Juízes dizem que sem greve de funcionários judiciais não havia ordem do Governo para acelerar lei da amnistia
A lei da amnistia entra em vigor esta sexta-feira e, mesmo admitindo uma boa intenção da parte da Direção-Geral da Administração da Justiça, o presidente da Associação fala de uma "interferência" no trabalho dos tribunais.
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O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses acredita que, sem a greve dos funcionários judiciais, não existiria a ordem do Governo para aplicar, o mais depressa possível, a lei da amnistia que marcou a vinda do papa a Portugal.
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"Vamos imaginar que não tinha havido nenhum problema. O que é que ia acontecer amanhã [sexta-feira]? Às 0h00 entra em vigor a lei da amnistia e os juízes e todos os oficias de justiça e todo o pessoal dos tribunais mobilizado para tratar desse serviço urgente, vendo os milhares de processos um a um, ver a quem é que se pode aplicar a lei, ver quem é que pode beneficiar do perdão de penas, eu diria que, dentro de uma semana, duas - o mais rápido que fosse possível de acordo com os recursos que existem - libertar as pessoas que têm de ser libertas, aplicar os perdões de pena, tudo isso", defende.
A amnistia entra em vigor esta sexta-feira para os crimes com pena inferior a um ano de prisão ou 120 dias de multa. É também perdoado um ano de prisão a todas as penas até oito anos. A Direção-Geral da Administração da Justiça ordenou que os mandados de libertação sejam emitidos e enviados às cadeias até esta quinta-feira. No entanto, os juízes consideram que estas são ordens ilegais, que interferem na autonomia do poder judicial. Os processos só serão reabertos antes de 1 de setembro se os juízes assim o entenderem.
A situação levou o conselho superior da magistratura a reunir-se de emergência, colocando-se ao lado dos presidentes das comarcas, que estão a recusar a ordem que chegou na terça-feira aos tribunais.
Os funcionários judiciais têm marcados dois dias de greve, o primeiro já esta sexta-feira e o outro na segunda-feira, os primeiros dias do novo ano judicial.
"O que é que se intrometeu aqui na engrenagem? Uma greve de funcionários, mais uma. E amanhã, os funcionários estão em greve e apesar de haver uma parte da máquina montada, a outra parte imprescindível que são os funcionários judiciais vão fazer greve", explica.
Em declarações à TSF, o presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Ramos Soares, fala de ingerência, mas admite que o Governo pode ter tido apenas a intenção de travar o impacto dessa greve.
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"Para evitar isto, e, portanto, a intenção pode ter sido boa, a Direção-Geral, indo aqui à revelia das regras, deu instruções aos funcionários - como se os funcionários é que mandassem nos tribunais e os juízes fossem os coadjuvantes dos funcionários e não ao contrário - que de repente foram confrontados por intervenção do governo da Direção-Geral, com certeza, para resolver o problema da greve. com processos e processos em cima da secretária a dizer 'olhe, ponha lá de lado o que está a fazer, porque a senhora diretora-geral mandou fazer isto primeiro'. Ora, isso não é assim, até porque a lei não estava em vigor", salienta.
A lei da amnistia entra em vigor esta sexta-feira e, mesmo admitindo uma boa intenção da parte da Direção-Geral da Administração da Justiça, Manuel Ramos Soares fala de uma "interferência" no trabalho dos tribunais.
"Há uma interferência. Pode não ser intencional - não quero dizer isso - mas objetivamente é uma interferência. Porque a competência para definir o modo e o tempo de aplicação da lei em cada processo e em cada caso concreto, é uma competência do jurisdicional do juiz, que é responsável por ela. Não é uma competência administrativa do oficial de justiça sob orientação do Governo", atira, alertando que se aceitassem que isso acontecesse, estavam a admitir "virem circulares do Governo a dizerem aos juízes como é que fazem". "Isso não é assim", garante.
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Por isso mesmo, "os juízes presidentes dos tribunais reagiram e o conselho da estrutura reagiu, e muito bem, precisamente porque há um princípio que não pode ser subvertido, ainda que as razões possam ser boas", considera Manuel Ramos Soares, que afirma que antes de ser resolvido depressa, é preciso que o problema seja resolvido "de forma correta".
O líder da Associação Sindical dos Juízes Portugueses adianta ainda que há falta de funcionários nos tribunais,
"Se é preciso refazer todo esse trabalho e isso precisa do juiz sentado na secretária a postos, mobilizado para isto que é prioritário, precisa de um procurador para intervir nos processos no âmbito das competências e precisa dos quatro ou cinco funcionários a trabalhar nisto. Se amanhã [sexta-feira] o juiz - e isso vai acontecer - em vez de ter quatro ou cinco funcionários, tiver só um, não pode fazer este trabalho", esclarece afirmando que assim, "um trabalho que podia demorar três, quatro, cinco dias, pode demorar uma semana ou duas, depende".
A TSF aguarda desde esta manhã uma resposta do Ministério da Justiça, mas essa resposta continua por chegar.