Deputados podem ter mais do que uma residência habitual e escolher a que declaram, numa prática que está à beira de ser travada numa proposta assinada por todos os partidos.
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Numa altura em que o Parlamento se prepara para mudar a lei sobre a morada que os deputados podem declarar à Assembleia da República, a Procuradoria-Geral da República (PGR) garante à TSF que ainda não há arguidos, mas continua em curso uma investigação sobre eventuais fraudes nestas declarações.
O inquérito a casos suspeitos em que os parlamentares terão indicado moradas que não coincidiam com as suas residências efetivas para serem beneficiados no cálculo de ajudas de custos e despesas de deslocação
foi noticiado em novembro pela Visão.
Mais de meio ano depois, a PGR apenas diz que a situação se encontra "em investigação, está em segredo de justiça e não tem arguidos constituídos", sendo "dirigido pelo Ministério Público do DIAP de Lisboa".
Não são indicados nomes nem número de deputados em causa, numa investigação sem alvos conhecidos que estará a causar incómodo no Parlamento.
Fontes parlamentares adiantam à TSF que a Secretaria-Geral do Parlamento tem sido contactada pelo Ministério Público para prestar esclarecimentos, mas nem a PGR nem a Secretaria-Geral respondem se isso tem ou não acontecido.
Deputados podiam ter mais do que uma residência habitual
Os magistrados que investigam o caso estarão a defrontar-se com um problema descrito num parecer jurídico pedido em 2018 pelo Parlamento depois do caso do deputado Feliciano Barreiras Duarte que durante anos declarou como residência habitual e fiscal uma casa no Bombarral quando tinha outra em Lisboa,
surgindo, de seguida, notícias de outros casos similares.
O parecer de junho do ano passado a que a TSF teve acesso conclui que até agora os deputados podiam declarar a residência que quisessem, desde que esta fosse "habitual", sublinhando que "não incumbe aos serviços da Assembleia da República averiguar qual é na realidade a residência efetiva (habitual) do deputado".
"Não podendo excluir-se que um deputado possa ter mais do que uma residência habitual, onde permanece, alternadamente, de forma estável, então qualquer uma das residências habituais alternadas relevará para efeitos de atribuição e cálculo das referidas atribuições pecuniárias", diz o documento, não tendo "qualquer relevância ter casa própria em Lisboa" e cabendo ao respetivo deputado indicar qual das suas residências deve ser considerada.
Problema resolvido para a próxima legislatura
Esta sexta-feira, à beira do fim da legislatura, o Parlamento discute um projeto de lei do PS, PSD, BE, CDS, PCP e PEV que muda as regras dos subsídios dos deputados, clarificando de vez qual é a morada que devem declarar à Assembleia da República.
Falando em "clareza", o projeto de lei diz que a partir de agora a residência efetiva do deputado terá de ser aquela que está registada no cartão de cidadão, nomeadamente para cálculo de abonos.
Um dos deputados que esteve no grupo de trabalho que desenhou a proposta, Pedro Delgado Alves (PS), explica que a solução encontrada resolve o problema mas apenas a partir da próxima legislatura, sem efeitos sobre os casos que estarão a ser investigados pela justiça.
Sublinhando os pareceres contraditórios no passado sobre este tema, Pedro Delgado Alves diz que a solução 'cartão de cidadão' resolve de vez uma "dúvida" e uma "ausência de resposta única", seguindo um caminho de identificação da morada do deputado que é "seguro" e que é usado, em geral, em toda a Administração Pública para outros efeitos.