João Vieira Lopes: "Quem vai sofrer o efeito duplo da baixa do IRS e do peso dos impostos indiretos é a classe média"
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João Vieira Lopes é presidente da Confederação de Comércio e Serviços de Portugal (CCP) desde 2010 e representa 200 mil empresas do comércio e serviços e 105 associações. É ainda membro da Comissão Permanente da Concertação Social e do Conselho Económico e Social e Porta-Voz do Conselho Nacional das Confederações. Em entrevista à TSF e ao Diário de Notícias, analisa o Orçamento do Estado para 2024. Aceitou os referenciais do salário mínimo e aumentos no privado, mas alerta que o OE2024 dá um sinal "extremamente perigoso", com a subida dos impostos transversais.
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A revisão do Acordo de Rendimentos, Salários e Competitividade com os parceiros sociais, em que esteve envolvido e a liderar essas negociações, e que o ministro das Finanças disse ser " histórico", ficou marcada pelo aumento do salário mínimo para os 820 euros e uma subida do referencial de aumentos para 5% no setor privado. Do ponto de vista salarial, é suficiente para as famílias ou esperava que se fosse um pouco mais longe?
O problema fundamental nessa discussão é que as confederações empresariais, na sua proposta, sempre disseram que assumiriam posições contra esses indicadores, nomeadamente quer o salário mínimo, quer o referencial de aumentos salariais, em função do conjunto de respostas que o Governo desse às 25 propostas das confederações. Esta foi a questão-base. No fim, face à situação e às respostas, acabámos por aceitar esses dois referenciais, que são elementos não muito pronunciados, mas são um sinal, apesar de termos ficado bastante dececionados globalmente com o orçamento. Em primeiro lugar, enfim, penso que era praticamente universal o apelo a que se baixasse o IRS, isso pediam as empresas por uma questão de poder de compra, até face às próprias ameaças, neste momento, que externamente levam a que as exportações estejam em interrogação para alguns países. A solidariedade do mercado interno para nós é um aspeto relevante, quer em termos de poder de compra, quer em termos de emprego. Face a esse contexto, o Governo deu um sinal significativo no IRS. No entanto, deu um sinal que, na nossa opinião, é extremamente perigoso, porque o aumento dos impostos é basicamente nos impostos transversais, nos impostos indiretos, o que é que isso significa? Significa que uma parte significativa dessa baixa do IRS vai ser absorvida pelos aumentos indiretos que são transversais a todos os consumidores, a todos os contribuintes.
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Já lá vamos, pasta a pasta, precisamente sobre os impostos indiretos. Queria só voltar um ponto atrás, tendo em conta a política de rendimentos de que estava a falar, acredita mesmo que as empresas vão conseguir acompanhar estes aumentos salariais que foram propostos, tendo em conta todo este contexto difícil macroeconómico e com uma guerra agora a eclodir no Médio Oriente também?
O problema fundamental destes referenciais é que os setores são heterogéneos, na CCP temos essa sensação, porque uma coisa é o comércio de proximidade, outra são as novas tecnologias, são os transportes, o setor automóvel, enfim, os setores chamados de mão de obra, de serviços às empresas, seguranças, limpezas, estes setores têm posturas diferentes e capacidades diferentes de enfrentar.
E qual é que pode ter maior dificuldade em aplicar o acordo?
Os setores têm vertentes específicas cada um. Por exemplo, tudo o que são setores que prestam serviço ao Estado têm um problema estrutural que é muitos têm contratos por vários anos. Por exemplo, grande parte dos trabalhadores com salário mínimo têm dificuldade em atualizar esses contratos. Por isso é que uma das cláusulas que consta do acordo é que o Governo, pelo menos, comprometeu-se a 10 dias úteis depois do Orçamento entrar em vigor promover a atualização desses contratos. Em relação ao comércio, a situação é muito heterogénea. Uma coisa é o comércio das zonas de interior, outra coisa é o comércio das grandes organizações. Portanto, estamos em situações bastante diferenciadas. Agora, os aumentos, além de serem definidos pelas empresas, são balizados pelos contratos coletivos e os contratos coletivos são, digamos, negociados entre as associações e os sindicatos. As confederações não negociam, em geral, contratos coletivos - há uma delas que negocia, mas é uma situação particular. Esses referenciais, no fundo, são para a negociação que podem atingir ou não atingir, com a capacidade de influência que temos sobre as associações. Tentamos motivá-las para se tiverem possibilidade nos seus setores, chegarem a esses valores ou até ultrapassá-los. Aliás, verificou-se que em relação ao acordo do ano passado, o referencial era 5,1% e, em média, os aumentos foram de cerca de 7,8%. Também depende da inflação, porque é um contributo importante para esses índices de negociação. Portanto, diria que o número é realista, mas tem o problema das médias, mas vai ser, com certeza, aplicado pelas associações e pelos sindicatos em função dos setores.
Pegando no que disse ainda há pouco, este Orçamento do Estado para 2024 alivia as famílias que estão a passar sérias dificuldades económicas, com a redução das taxas de IRS até ao quinto escalão, a atualização dos limites dos escalões em 3% e o reforço do mínimo de existência. É suficiente, atendendo ao que dizia ainda há pouco, do aumento dos impostos indiretos que os contribuintes terão de pagar por via do consumo?
Há uma situação que nos preocupa muito: é que cerca de dois terços do volume daquilo que baixa no IRS significa o peso de tudo o que são impostos indiretos e transversais. Pensamos que, ao contrário do que se pretende, o seu impacto nas classes médias não vai ser tão grande como os números que poderiam apontar. E porquê? Porque, sendo impostos transversais, o Governo complementou com um conjunto de medidas para as classes mais desfavorecidas, o que está correto. Ninguém é contra isso, mas quem vai sofrer o efeito duplo da baixa do IRS e do peso dos impostos indiretos é a classe média e aí achamos que está muito longe de ser decisivo, já que a classe média, nos países democráticos, é um elemento estruturante e fundamental. Aí pensamos que não consegue cumprir 100% esse acordo.
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Já fizeram contas aos ganhos reais que os portugueses terão?
Por exemplo, o volume do IVA neste Orçamento sobe 7,9%. A inflação está prevista ser 2,9%. Portanto, aí, por exemplo, é um aumento de carga fiscal e temos grandes números. E isso para nós é que é revelador, mais do que considerar que são mil milhões ou 1500, enfim. O que interessa são os efeitos que estes aumentos dos impostos indiretos vão ter na vida das pessoas.
O ministro das Finanças dedicou cerca de cinco minutos na apresentação do Orçamento do Estado ao tema das empresas e este OE não vai muito além do que foi negociado na concertação social. Se estas negociações não tivessem tido o desfecho que tiveram, as empresas ficariam em má situação, sentiriam que foram deixadas para trás?
Bom, mais uma vez, este não é um Orçamento também das empresas, ou seja, tudo o que seja alterações em termos de custos fiscais virados para o tecido empresarial é muito limitado. Praticamente não passa daquilo que está expresso no acordo de concertação social. Se não tivesse havido esse acordo, seria muito provavelmente pior, porque algumas medidas, como por exemplo a baixa das tributações autónomas, é pequena, mas apesar de tudo é uma das poucas medidas que afeta o IRC, já que as tributações autónomas representam cerca de 12% do IRC, e há outras medidas que lá estão incluídas que não veriam de certeza a luz do dia. Por isso, consideramos que foi positivo ter sido feito o acordo. As medidas que estão no acordo, de maneira geral, são positivas, mas são insuficientes. O grande problema está aí. Por exemplo, incentivos à capitalização, incentivos ao investimento.
Os incentivos à capitalização, é o que esperavam?
Não, está bastante abaixo. Há algumas majorações, mas são pequenas, são pequenas alterações e de facto a capitalização para nós é uma questão estruturante, porque como é sabido, as empresas em Portugal têm capitais baixos e sem empresas capitalizadas é difícil exportar, porque é preciso ter capacidade financeira para fazer isso, é difícil aumentar salários, enfim, é difícil as empresas evitarem recorrer à banca sempre, o que numa altura em que as taxas de juros estão altas não é favorável. E aí o governo foi muito tímido. Portanto, a capitalização é de facto um elemento estruturante em que tem sido feito muito pouco ao longo dos últimos anos e sempre dissemos na CCP, temos sido bastante proativos nessa área, que enquanto em termos fiscais for mais favorável fazer empréstimos bancários do que colocar capitais dos acionistas, sejam suprimentos ou de diversas formas, esse problema da capitalização não se resolve.
Portanto, o incentivo que agora há para aplicar capitais próprios faz sentido, mas é curto, na sua opinião.
É altamente insuficiente. Por outro lado, também, uma questão-chave é que sem investimento não há crescimento económico. E Portugal, ainda por cima, tem as deficiências de capital, com o investimento público em Portugal no primeiro ou segundo lugar, a partir de baixo, em termos europeus. E, além dos objetivos, em geral, serem fracos, o Governo praticamente nunca cumpriu os objetivos em termos de investimento público. E os incentivos ao investimento privado também. O governo fez umas pequenas alterações, mas são coisas ultra secundárias e, portanto, não há, de facto, um incentivo real. E sem estas duas vertentes não tenhamos ilusões, não há crescimento da economia significativo. Por exemplo, ficam satisfeitos com o crescimento [económico] de um e meio por cento, a nós parece-nos altamente pobre, porque dizer que a Europa cresce 1,1 e que nós vamos crescer um e meio... O problema é que a Europa cresce tão pouco porque alguns daqueles países grandes com a economia estabilizada estão, neste momento, com dificuldades, mas os países com quem nós competimos, quer em termos de exportação, quer em termos de mercado, crescem todos mais que nós. Portanto, consideramos que falar de convergência nessa ótica é claramente insuficiente. O que foi alcançado foi em sede de concertação.
Foi mais difícil negociar com este Governo de maioria absoluta do que com outros governos, por exemplo, da geringonça?
Em geral, digamos, essa questão não se põe nesses termos. Penso que com este governo foi difícil, mas houve também aqui uma situação que acabou por ser favorável. As confederações empresariais, através do Conselho Nacional, desde pelo menos há três anos antes deste Governo, apresentavam um documento anualmente sob o orçamento. Houve um ano em que o Governo nem nos recebeu. O ano passado, houve uma certa sobreposição entre a discussão do Orçamento e a discussão das nossas propostas. Este ano, optámos por apresentar em concertação social. Isso permitiu que o Governo, pela primeira vez, nos tivesse respondido ponto por ponto. Não abrangeu tudo aquilo que desejávamos, mas pelo menos respondeu ponto por ponto. Houve alguns [pontos] que recusou liminarmente e esses são importantes.
Ficaram de fora, propostas como a baixa da TSU, compensada com um valor equivalente para a Segurança Social, e que iria conferir maior sustentabilidade à segurança social. Porque é que acha que aconteceu?
Não, além dessa, também o IRC. É como digo, na CCP temos muita vontade nisso. Até temos obras publicadas sobre a sustentabilidade da Segurança Social. Nós, inclusive, propusemos que fosse abordada a temática de, para a Segurança Social não depender só do componente de trabalho e da componente das empresas que têm mais mão de obra, fosse introduzido uma parte com o valor acrescentado líquido às empresas, porque o valor acrescentado líquido às empresas que faturam muito, muitas delas têm poucos trabalhadores para equilibrar. O Governo nunca deu grandes aberturas nesse sentido. Penso que há aí também uma espécie de preconceito ideológico em relação a essa situação. Porque, de facto, em termos do chamado IVA social que existe em vários países, ou seja, que é utilizar parte do IVA para inserir nos fundos para a sustentabilidade da segurança social, parece-nos que existe, de facto, um preconceito. Porque em termos financeiros a proposta que fizemos era equilibrada, ou seja, baixava-se 1% na TSU e ia-se buscar ao IVA os valores equivalentes. Portanto, a sustentabilidade não estava posta em causa. Mas é uma polémica já antiga que a CCP tem tido com o Governo nessa área. O Governo, entretanto, constituiu um grupo de trabalho que inclui a OIT [Organização Internacional do Trabalho] para abordar essa temática, onde, por acaso ou não, está presente a pessoa que tem sido o pivô das nossas propostas na CCP.
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E qual é a vossa expectativa?
Bom, já foi adiado. Era para ter terminado os trabalhos em junho, já foi adiado para o fim do ano. De qualquer modo, pelo menos vai permitir fazer-se uma discussão mais aberta e, sobre esse ponto de vista, pragmaticamente foi dado um passo em frente, mas estamos muito longe de aprofundar a situação.
Em relação ao IRC, concorda com a leitura de que este Governo se aproxima das propostas do PSD em relação ao IRS e que, de alguma forma, o IRC ficou relegado para segundo plano, não havendo mexidas nas taxas? Esperava mais?
Não vejo isto em termos de confronto partidário, vejo mais em relação à visão da economia e, como digo, às vezes alguns preconceitos ideológicos.
Acha que no IRC também há esse preconceito ideológico?
Sim. Aliás, a primeira confederação a apresentar a proposta de baixar as tributações autónomas foi a CCP. Porquê? Por um lado, somos sensíveis, temos o setor automóvel, que é o grande pagador das tributações autónomas. Por outro lado, apresentámos essa proposta no tempo da geringonça, porque sabíamos que o Governo não podia mexer nas taxas de IRC, tendo em conta a sua base de apoio parlamentar, mas as tributações autónomas representam 12% do IRC e era um processo de mexer nas taxas por via indireta. Portanto, esperávamos que depois desse período voltasse novamente a ser possível, mas o Governo não deu qualquer abertura. Aliás, participámos ativamente, em 2012, nas negociações entre o Governo da altura e a oposição para aquele plano de redução do IRC para chegar até 17%, mas que estes governos interromperam, não é? Para nós é errado. Repare, o IRC por vezes baixa a meio ponto, a um ponto, não é uma questão fundamental até em termos financeiros. O IRC, se formos ver, o IVA vale à roda de 23 mil milhões de euros, o IRC vale à volta de entre 5 e 6 mil milhões de euros. Portanto, baixar meio ponto ou um ponto não é um volume muito grande. Agora, é um sinal, quer para os empresários em geral, quer um sinal de conforto para o investimento estrangeiro. Aliás, temos dito várias vezes ao Governo que, nem que seja meio ponto de cada vez, não é preciso fazer nenhuma mudança radical, mas esses movimentos, muitas vezes, fazem-se por sinais e, por isso, não percebemos porque é que o Governo não avança nesse sentido. Porque se calhar há outras medidas onde gasta valores equivalentes e há várias maneiras de abordar, além das tributações autónomas, que pelo menos foi um primeiro sinal, apesar de ter sido uma baixa pequena. Há as derramas, enfim, há os impostos extra e, portanto, nesse aspeto, Portugal, e a OCDE apresenta as taxas reais, e globalmente o imposto corresponde a 25%, e isso é muito. Perde competitividade o país por esse motivo.
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De fora da revisão do acordo ficaram também a CGTP e a Confederação Empresarial de Portugal (CIP). Armindo Monteiro, presidente da CIP, justificou "que fica aquém do que seria necessário para alterar o perfil da economia portuguesa", num cenário em que esta "perde competitividade todos os dias". Aquilo de que estávamos a falar. Concorda com esta posição da CIP? Subscreve-a?
Nós e as outras confederações assinámos o acordo, portanto, aí está a resposta.
Mas o facto da CIP ter saído deste acordo não o enfraquece?
Aí temos duas vertentes. É evidente que as confederações todas juntas, em nossa opinião, teriam sempre mais força. Agora, as polémicas entre confederações, e temos um fórum que é o Conselho Nacional das Confederações, são tratadas aí.
No final das contas, este orçamento para 2024 vai ou não aumentar a competitividade das empresas? E já disse que não aumenta, mas devolve rendimento real aos trabalhadores? Ou, pelas razões que falámos há pouco, também não devolve rendimento real?
Não, globalmente devolve rendimentos. Não na medida em que é aprovado, mas é positivo. Globalmente achamos que é positivo, mexendo o IRS. Estes referenciais são referenciais realistas e que estão acima da inflação, portanto, nesse aspeto. Agora, o que acontece é que para de facto conseguirmos aumentar a competitividade, temos de conseguir aumentar a produtividade. Portugal tem dois terços da produtividade.
E assim não se aumentam salários, não é?
Se não se aumentar a produtividade. Tem de se aumentar salários. Pode é não se conseguir acompanhar sempre a inflação. Mas, aliás, os aumentos de salários, os referenciais são positivos porque a negociação coletiva, para nós na CCP é muito importante. As nossas inserções subscrevem cerca de 70 contratos coletivos de trabalho. Agora, há outros fatores que fazem pesar. Um deles é a falta de mão de obra, nomeadamente qualificada. E isso acaba por ser também um elemento que acaba por ter influência nas subidas de salários. Ou seja, não é só, digamos, a contratação, esses são referenciais que ajudam a negociar. Portugal tem uma prática jurídica, que depois são as chamadas portarias de extensão, ou seja, de estender a todo o setor aquilo que é negociado no contrato coletivo, mesmo que parcialmente. É uma medida interessante, especialmente num país em que o peso do Estado é muito grande e há muitas empresas que têm contratos com o Estado e vão a concursos do Estado. E as portarias de extensão pelo menos criam uma certa concorrência mais leal, sem haver dumping social em determinados setores. Portanto, há todo um conjunto de mecanismos que acabam por ter esse efeito. Agora, há uma questão clara também que temos apontado ao longo dos anos, que é positiva a subida do salário mínimo, mas se o salário mínimo subir frequentemente acima da inflação e acima da produtividade, o que vai suceder é que cada vez mais haverá uma compressão do nível de salários. Ou seja, aproxima-se mais do salário médio e torna muitas vezes difícil na negociação coletiva separarmos as pessoas por categoria. Enfim, as áreas da produtividade tornam-se um bocado difíceis. No entanto, Portugal tem de facto um problema de pobreza, temos uma percentagem de risco de pobreza muito grande, incluindo até as pessoas que trabalham.
A CCP assinou este acordo, que tem 54 pontos, que passam, por exemplo, pela redução das tributações autónomas sobre os carros, as medidas para a capitalização das empresas e de simplificação administrativa, entre muitas outras. Quais foram as medidas que fizeram com que assinassem este acordo e que vos trazem esperança?
Como já referi, sempre tivemos uma visão muito realista e por isso considerámos que, tendo em conta o que se passou nos anos anteriores com as políticas do governo em relação às empresas, tudo o que ganhássemos, mesmo pouco, era garantido que vinha no Orçamento do Estado e tínhamos receio, claramente, de correr o risco de ainda virem menos coisas, apesar da nossa desilusão. Agora, o que é que acontece? As medidas, como referi, em termos de capitalização foram positivas, apesar de insuficientes. As valorizações salariais pareceram-nos realistas e damos alguma atenção precisamente ao mercado interno, ao contrário de outras entidades. Não pomos em causa o elemento estratégico de aumentar as exportações, se bem que tínhamos uma visão um pouco diferente daquela que tem sido praticada pelo Governo, ou seja, temos uma dificuldade muito grande em conseguir que o Governo nos apresente estatísticas das exportações líquidas. E o que é que acontece? Fomos ver nos últimos anos e as exportações aumentaram, ainda bem, em termos nominais, mas por exemplo, algumas das que cresceram mais foram os combustíveis. Os combustíveis têm valor acrescentado mínimo, bastou aqui há uns anos a refinaria de Sines ter parado para fazer manutenção para que as exportações baixassem. Portanto, valorizámos bastante e pensamos que neste momento o país, independentemente de prosseguir a sua estratégia de diversificação de exportações, se não tiver um mercado interno, apesar de não ser muito grande, mas relativamente sólido, não consegue manter o nível de emprego, porque esta tipologia de empresas que temos - e é a que temos, não é a que todos gostaríamos de ter -, é estruturante para garantir a baixa do desemprego. Portanto, além disso, houve outras áreas. O Governo facilitou um bocado as transações com a questão das medidas de moeda em relação à goodwill, que também favorece as empresas. Conseguimos abrir, pela primeira vez, uma negociação em que o Governo ainda não deu muitos passos, para que na construção se consiga avançar ou estudar, pelo menos inicialmente, incentivos fiscais para a construção em termos de habitações de custo médio. Porque, de facto, temos uma opção crítica que, em relação às medidas do pacote da habitação do Governo, achamos que não resolve a questão estrutural, que é a falta de oferta.
Na questão da habitação, que é uma das maiores preocupações dos portugueses, este Orçamento dá resposta a este drama?
Não. Este orçamento tem coisas positivas para apoiar certos segmentos da sociedade na sua resistência, chamemos assim, ao aumento das prestações.
Estamos a falar da bonificação de juros e da estabilidade das prestações, mas em termos de habitação e de construção dá resposta?
Tudo isso são medidas positivas. Agora, tínhamos feito uma proposta que era baixar o IVA da construção para 6% e estávamos dispostos a tentar estabelecer um critério, porque não só é baixar o IVA da construção de 6% para a habitação de luxo. Ou seja, o Governo tinha de segmentar. O Governo aceitou discutir isso, coisa que em anos anteriores nunca tinha aceitado, mas deu muito pouco avanço. Por exemplo, na habitação, o Governo tomou uma série de medidas ao alojamento local, aos estrangeiros, etc. Vários países têm medidas desse tipo. Agora, é uma coisa básica. Na primeira década deste século, construíam-se para a habitação 100 mil fogos por ano. Durante o período da troika, e pouco depois, eram sete mil por ano, e agora não se chegou aos 50 mil. Portanto, há aqui um problema claro.
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Acha que se diabolizou a construção?
Não diabolizou, mas na altura faliram muitas empresas, na crise financeira, e foi dos setores que teve mais impacto. O que acontece é que, como o Governo nunca teve uma política, este Governo e outros, deixaram isto tudo funcionar de uma forma espontânea. É evidente que a partir de certa altura, quem investe, investe nos canais que têm venda garantida. Aliás, Portugal tem cerca de 4% de habitação social, ou pelo menos a propriedade do Estado. A média da Europa é 12%. Portanto, de facto, é preciso criar incentivo. Por exemplo, quantos anos é que demora a licenciar um projeto de habitação? Anos e anos. Entretanto, sobem os custos, etc. Tem de se desburocratizar também, mas acima de tudo tem de se incentivar a habitação para a classe média, média alta, média baixa. E aí o programa do Governo é de uma pobreza franciscana.
Olhando para este orçamento, atendendo à previsão de um excedente de 0,2% do produto interno bruto (PIB) para o próximo ano, apesar do abrandamento da economia portuguesa e da instabilidade mundial, acha que serve o país?
Os orçamentos têm tido uma preocupação muito grande sobre baixar o peso da dívida. Isso, em princípio, está correto. Agora, tem de haver aqui um ponto de equilíbrio, porque se não houver investimento e em muitos anos o défice foi controlado praticamente não fazendo investimento público ou reduzindo a mínimos, depois a economia não cresce.
Então esta seria a altura ideal para haver mais investimento atendendo ao excedente orçamental?
Tem de haver um ponto de equilíbrio. Acho que tem esse ponto de equilíbrio excessivamente concentrado precisamente na questão do défice. Ou seja, os países também, se não investem, não crescem. Penso que isto é uma verdade de La Palice. E é positivo que tenham baixado, é positivo que a dívida pública tenha baixado. Agora, há aqui uma questão também que nos preocupa. É que o Estado, neste momento, está quase a ultrapassar o comércio em número de trabalhadores. Portanto, o comércio tem próximo de uns 800 mil ou 790 mil. O Estado já vai em 750 mil e tem os problemas de eficiência que todos conhecemos na saúde, na educação, etc. Portanto, o que é que acontece? Preocupa-nos porque a despesa pública fica a aumentar a um ritmo bastante grande e a preocupação de melhorar a gestão do funcionamento dos serviços públicos está atrasada em relação à situação da contratação de pessoas. Ou seja, em vez de em muitos casos se tentar melhorar as metodologias de gestão, contrata-se mais gente. E isso pode criar uma situação um bocado dramática.
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E a esse propósito, bem como a propósito dos apoios sociais, a Oposição disse que este Orçamento é eleitoralista e também referiu as eleições europeias de 2024. Concorda com essa visão?
Todos os governos fazem orçamentos eleitoralistas quando se aproximam das eleições. E não é inocente. Portanto, é evidente que um orçamento apenas centrado em dar benefícios aos consumidores, aos eleitores, desprezando as empresas, é uma componente um bocado eleitoralista. Mas isso não nos choca, porque em todos os países todos os governos fazem isso. Agora, a questão base aqui é o Governo tomar medidas conjunturais positivas como tomou em relação à habitação para tentar amortecer o efeito que têm neste momento as taxas de juros sobre o rendimento disponível, através das prestações da aquisição da habitação, etc. Isso não criticámos, foi o contrário, até para evitar desastres sociais, etc. Agora, medidas de fundo como já referi para a habitação, como referi para o investimento, como referi para a capitalização das empresas, para melhorias de produtividade, são altamente limitadas. E isso leva a essa nossa grande preocupação de que o nosso crescimento seja anémico.
Noto desilusão nas suas palavras. Está desiludido com o orçamento?
Estou. Aliás, disse que ficámos dececionados, mas também tirámos uma conclusão: ainda bem que fizemos um acordo que conseguiu colocar alguma coisa no Orçamento.
O que é que poderia ou deveria, no seu entender, ainda mudar na discussão do Orçamento na Assembleia da República?
Como é habitual, vamos à Assembleia da República precisamente com estas propostas nas áreas que não foram satisfeitas dentro daquilo que propusemos. Mas, francamente, com governos de maioria absoluta não temos grande expectativa de que haja modificações importantes.
