"Já pensava que não nos fôssemos mudar." Comunidade cigana de Paredes vai ser realojada em apartamentos de habitação social
Há mais de 30 anos que a autarquia prometia condições dignas a esta comunidade, mas só agora é que estas 20 famílias vão ter uma nova morada. São 40 adultos e 31 crianças que vão para apartamentos de habitação social, deixando para trás o acampamento de habitação ilegal
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Os novos empreendimentos ficam na Rua Nova de Valbom, um pouco atrás da Câmara Municipal de Paredes. Mesmo ao lado desta morada, na Rua de Valbom, vivem 20 famílias de etnia cigana em habitações ilegais, num terreno não nivelado, que equivale a pouco mais de metade de um campo de futebol. Entre as casas, há galinhas à solta, bicicletas, abrigos para a lenha e máquinas para vender algodão-doce ou pipocas na rua. Há também bocados de plástico e papel espalhados entre a relva e ao longo da terra batida.
As paredes das casas têm tijolo à vista, sem vestígios de pintura ou qualquer isolamento. Em vez do telhado convencional, as habitações têm uma cobertura improvisada com chapa e plástico. Manuel Santos, que vive neste bairro há 30 anos, segura esta cobertura com pneus. “Fui buscar duas carradas [de pneus] para segurar o plástico [da cobertura]”, conta.
Para tomar banho, o transmontano, de 51 anos, improvisou uma solução. “Fiz lá atrás uma casinha de banho, tenho lá os chuveiros, com água fria e água quente.” Na casa, é frequente “arrebentarem os cabos” e, por isso, faltar a luz.
Manuel Santos vive nesta moradia há mais de 25 anos com a companheira, Glória. À TSF, partilha como não foi fácil criar os seus 13 filhos nestas condições.
Via-me atrapalhado. Não tinha água quente para eles tomarem banho, aquecia a água numa panela ou numa lata para eles tomarem banho. Era complicado
Sentada à beira da lareira, enquanto assa febras para o almoço, Glória confessa que já não esperava pelo dia das mudanças.
A gente chega a um fim que já desanima
Agora, o casal vai para um apartamento T2 com o filho mais novo, de 21 anos, o único que ainda vive com eles.
A promessa das novas casas prolongou-se por 30 anos. António, um dos filhos do casal, tem 28 anos, por isso, sempre viveu nesta incerteza. “A gente ficava contente quando eles diziam que davam [as casas], depois chegávamos ao fim, não davam nada. Era uma desilusão. Agora, parece que é desta vez.” António não vai para os apartamentos novos porque já tem onde viver com a mulher, mas confessa estar contente pelas condições da família melhorarem.
Isto de inverno era uma miséria. Havia lama, chovia, entrava água em tudo que é lado. Ali, vai ser completamente diferente, vão ter outras condições de higiene
António diz que, quando ia à Câmara pedir justificações pelos atrasos, “ninguém tinha explicações para dar”, e revela: “Diziam que era culpa de baixos-assinados, que não queriam a comunidade cigana lá [local proposto pela autarquia].”
O autarca, Alexandre Almeida, responsabiliza os executivos anteriores por estas três décadas de espera.
Sempre que pensavam numa nova freguesia do concelho de Paredes para colocar lá estas famílias, ninguém os queria colocar lá, por isso, estas tentativas saíram sempre frustradas. Até que nós, quando chegamos ao poder, pensamos: ‘Se esta comunidade está aqui instalada, se as crianças estão integradas na escola, é aqui que eles vão ficar, temos é de dar-lhes condições dignas de habitação'
Alexandre Almeida reconhece que ainda há um estigma relativamente a esta comunidade, estigma esse que espera que seja combatido pouco a pouco. “Basta ir às redes sociais e vê-se muitas publicações a dizerem que se arranjou habitações para a comunidade cigana, mas não se arranjou para os outros e a dizerem que a estas pessoas foram dadas casas, que não vão pagar renda, não vão pagar o gás.”
Segundo a autarquia, as rendas vão de 60 a 250 euros, de acordo com os rendimentos do agregado familiar, e as contas estão a cargo das famílias. Contudo, o projeto não termina aqui. “Depois de as pessoas mudarem-se para cá, nós queremos continuar a acompanhá-las e a ver se elas estão a aproveitar as casas da forma como devem”, diz o autarca. O acompanhamento será feito por assistentes sociais que já seguem estas famílias.
Do outro lado da estrada, fica o Bairro do Sonho, também com prédios de habitação social. Os residentes e comerciantes desta zona não se queixam da comunidade, descrevendo-os como "cinco estrelas", "clientes educados" e afirmando que "toda a gente gosta deles".
Nos novos empreendimentos, Teresa e o marido já estão em mudanças para o T3 onde vão viver com os quatro filhos. Enquanto o marido e o cunhado colocam móveis na sala, Teresa faz uma visita guiada à TSF. Mostra o quarto do casal, outro que será dos seus dois rapazes e o último, que será para as filhas. A mulher, de 29 anos, não esconde o entusiasmo com a despensa, mas, sobretudo, com a lareira, por ser um hábito que partilha com a comunidade.
"A minha parte favorita é a lareira. É muito importante para nós [a comunidade cigana] para aquecer a casa. Não queria viver sem ela", sublinha, com um sorriso. "Na despensa, eu quero pôr umas prateleiras. O meu marido quer guardar aqui a lenha."
Tal como Glória, Teresa também estava ansiosa que este dia chegasse.
Os meus pais vivem neste acampamento há 20 anos, ou seja, há 20 anos que ouvimos falar destas casas. Já pensava que não nos fôssemos mudar para aqui
Criada nas habitações ilegais, sabe que esta casa melhorará a sua vida. “Aqui temos outra privacidade. Não temos de pôr panos para tapar o nosso chuveiro e tomar banho, basta fechar a porta. Ali [no acampamento], é muito frio, enquanto aqui vai ser mais confortável. [As crianças] vão para a escola e os colegas gozam com eles, dizem que vivem numa barraca. Até para fazer os trabalhos de casa, eles vão ter agora outras condições.” Quando questionada se agora se imagina a receber os amigos dos filhos em casa, Teresa responde: "Consigo. Antes é que era mais complicado."
Para o dia em que oficialmente se mudar para a nova casa, Teresa revela que já tem planos para o primeiro almoço: “Vou assar carne ali fora, na churrasqueira."
