas para que possam ser avaliadas, negociadas e trabalhadas até com a colaboração do PAN antes de serem propostas e levadas à Assembleia Regional. Isso permite depois ir à questão que coloca, que é evitar que cheguemos a um ponto em que haja uma necessidade de não acompanharmos um Orçamento Regional ou então termos de, numa circunstância de uma moção de censura, não estarmos ao lado do Governo Regional. A estabilidade governativa vai depender do compromisso de ambos darmos conhecimento daquilo que são as nossas propostas e iniciativas e de dialogarmos, em conjunto, no sentido de viabilizarmos as mesmas. Mas o PAN não está de forma alguma condicionado ao que pode ser um incumprimento por parte do Governo Regional e no dia em que passar alguma das linhas vermelhas do PAN, o PAN está perfeitamente legitimado para deitar abaixo o acordo.
Quando é que o PAN apresenta a cabeça de lista para o Parlamento Europeu e que perfil é que define?
Temos estado a trabalhar já nas Europeias. Estávamos já a desenhar o calendário para, no início do primeiro trimestre, começarmos não só a anunciar aquilo que são as principais iniciativas, a pré-campanha e também o calendário para o anúncio da escolha da nossa Comissão Política Nacional.
E o retrato-robô, também já está feito ou não?
Tem de ser alguém profundamente comprometido com as causas do PAN e não que queira usar aquele lugar como um trampolim pessoal. A seu tempo iremos divulgá-lo.
O que é um mau resultado para o PAN nas eleições europeias?
Aquilo que gostaríamos é de eleger um ou uma eurodeputada.
Se não for eleito um eurodeputado não é uma derrota para si enquanto líder do partido?
Não fazemos essa leitura interna porque temos a consciência do momento complexo que a Europa vive e, portanto, tendo essa consciência acho que seria, de facto, uma falta de sinal de maturidade até política estarmos a colocar isso nessa perspetiva.
SNS. Tendo tantos problemas , é mesmo prioritário um SNS para os animais, como o PAN defende?
Não nos podemos esquecer que temos hoje mais de metade das famílias com animais de companhia e que os custos com os animais de companhia aumentaram em 12%, além de que as famílias nos têm pedido efetivamente que baixem esses valores e que, ao estarmos a apoiar e a criar um serviço nacional público para apoiar os animais de companhia, isto é uma medida social. Estamos a ajudar as pessoas e a combater o fenómeno do abandono.
Mas numa altura em que o SNS das pessoas tem tantas dificuldades, como é que acha possível explicar ao cidadão comum que um SNS dos animais é prioritário?
É preciso fazer escolhas, mas não compreendo como é que perdemos 18 mil milhões de euros todos os anos para a corrupção, que podia ir para o SNS, quer das pessoas quer dos animais, como é que gastamos dinheiro na tauromaquia e na caça. Temos hospitais veterinários das faculdades de Medicina Veterinária públicas e a criação desta rede poderia ser feita através do ensino veterinário público e não estaríamos a onerar o Estado. Estaríamos sim a ajudar os mais vulneráveis ao invés de estarmos a dar 16 milhões de euros à tauromaquia.
Acha mesmo que ter um animal de companhia é um bem essencial? Ou seja, nas prioridades do Estado faz algum sentido perder receita do IVA, por exemplo, na comida dos animais de companhia?
O animal não é um bem, é um ser vivo dotado de sensibilidade, tal como diz o Código Civil e é um ser vivo que carece de cuidados. Temos mais de 42 mil animais, segundo os dados oficiais, abandonados ao ano e as famílias têm-nos pedido que haja uma baixa do IVA, porque a alimentação já teve um aumento de cerca de 200% em determinado tipo de produtos e uma média na alimentação de 12% de aumento.
Mas perdendo receita do IVA por causa da alimentação dos animais de companhia são uns contribuintes que pagam pelos outros.
Não faz sentido que, por exemplo, um hotel pague 6% de IVA - e aqui estamos a falar, aí sim, de um serviço que é um serviço até turístico e que pode ser considerado um bem de luxo -, mas cuidar de um animal de companhia, que é um ser vivo e que está sob a responsabilidade humana, tenha um IVA taxado como se fosse um bem de luxo.
Mantêm-se feridas abertas no PAN como resultado do último congresso. Admite algum gesto de reconciliação interna aproveitando a lista para as Europeias, por exemplo?
Esta direção foi eleita com mais de 72% dos votos. Há uma clara união em torno desta direção. Esta direção irá eleger alguém da sua elevada confiança para as eleições europeias. Não iremos eleger alguém em quem não confiamos porque o PAN não irá repetir erros do passado. E os portugueses podem ter a confiança de que a pessoa que for escolhida não irá defraudar o voto que será confiado no PAN nas próximas eleições. Portanto, acordos com a oposição [interna], se é isso que depreendo das suas palavras, não estamos disponíveis para tal.
