Tomás Correia, antigo administrador do banco público, está a ser ouvido na comissão de inquérito da Caixa no Parlamento.
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O antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) António Tomás Correia disse esta terça-feira no parlamento que a direção de risco "não era muito respeitada", e que uma cultura "conservadora" foi perdida no banco.
"A direção de risco não era muito respeitada, havia uma prática no tempo de [Rui] Vilar e João Salgueiro nos conselhos de crédito" que se perdeu, disse António Tomás Correia, atual presidente da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), que está a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos.
Tomás Correia, que foi administrador da CGD entre 1996 e 2003, disse que a "cultura da instituição foi muito conservadora e, a partir de certo momento, começou a perder-se".
"E a perda numa análise de risco e de crédito não conduzia a bons resultados", acrescentou o gestor.
https://www.tsf.pt/portugal/economia/interior/inqueritocgd-berardo-diz-que-tem-sido-usado-como-bode-expiatorio-para-todos-os-males-da-cgd-10884530.html
Anteriormente, segundo Tomás Correia, existia "uma política de discussão aberta de todos os participantes" nas reuniões mais importantes, em que "os diretores se sentavam ao lado dos administradores" e havia "uma discussão muito intensa".
Posteriormente, deixou de haver "um ambiente culturalmente favorável no sentido de termos garantias, preços, contrapartidas alinhados com aquilo que era a minha visão", disse Tomás Correia, que acabou por sair da CGD em 2003.
"O dia mais triste da minha vida foi provavelmente o dia em que saí da Caixa, mas fi-lo por lealdade a uma instituição que servi durante 36 anos".
António Tomás Correia demonstrou também discordância face à política da CGD para o Brasil, ao vender participações em bancos que "mais tarde vieram a fusionar-se" [o Unibanco e o Itaú], criando "o maior banco da América latina".
"Percebi que o propósito era vender à primeira oportunidade essas operações", revelou o gestor, que crê que "se a Caixa tivesse mantido essa participação, provavelmente os esforços dos portugueses" não teriam sido tão elevados, referindo-se à injeção de dinheiros públicos na CGD.
https://www.tsf.pt/portugal/politica/interior/inqueritocgd-ex-diretor-de-risco-remete-mas-decisoes-na-caixa-para-administracoes-10906506.html
Operação dos 'Boats Caravela' foi uma "falha monumental"
O antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) António Tomás Correia classificou hoje a operação dos 'Boats Caravela' de "falha monumental" do banco público.
"Não consigo encontrar explicação", disse Tomás Correia no parlamento sobre os 'Boats Caravela', uma operação que gerou perdas de 340 milhões de euros para o banco público.
Tomás Correia, ouvido na segunda comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD, disse que não foi ele quem sugeriu a operação, e que o conselho de administração não sabia do risco na mesma.
"Nunca o risco apercebido por alguém permitia a partir das apresentações que foram feitas antecipar qualquer perda dessa natureza. Nunca", garantiu o atual presidente da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG).
Os 'Boats Caravela' foram um instrumento financeiro investido pela Caixa que implicava troca de ativos, mas acabou por dar hipótese contratual à contraparte do negócio (o Credit Suisse First Boston) de colocar nos ativos trocados produtos financeiros de baixa qualidade, que desvalorizaram e geraram perdas de 340 milhões de euros para o banco público.
O gestor acrescentou que "se fosse possível a partir das apresentações ver um risco dessa natureza" a operação "não se fazia".
Tomás Correia disse ainda não perceber como é que a Caixa "não discute esse tema em tribunal até às últimas consequências".
"A Caixa até podia perder", afirmou, mas "uma coisa destas vale uma discussão até às últimas consequências em qualquer tribunal do mundo".
"Não percebo porque é que pagámos e calámos", declarou Tomás Correia.
O deputado do PS João Paulo Correia disse então que "ninguém no país acredita" no que o presidente do Montepio estava a dizer, citando documentos da CGD que diziam que o banco público não tinha identificado "qualquer análise efetuada pela direção de risco e jurídica".
"Se calhar ninguém sabia o que estava a assinar", disse João Paulo Correia citando o ex-presidente da Caixa António de Sousa, que usou as mesmas palavras na comissão de inquérito.
"Não estou a dizer que a culpa é do tesoureiro, mas que houve uma grande distração, não tenho dúvida que houve", admitiu Tomás Correia.
O gestor disse ainda que "há um erro monumental em aceitar" as cláusulas que permitiram trocas que geraram perdas.
"Nunca ninguém enunciou ou deixou antever qualquer possibilidade da contraparte poder depois trocar ativos a seu bel-prazer", asseverou.
Mais tarde, questionado pela deputada do CDS-PP Cecília Meireles sobre quais as vantagens das operações 'Boats Caravela', o gestor disse que "no âmbito da gestão de tesouraria (...) evitar provisões de 25 milhões de euros não é uma coisa despicienda".
"Eram cinco milhões de contos em 1999, há 20 anos, uma quantia bastante significativa", lembrou o gestor.
Tomás Correia disse que a operação foi apresentada à administração da CGD "como uma espécie de 'swap' [troca] de ativos, mas sem que a contraparte pudesse alterar os ativos como lhe aprouvesse".