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Nos anos 90, foi visto como o prelado mais audaz entre os seus pares. Fez manchetes nos jornais. Agitou rádios e ecrãs. Quase escandalizava crentes e políticos.
Mas este homem começa a viver a sua história no Porto, onde nasceu na freguesia de Santo Ildefonso, a 26 de fevereiro de 1938. A mãe era professora de liceu. O pai, um industrial de mercearia e pastelaria, seria o criador da “Casa Januário”, em progressiva ascensão social.
A escola primária abriu-se na Ordem Terceira da Santíssima Trindade e o liceu, a seguir, era portador do nome do grande historiador Alexandre Herculano.
Em 1948, entra no Seminário Diocesano de Ermesinde, terminando o curso de Teologia, doze anos mais tarde, em 1960, no Seminário Maior do Porto. Foi ordenado presbítero na Sé catedral, por D. Florentino Andrade e Silva, na altura, administrador apostólico da diocese, devido à ausência do bispo António Ferreira Gomes, exilado por Salazar.
Ainda na década de 60, ingressa no curso de Filosofia da Faculdade de Letras do Porto e investiga, em Paris, as teses personalistas do filósofo Louis Lavelle. Regressa ao país e aproxima-se da pastoral universitária e do movimento dos Cursos de Cristandade. No termo do exílio de D. António Ferreira Gomes, o famoso bispo do Porto, como lhe chamou João Paulo II, na visita que fez à cidade invicta, o padre Torgal Ferreira é nomeado, por três anos, chefe de gabinete do bispo que bateu o pé a Salazar.
Durante 18 anos, é assistente do grupo de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde leciona Filosofia Antiga e Medieval e História da Cultura. Na Universidade de Nanterre faz pós-graduação, nesta área, orientada por Paul Ricoeur. É, entretanto, diretor da pastoral universitária e reitor da igreja de São José das Taipas.
Mas tudo muda na vida deste padre universitário portuense, com a nomeação, em 1989, para bispo auxiliar do patriarca de Lisboa, na diocese militar, já que esta entidade eclesiástica estava nas mãos do responsável do Patriarcado. Seria depois nos anos 90, por seis anos, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa.
Em 2001, foi, então, formalmente, feito bispo da diocese das Forças Armadas e de Segurança, missão que cumpriu até 2013, ao completar os 75 anos canónicos para a resignação ao poder episcopal.
A intensa e agitada atividade em que se envolveu, sobretudo no sector militar, de que era bispo, catapultou-o para o topo da opinião pública, deixando, muitas vezes, em apuro, os seus colegas no episcopado.
A facilidade e liberdade de expressão sempre contrastou com a serenidade apaziguadora da tradicional postura episcopal. Ainda é, com frequência, abordado na rua, por quem apoia as suas polémicas posições, sobretudo, em matéria política e mesmo partidária. Alguns reparos ter-lhe-ão chegado da parte do poder eclesial.
De Francisco, era fã incondicional. Leão XIV encher-lhe-á, certamente, as medidas.
Homem do Norte e apoiante do Futebol Clube do Porto, a respirar a rebeldia que ainda não lhe abandonou os ossos de um corpo que, saudavelmente, vive aos 87 anos de idade.
Januário Torgal Ferreira é o convidado do programa Vidas com História, da TSF, nesta edição em parceria com setemargens.pt