O homem de 28 anos é principal suspeito de, pelo menos, 20 incêndios, que consumiram 120 hectares de floresta, entre abril e 28 de agosto deste ano, na zona entre a Ponte da Barca e o Lindoso.
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Um juiz de instrução criminal decidiu esta sexta-feira libertar o alegado autor de 20 incêndios florestais que deflagraram nos últimos cinco meses no concelho de Ponte da Barca, distrito de Viana do Castelo, devido à greve dos funcionários judiciais.
"O juiz de instrução criminal que estava de turno proferiu um despacho a ordenar a libertação do detido, justificando a decisão com o facto de não ter condições para a realização do primeiro interrogatório judicial, por falta de funcionários judiciais, que estão em greve. O arguido saiu em liberdade com o termo de identidade e residência", explicou à Lusa, fonte judicial.
Em comunicado divulgado na quinta-feira, a PJ anunciava a detenção de um homem, de 28 anos, suspeito de, pelo menos, 20 incêndios florestais que se verificaram em várias freguesias do concelho de Ponte da Barca, distrito de Viana do Castelo.
Manuel Sousa, coordenador Regional do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais, conta à TSF que o juiz de instrução criminal andou de tribunal em tribunal, mas não encontrou um funcionário que não estivesse em greve.
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"O senhor procurador, hoje [sexta-feira], chegou ao tribunal e tinha o tribunal de Ponte da Barca encerrado porque aderiram à greve. Tentou levá-lo a Arcos de Valdevez, também estava encerrado por greve", afirma.
"Entretanto - não sei por que razão - o senhor procurador viu-se aflito e foi ele, em mão com o processo, ao tribunal de Ponte de Lima - por ser aquele que era o mais próximo e isto é uma regra que não está no Código do Processo Penal. Foi lá porque sabia que havia funcionários de serviço, queriam que eles assoreassem a juiz. Só que os funcionários que lá estavam eram do Ministério Público e de outro tribunal, que não aquele que era o competente - e, portanto, quando o senhor procurador chegou lá para entregar o processo, eles aderiram à greve. Não havia serviços mínimos, o senhor juiz teve de colocar o indivíduo em liberdade", justifica.
Manuel Sousa adianta ainda que a greve desta sexta-feira não teve serviços mínimos porque a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) não pediu.
"O Sindicato dos Funcionários Judiciais apresentou um pré-aviso de greve em 27 de julho - poderia fazê-lo no dia 10, mas não o fez - para dar tempo para que a Direção-Geral da Administração e Emprego Público e a DGAJ apresentassem ou sugerissem a garantia de serviços mínimos. Não houve proposta de ninguém e, portanto, não havia serviços mínimos. Já em outras greves, tem havido serviços mínimos. Para segunda-feira, um outro sindicato apresentou um aviso prévio de greve e já veio indicar serviços mínimos", esclarece o dirigente, que afirma que "há coisas que não se percebem".
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Indo mais longe, Manuel Sousa confirma que aquilo que aconteceu com o alegado incendiário de Ponte da Barca, poderia ter acontecido noutro caso qualquer, desde que as circunstâncias se assemelhassem.
"Podia ter ocorrido com qualquer crime, porque não pode ultrapassar as 48h. Hoje [sexta-feira] ultrapassa as 48h. Eu julgo é que há aqui alguma responsabilidade dos magistrados porque ontem [quinta-feira] houve tempo para o ouvir e o apresentar ao juiz. E se o tivessem apresentado ontem - nem que fosse toda a tarde - o juiz podia iniciar a diligência e depois continuar passados dois ou três dias, porque os dias de instrução criminal, depois de iniciar a diligência, interrompem completamente o prazo das 48h. Dava tempo para isso", garante.
A PJ de Braga referia que as duas dezenas de incêndios ocorreram entre 9 de abril e 28 de agosto deste ano, nas freguesias de Vila Nova de Muía, de Touvedo, de Paço Vedro Magalhães, de Vila Chã e de Lindoso, as quais, durante aquele período temporal, foram "sistematicamente atingidas por uma onda simultânea de incêndios florestais, causando alerta entre a população local".
Em conferência de imprensa realizada na quinta-feira, após a divulgação do comunicado, o coordenador da PJ de Braga adiantou que o suspeito, residente na zona, é operário da construção civil, está inserido social, profissional e familiarmente, acrescentando que na origem da sua atuação estaria "o fascínio pelo fogo e pela movimentação dos meios" no combate aos incêndios.
António Gomes deu conta de que o detido, sem antecedentes criminais e com o 12.º ano de escolaridade, é o principal suspeito de, pelo menos, 20 incêndios, que consumiram 120 hectares de floresta, entre abril e 28 de agosto deste ano, na zona entre a Ponte da Barca e o Lindoso, próxima do Parque Nacional da Peneda Gerês (PNPG).
"Não poderei dizer se é um dos maiores incendiários do país. Mas a zona afetada tem grande potencial, pode provocar prejuízos avultadíssimos. Até pelo número de ignições, que são dezenas. Era um risco enormíssimo a sua conduta, a sua ação", vincou Antonio Gomes.
O coordenador da PJ de Braga revelou que o suspeito "prestou esclarecimentos sobre algumas das situações, concludentes sobre alguns incêndios", sublinhando que a investigação está em curso, havendo a forte probabilidade de ligar este arguido a outros incêndios ocorridos na mesma zona, nomeadamente em 2022.
Foi a "incidência muito grande de fogos florestais" naquela zona que levou a PJ a desencadear a investigação, que implicou a afetação "de meios humanos significativos", com o objetivo de pôr cobro a esta onda de fogos.
A PJ apreendeu vários isqueiros ao suspeito, que não era fumador, sendo a chama direta a forma de atear os incêndios, quando o homem se deslocava na sua viatura entre o concelho da Ponte da Braça e a zona do Lindoso.