José Barros Correia: "Muitas das iniciativas do grupos inorgânicos são inconsequentes"
O superintendente-chefe José Barros Correia tem 59 anos, nasceu em Moçambique, está na PSP há 40 anos. É o diretor nacional da PSP desde setembro do ano passado. É o convidado desta entrevista à TSF e ao Diário de Notícias.
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Tomou posse há oito meses, mas deve ter sido o diretor nacional da PSP que mais rapidamente foi atingido por uma onda de protestos por causa da atribuição à Polícia Judiciária de um suplemento de missão de cerca de mil euros. Foram protestos sem precedentes.Qual foi a sua reação quando teve conhecimento desta medida da atribuição do suplemento à Polícia Judiciária? Previu que os polícias reagissem de forma tão dura como reagiram?
Relativamente à sua pergunta, terei de lhe dizer aquilo que é público, que as pessoas sabem e conhecem, que é aquando da aprovação deste suplemento de missão da Polícia Judiciária, obviamente que fico naturalmente satisfeito que a Polícia Judiciária o tenha conseguido. Os motivos que alavancaram e criaram esta oportunidade resultam daquela que é a atividade da Polícia Judiciária, nomeadamente o risco, a penosidade e a insalubridade. Obviamente que fico contente por eles e também ficaria muito contente que, em igual medida, pudesse vir a ser aplicada e de forma adequada, à Polícia de Segurança Pública. Publicamente, terei imediatamente transmitido essa ideia. Estava em Lamego quando me perguntaram sobre essa questão e aquilo que disse foi precisamente isso. Fico contente pela Polícia Judiciária e gostaria, pelos mesmos motivos e pelos mesmos critérios, que tal situação também fosse aplicada à Polícia de Segurança Pública.
E transmitiu essa ideia à tutela? Qual foi a resposta?
Claro que sim. Aliás, disse-o publicamente e junto do Sr. ministro da Administração Interna na altura. A reação foi aquela que o Sr. ministro entendeu que devia ter. Estava solidário com a necessidade de encontrar uma forma de se olhar para a Polícia de Segurança Pública e procurar encontrar soluções que fossem ao encontro daquilo que era justo. Entretanto, todos sabemos o que é que aconteceu.
Estava à espera da onda de protestos da forma como aconteceu? Tem 40 anos de polícia. Já tinha visto alguma coisa assim?
Era de esperar uma reação por parte dos elementos da Polícia de Segurança Pública, obviamente nunca pondo em causa, como já aqui disse, o mérito da PJ, mas o desequilíbrio que existe entre a Polícia de Segurança Pública e algumas outras forças e serviços de segurança, é grande e ficou pior. Isto traz para o seio da Polícia de Segurança Pública um desconforto maior.
E como vê na polícia, na PSP, na GNR, os chamados movimentos inorgânicos, como o Movimento Zero, o mais recente INOPE acha aceitável? Ou seja, houve um certo descontrolo, a certa altura, destes protestos. Isto faz sentido numa PSP, que até deve ser a estrutura do Estado com mais sindicatos?
Acho que não nos devemos focar nesta dimensão dos movimentos inorgânicos e olhar só para a Polícia de Segurança Pública. Acho que esta questão dos movimentos inorgânicos existe de uma forma transversal em Portugal, na Europa e no mundo. Portanto, que há aqui uma dimensão em que estes movimentos inorgânicos, admitindo eventualmente, alguma dificuldade que tem existido na dimensão formal das negociações relativamente a tantas situações que conhecemos, não é só com as polícias, é com os professores e com uma data de entidades onde isto acontece.
Sendo que estes têm armas.
Sim, as armas podem existir, mas os polícias nunca perderam o seu sentido de responsabilidade, como é óbvio. Agora, obviamente que a dimensão das redes sociais também acrescentam e projetam uma grande notoriedade a estes grupos. Muitas das coisas que aparecem nas redes sociais e promovidas por estes ditos grupos inorgânicos são, muitas vezes, completamente inconsequentes.
Mas, de qualquer forma, criam sempre algum alarme público, não é? Aqueles protestos com os próprios sindicatos a dizer que não tinham controlo nos polícias é um pouco alarmante, não é?
Essa dimensão dos movimentos inorgânicos, no meu ponto de vista, carece de uma avaliação diferente. Falamos muito nisto na Polícia de Segurança Pública e que também poderá resultar de não haver, por parte das estruturas formais, uma capacidade e respostas para a resolução de alguns problemas.
Ou seja, os sindicatos não são suficientemente valorizados?
Não sei se essa questão se pode ver por aí. Os sindicatos e a dimensão de negociação, do meu ponto de vista, terão de ter uma prevalência muito grande e devem ser valorizados.
Pela tutela ou pelos polícias?
Por todos, porque isto é um sistema em que os sindicatos têm o seu papel, a tutela tem o seu papel, as questões negociais acontecem com os sindicatos e, portanto, considero que por esta via os sindicatos têm um papel importante. Por isso é que existem.
Mas a própria força não deve ter uma capacidade, até ao nível dos comandos, de conter algumas das coisas que foram feitas naqueles dias?
Podem ter tido, porque a segurança pública nunca foi posta em causa mesmo aquando dos protestos. Os protestos foram legais e aqueles que tiveram algumas fragilidades, isso é próprio deste tipo de sistemas. Não há nenhum sistema que só por si consiga responder como todos gostaríamos. Agora, o nosso foco é naquilo que era importante, que é a segurança pública, penso que todo temos a noção de que isso não deixou de se fazer. E os senhores comandantes tiveram e continuam a ter um papel muito importante do ponto de vista da gestão dos seus recursos humanos e materiais, sempre em prol deste objetivo final. É preciso algum equilíbrio porque, do meu modesto ponto de vista, também é importante perceber-se que os polícias são cidadãos, também têm o direito de se manifestar. Dentro das regras, fora disso não. E quando isso não acontece dentro das regras, obviamente terá de haver consequências. E tem havido, não é? Houve vários processos de inquérito, processos disciplinares, penso que isso foi público, porque eu próprio me desloquei a determinados locais para falar e esclarecer o que é que tinha de se fazer e porque é que tinha de se fazer. Este é o papel da hierarquia e localmente os senhores comandantes também o fizeram e tiveram esse cuidado de falarem e explicarem aos homens e mulheres que consigo trabalham, que não pode haver um compromisso diferente daquele que é o nosso cumprimento com a missão. Como servidores que somos, não podemos pôr em causa, mesmo por causa do que tem a ver com aquilo que consideramos que é justo e adequado, que é trabalhar e lutar por melhores condições de trabalho. Uma coisa e outra podem coexistir dentro das regras. Os senhores comandantes também fizeram isso e acho que fizeram muito bem, daí considerar que a segurança das pessoas nunca foi posta em causa.
E não vai ser posta em causa se voltar a acontecer no futuro?
Não tenho dúvidas nenhumas que não vai ser posta em causa, porque os polícias são pessoas responsáveis. Há aqui uma dimensão em que admito que continuem a lutar por aquilo que consideram que é justo, mas não deixarão de cumprir com aquela que é a sua missão.
O superintendente Barros Correia é sindicalizado?
Sou.
E acredita que as associações sindicais contribuem para melhores polícias e uma melhor polícia?
Claro que sim. Aliás, acho que a conversa que tivemos há pouco traduz precisamente isso. Se existem é porque foi entendido que era uma dimensão importante para o bom funcionamento desta organização e da sua relação com a tutela, que eles existissem e fizessem o seu trabalho. Ser sindicalizado é um direito normal de um cidadão.
E de um diretor nacional da PSP também.
Também, claro. Costumo dizer que sou um polícia como os outros. Tenho mais responsabilidades que a vida e a experiência me trouxeram, mas sou um polícia como os outros. Fardo-me como os outros.
No dia em que estamos a gravar esta entrevista, da parte da tarde vai haver uma nova reunião entre a tutela, a senhora ministra da Administração Interna e os sindicatos da PSP e as associações da GNR, na qual, supostamente, o Governo vai apresentar uma proposta para esta equiparação do suplemento de missão da PJ nas forças de segurança. Sr. diretor, foi ouvido para esta proposta que o Governo vai apresentar? Qual é a sua posição relativamente a isso?
Não. Relativamente a esta matéria, e há pouco falamos disso, quem tem a capacidade de negociar são os sindicatos diretamente com a tutela. Obviamente que eu, enquanto diretor nacional, aquilo que fiz foi corresponder aos pedidos que a tutela me fez sobre esta matéria.
Mas não pode adiantar o que é que, para si, entende que será justo neste momento?
Permitam que não vos responda a essa matéria, porque parece-me que aquilo que devo fazer é dar-lhes nota que a tutela consultou a Polícia de Segurança Pública e a Polícia de Segurança Pública deu nota daquilo que pensava relativamente ao processo. Agora temos de deixar correr o processo negocial e a proposta para quem tem de falar sobre ela que, neste caso, não sou eu.
A imigração é uma nova preocupação da Polícia de Segurança Pública. Já é possível, nos últimos tempos, fazer um balanço da atuação?
Quando falamos da imigração estamos a falar do controlo da imigração, do controlo de fronteiras e controlo da permanência regular dos imigrantes em território nacional. Relativamente a essa matéria, convém olhar, em primeiro lugar, para nós, Portugal, quem somos e o que fizemos ao longo da história. Essa matriz da imigração também está connosco, desde sempre fomos um país de imigrantes. Essa dimensão esteve sempre presente e mais: acredito que Portugal, por onde esteve, fez e honrou os pergaminhos dos portugueses. Agora, numa posição diferente em que estamos aqui a receber as pessoas que querem ficar connosco, acho que há da nossa parte um quadro de referência que nos permite acolher bem, receber, respeitar as diferenças, perceber que as pessoas, assim como aconteceu connosco no passado, se nos procuram é porque estão à procura de uma vida melhor e de um ambiente mais seguro. O papel da Polícia de Segurança Pública é esse e tem sido esse. Temos procurado, desde que assumimos as competências do controlo de fronteiras, fazer com que o nosso trabalho não perca nunca o mote dos direitos fundamentais, dos direitos individuais e da diferença. É muito importante olhar para as pessoas porque, genericamente, são pessoas com outras culturas e nós temos essa preocupação, fazemo-lo de uma forma consciente e pelo respeito que temos também por essas pessoas. Acrescento ainda que temos andado, ao longo deste percurso, à procura de quadros de referência e de compromissos com outras entidades que nos ajudem a fazer melhor esse trabalho. Ainda a semana passada firmámos um protocolo com jesuítas, que nos acrescenta valor na nossa capacidade de bem receber, acolher e ajudar as pessoas enquanto estão connosco, a ter o melhor acolhimento possível.
O lado da cooperação internacional é importante, ou seja, a forma como nos relacionamos com outras instituições na Europa e pelo mundo, como o próprio ponto de contacto da PSP em determinadas instituições. O Sr. diretor tem também experiência num dos locais que é emissor de alguns imigrantes.
Tudo é importante e temos de perceber que não estamos neste processo sozinhos. A própria Europa, relativamente a esta matéria, está consciente que é preciso fazer alguns ajustes que promovam um equilíbrio entre as necessidades dos migrantes e o seu controlo e o acolhimento dos Estados. Obviamente que não estamos sozinhos e fazemos esse caminho também com referência àquilo que na Europa se vai fazendo. Obviamente, aqui o nosso foco é, com aquilo que também resulta daquilo que na Europa se vai fazendo e discutindo, é criar as melhores condições de acolhimento para os migrantes, sempre com respeito dos direitos fundamentais. Há o outro lado que todos sabemos que é que, infelizmente, este processo também traz redes criminosas que promovem a vinda de migrantes e a exploração dessas mesmas pessoas.
E a PSP já está preparada para substituir integralmente os antigos inspetores do SEF, agora da Polícia Judiciária, nas fronteiras?
Agradeço muito o apoio da Polícia Judiciária, porque, como sabem, muitos dos funcionários que faziam este tipo de trabalho, que eram do SEF, passaram para a Polícia Judiciária. E nós, ao nível das fronteiras aeroportuárias, temos tido um apoio importante da Polícia Judiciária, que irá terminar, e até lá estamos a trabalhar em prol de criar condições, competências dos nossos polícias, para que quando chegar a hora, estejamos nós a tomar conta das fronteiras. O que posso dizer, neste momento, é que entre aquilo que se fazia e aquilo que neste momento se faz, acrescento que ao número de pessoas que entram em território nacional, por comparação com dados do ano passado, estamos a ter muitas mais pessoas a entrar em território nacional.
Imigrantes e turistas tudo somado?
Tudo somado, sim. Mas isso acrescenta ao nosso trabalho uma responsabilidade e processos de trabalho mais complexos, porque a Polícia de Segurança Pública teve de se adaptar, teve que, relativamente aos seus recursos humanos, fazer uma gestão que vá respondendo às necessidades que essa nova competência nos trouxe. Agora, o que vos posso dizer é que os números, portanto, os dados que vieram do SEF e aqueles que neste momento temos, são mais ou menos semelhantes. O que nós acrescentamos é mais pessoas controladas, ou seja, o resultado do controlo é que os números são mais ou menos semelhantes. Agora, relativamente ao número de pessoas que estão a entrar em território nacional, isso aumentou.
E, em relação ao verão isso significa o quê? Que vai ser um verão quente?
Vai ser um verão quente.
Com grande fluxo de pessoas nas fronteiras aeroportuárias?
Isso é o que é normal. Mas claro, traz uma obrigação a quem tem esta competência de se adaptar à necessidade. É aquilo que tem sido feito. Já foi feito o antecedente e vamos também fazê-lo no verão e estou convencido de que tudo vai correr bem.
A propósito de fenómenos de criminalidade, já falou nas redes de tráfico de pessoas. Coloca as claques de futebol na categoria da criminalidade organizada?
Não, acho que isso é uma generalização complexa. Obviamente admito que, às vezes, há algumas claques e grupos organizados de adeptos que têm comportamentos que são, diria, inadequados. Sabemos, isso também é público, que alguns deles têm sido visados em práticas de natureza criminal, mas não nem quero generalizar ao ponto de considerar que agora as claques de futebol estão, fazem parte ou integram o crime organizado.
Sobre criminalidade organizada, houve dados preliminares, ou pelo menos soltos, que foram revelados há dias sobre o relatório de segurança interna relativo ao ano passado e que apontam um crescimento de vários fenómenos de criminalidade contra o Estado, mas também contra as pessoas. É a Polícia que está a falhar na prevenção ou na contenção ou é um fenómeno mais generalizado ao nível social?
Nessa matéria, a Polícia não há de estar à margem desses dados, mas obviamente que somos parte de um sistema. O que estamos a detetar é que no período pós-pandemia, há determinado tipo de fenómenos que começaram a aparecer de forma inusitada. A questão dos gangues dos jovens, a questão das agressões por motivos fúteis, a utilização de facas nas agressões. Obviamente que isto tudo tem de nos levar a refletir sobre o que é que está a acontecer e a Polícia de Segurança Pública terá de se adaptar, percebendo o fenómeno. Mas para isso é preciso que ele também seja convenientemente estudado, porque a criminalidade, como sabem tão bem ou melhor que eu, não se resolve só com ações policiais.
Na área da PSP também se registou um aumento generalizado, certo?
Sim, mas para combater estes fenómenos a polícia precisa de mais gente, como é óbvio.
Quantos polícias precisaria a mais para cumprir esta missão?
Essa pergunta tem de nos levar em primeiro lugar a uma reflexão do que é um modelo organizacional. Importa perceber também, do ponto de vista dos territórios, como é que nos devemos adequar tendo em conta as necessidades e as competências que temos. Ou seja, consoante a realidade, podemos precisar de mais ou não.
E qual é a sua opinião? Precisa ou não?
Vou explicar. Entre 2014 e 2024 passaram dez anos e nesse período perdemos cerca de 1300 polícias, mas ganhámos, por exemplo, competências no domínio da investigação criminal, ganhámos competências no domínio da segurança privada, ganhámos agora competências no domínio da segurança aeroportuária. O que é que isso implica? Implica que os polícias, que se calhar víamos mais na rua, tiveram, por causa dessas novas competências, de se adaptar.
Tiveram de sair da rua?
Sim, também.
Isso não compromete o policiamento de proximidade que foi tão embandeirado nos últimos anos?
Claro que sim, porque nada na polícia se faz por uma pessoa só e eu dei também o meu contributo no Programa Integrado de Policiamento de Proximidade, que também é importante que se transmita aqui, foi um programa que antes de ser implementado teve uma avaliação externa, que é uma coisa que acho também importante. Ou seja, não são coisas que pensamos e achamos que sim e só por isso vamos implementar. E também quero dizer que, neste momento, esse programa está a ser novamente reavaliado. Já foi reavaliado internamente e irá ser reavaliado externamente, para perceber se há aqui alguma dimensão que precise de ser ajustada. Mas, voltando à sua questão, a dimensão da prevenção é a matriz identitária da Polícia de Segurança Pública. É por aí que o nosso trabalho, a nossa missão, começa, prevenir para não acontecer.
Mas a visibilidade é um fator essencial, não é?
Claro que sim. Mas por isso mesmo é que a visibilidade tem, neste momento, um programa que está implementado a nível nacional, que passa por utilizarmos os nossos polícias, por forma a que eles estejam onde as pessoas estão e sejam vistos. E criando uma dimensão de reação mais rápida quando as ocorrências acontecem. No fundo, é tentar fazer às vezes com menos, mais. Esse é um esforço que fazemos diariamente e estamos convencidos que estamos a fazer de uma forma conveniente. Criámos estruturas de reação com recurso às equipas de intervenção rápida, acrescentando-lhes uma especial mobilidade. São equipas que usam motas para se deslocar e são compostas por dois elementos e que vão às chamadas de uma forma muito mais célere. Isso também é importante para as pessoas que estão a ter problemas na via pública. Além disso, as equipas de intervenção rápida têm uma mobilidade diferente. Aliás, o meu antecessor criou a possibilidade de as equipas de intervenção rápida poderem ser separadas a meio e andarem em duas viaturas para acrescentarem uma maior mobilidade aquando da necessidade de reação da Polícia de Segurança Pública. Além disso, temos também associado as unidades móveis de visibilidade e atendimento que se deslocam pelas cidades. Obviamente, tudo isto com base num planeamento que, entretanto, é feito de acordo com dados que são recolhidos de identificação de hotspots.
São unidades móveis como a que existe na Praça do Comércio, não é?
Sim. Tem um carro de patrulha associado e as pessoas podem interagir com a Polícia e se houver alguma necessidade ou alguma ocorrência que aconteça próxima dessa zona têm um carro de patrulha associado. É uma forma, entre outras, de ter uma dimensão de responsável que traga a resposta que os cidadãos necessitam.
Voltando um pouco atrás, queria perguntar-lhe se isto corresponde a um desinvestimento nas infraestruturas, ou seja, nas esquadras?
Essa é outra discussão. As polícias e as esquadras só por si não acrescentam segurança. Há aqui uma dimensão de perceção subjetiva da segurança em que a esquadra pode trazer essa sensação, mas do meu ponto de vista, não é ajustado pensar-se que a existência da esquadra acrescenta segurança. Aliás, há esquadras em Lisboa que distam 500 metros umas das outras e também há esquadras onde há uma participação criminal por mês.
Mas esse levantamento já está feito há 10 anos mais ou menos e a reorganização ainda não se concretizou. E esses meios fazem falta, não é?
Pois, há muito tempo. A PSP já apresentou várias propostas e estamos a trabalhar diariamente para que essa perceção subjetiva da segurançaou falta dela, seja ultrapassada por aquilo tudo que já estive aqui a dizer. Além disso, há outras questões que estamos a trabalhar e a fazer com compromissos que assumimos também com outras entidades, porque a segurança não tem só a ver com a Polícia de Segurança Pública e com a esquadra.Está ligada com as outras de freguesia, com outras organizações, com as instituições, portanto,falamos com todos aqueles que sabemos que podem ser parte da solução de um problema que também sentimos, sendo que, muitas das vezes esses problemas acabam por ter essa dimensão subjetiva. Porque as pessoas, muitas vezes, sentem-se inseguras por questões que não têm a ver com a Polícia. Portanto, falta de iluminação, zonas que não estão convenientemente limpas, há aqui outras questões que contribuem para o sistemade segurança que todos nós queremos que seja bom para todos.
Mas ainda relativamente ao recrutamento, há ou não necessidade de um número específico de efetivos que nos possa dizer?
A questão da necessidade de mais pessoas resulta, do meu ponto de vista, do exercício que temos de fazer, e que ainda não está feito, porque há estudos feitos há muito tempo sobre o assunto, mas agora é preciso decidir sobre eles. Considerando a nomenclatura atual e as necessidadesque a Polícia de Segurança Pública tem mantendo os territórios, mantendo a organização que tem e assumindo a necessidade de recrutamento com as competências que tem vindo a assumir, volto a dizer, em dez anos perdemos 1300 polícias. Significa que perdemos, mas temos de fazer as mesmas coisas, com a mesma organização e os mesmos territórios. Obviamente que é perfeitamente ajustado que se diga que, mantendo-se este quadro de referência, precisamos de ver esse quadro de efetivos estabilizado. Com a questão do controlo de fronteiras e tendo em conta aquele que é um desígnio também europeu, que é controlar a entrada em território nacional, considerando a substituição dos elementos da Polícia Judiciária que, neste momento, nos estão a ajudar nesta função, só aí estamos a falar em cerca de mil polícias.
A sua nomeação foi entendida como um símbolo de uma possível mudança de paradigma nas estratégias de policiamento da PSP. Menos securitárias e reativas, mais preventivas e de proximidade. Tenho aqui duas questões. Uma sobre esta questão da proximidade, que tem a ver com as zonas urbanas sensíveis, que são uma zona prioritária que as forças de segurança dão atenção e está prevista na estratégia de segurança urbana. Pergunto-lhe se acha a expressão zona urbana sensível um pouco infeliz, como o seu comandante de Lisboa nos disse na entrevista da semana passada ao Diário de Notícias? E outra questão é se acha que a complexidade e a violência do crime atual se pode combater com este tipo de polícia?
Deixe-me dizer-lhe o seguinte: há obviamente uma Norma de Discussão Permanente (NEP) classificada de direção nacional, que nos ajuda relativamente aos territórios a pensar qual é o modelo de policiamento e a forma de atuação em determinados locais. A nomenclatura que na altura foi utilizada foi essas tais zonas urbanas sensíveis. Aliás, esta designação apareceu na lei.
Mas está ultrapassada?
Não. Neste momento, estamos em fase de alteração dessa NEP e vamos adequar onde se lê ZUS, vamos passar a ler zonas urbanas e outras de especial criticidade. No fundo, é a nova nomenclatura que a legislação atual traz. E, como tal, temos de nos adequar também relativamente a essa matéria. Portanto, esta nova designação apareceu, penso, nos finais de agosto de 2023 e estamos em fase de alterar também a NEP e a designação. Mas, concretamente, esta questão da ZUS, estamos a olhar para bairros sociais, bairros problemáticos, mas a nomenclatura da ZUS, entre aspas, não é essa. A nomenclatura da ZUS não é bairros problemáticos. Isto pode ser uma zona qualquer, desde que haja fatores que levem a enquadrar esta zona onde estamos, portanto, tem a ver com os territórios e tem a ver com o que lá se passa do ponto de vista das questões da criminalidade.
Mas estigmatiza, não?
Não. Isso não tem a ver com uma dimensão de estigmatizar ninguém, porque não é isso que procuramos, não é isso que as normas dizem. O que elas dizem e em que nos ajudam é a decidir claramente como é que vamos intervir naquele território. Não tem nada a ver com questões dessa natureza, são questões de natureza criminal.
O último relatório anual do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa foi divulgado há dias, é referente ao ano passado, refere, e não é a primeira vez, práticas frequentes de maus-tratos físicos a detidos por agentes da polícia, bofetadas, murros, bastonadas, pontapés, após o detido já estar controlado pelos agentes de segurança, referindo ainda que persiste a prática de algemar detidos a mobiliários nas esquadras. São alguns dos exemplos mencionados neste relatório. Quer dizer-nos alguma coisa em relação a estas referências?
Relativamente a estas questões, aquilo que tenho a dizer é que as não conformidades com as regras e com a lei, da parte que a mim me diz respeito, são questões perfeitamente intoleráveis e que têm nos sítios próprios a censura adequada. Não há impunidade, era o que faltava.
No dia em que o diretor nacional da PSP for confrontado, como já aconteceu com antecessores seus, com uma situação em que polícias forem acusadas de racismo e tortura, recordo o caso de Alfragide, de que lado vai estar o diretor nacional? Dos polícias ou das vítimas?
Tenho de estar do lado da lei e das regras. Era o que faltava. Esta dimensão não me permite fazer nada, nem pensar sequer de forma diferente. Do lado da lei, do lado das regras e dos direitos das pessoas.
Conhecendo a história da atual ministra da Administração Interna, que foi Inspetora-Geral da Administração Interna, de que lado é que espera que a ministra esteja? Também do lado da lei?
Atrevo-me a dizer, não querendo especular, mas só me parece que possa ser do mesmo lado, do lado da lei, do lado da Constituição, do lado das regras, do lado da proteção dos direitos individuais, fundamentais, o que seja. Nem passa pela cabeça coisa diferente.
Do outro lado das acusações e denúncias de violência policial, também há agressões contra polícias e, pelos números que se sabem, têm vindo a aumentar. Qual é a situação neste momento?
Neste momento, penso que por comparação com o ano anterior, estou a falar de 2023, tivemos mais 150 agressões. Estamos a falar de mais de 900 polícias agredidos.
E o que é que pode dizer sobre isso? Os polícias sentem-se mais hostilizados e menos respeitados?
Sabe que a polícia tem uma farda e temos uma responsabilidade diferente pela missão que desempenhamos. Pensamos que uma das coisas que está sempre presente na nossa atuação é o princípio da legalidade e aquilo que sentimos é que também representamos, cumprindo a nossa missão, a autoridade do Estado. Quanto temos um quadro de referência que nos diz que, genericamente, cerca de três polícias diariamente são agredidos, acho que é um número que não nos deve deixar satisfeitos e terá de nos pôr a pensar também nesta questão. Porque é que isto acontece? Aliás, isto são agressões e polícias que também morreram no exercício da sua atividade, como Fábio Irineu, no bairro há muitos anos atrás, levou 22 tiros. Temos de continuar a pensar no que é que está a acontecer.
Mas como polícia, que diferenças sente entre o que era ser polícia quando começou há 40 anos e agora?
A sociedade está diferente. Atrevo-me a dizer que esta questão do olhar para o polícia, como em tom de brincadeira se pode fazer uma fotografia com cara feia para colocar na sala para os meninos comerem a sopa, se não chama-se o polícia de cara feia. Brincando um bocadinho com esse tema, dá-me ideia de que no passado, tendo em conta a experiência que fui tendo, que apesar de tudo o papel do polícia era mais aceite e respeitado.
Agora há mais gente na brincadeira dos polícias e ladrões a querer ser ladrão em vez de polícia, é isso?
Não sei se é querer ser ladrão, se é pôr em causa tudo o que tem a ver com a autoridade do Estado. Porque há muitas coisas que estão a acontecer, não só com polícia, mas com outros símbolos nacionais, tantas coisas que aparecem aí. São coisas que não era suposto acontecerem, mas estão a acontecer. Portanto, é preciso olharmos e percebermos claramente o que é que está a acontecer e também não nos podemos esquecer que fazemos parte, porque isto não é um problema de Portugal, é bom que se tenha noção disso. Basta perceber e estar atento àquilo que aconteceu, por exemplo, ontem no dia 1 de maio noutros países da Europa e do mundo relativamente às comemorações do primeiro de maio. Há aqui coisas que estão a acontecer que nós, à partida, por cá, apesar de tudo, vamos controlando. É bom que se tenha a noção que a polícia, do meu ponto de vista, tem cumprido com aquela que é a sua missão. Veja-se a quantidade de eventos que aconteceram sem ondas de violência cá, como no 25 de Abril. As coisas correram de uma forma ordeira e tivemos cá vários presidentes da república, vários eventos e, portanto, é importante termos a noção que nada acontece por acaso. Há aqui um trabalho que a polícia faz, os serviços de segurança fazem. Estamos aqui todos em sintonia e sempre muito preocupados com a segurança e acho que estamos a dar conta do recado. Para já estamos a dar conta do recado.
Foi nomeado pelo governo anterior e agora há uma nova ministra que coincide, aparentemente, com o senhor diretor nacional em relação a algumas ideias, por exemplo, à forma como deve ser feito o policiamento. Há alguma ideia de continuidade, substituição? Já houve alguma conversa com a ministra da Administração Interna?
Não. Relativamente a isso, não tenho de fazer qualquer tipo de comentário. Sou um servidor do Estado e cumpro a minha missão onde estiver e era assim que gostava de responder à sua pergunta. Acho que não devo fazer nenhum comentário relativamente a isso.
