Juízes e magistrados destacam que Operação Marquês é processo "atípico" e "alterações a quente não dão bom resultado"
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público defendem, na TSF, a urgência de se "ponderar mecanismos que imprimem alguma celeridade e eficiência" à Justiça portuguesa
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Uma década após a detenção do antigo primeiro-ministro José Sócrates, ainda não começou o julgamento da Operação Marquês. Juízes e magistrados reconhecem que a situação "não é aceitável", mas destacam que este é um "processo atípico" e que alterações feitas "a quente não dão bom resultado".
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Nuno Matos, entende que dez anos é muito tempo, mas avisa que não podem ser feitas alterações precipitadas à lei. A solução para estes casos não é fácil, aponta.
"Não se pode ponderar fazer alterações com base em alguns casos em concreto ou a quente, porque isso não dá bom resultado. Não se podem fazer sacrifícios processuais sem se pensar em todos os vetores", argumenta, em declarações à TSF.
Apesar de defender que o fim dos recursos seria uma "solução impensável", já que é preciso assegurar "as garantias de defesa", Nuno Matos acredita que é urgente "ponderar mecanismos que imprimem alguma celeridade e eficiência" à Justiça portuguesa.
A fase de julgamento na Operação Marquês está próxima, mas o líder da associação mostra-se descrente com a possível aceleração do processo.
"A fase do julgamento está aí à porta. Irá demorar bastante tempo e depois ainda temos a fase dos recursos. Se houve uma decisão, quem não aceitar, seja de um lado ou de outro, podem usar as ferramentas legais que são os recursos e isso leva o seu tempo. Decidir um recurso ou fazer um julgamento de um processo destes demora bastante tempo", explica.
O presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses não duvida, por isso, que a Operação Marquês imponha uma imagem negativa da Justiça junto dos portugueses. Ao mesmo tempo, sublinha que a megaoperação é apenas uma amostra do trabalho dos tribunais.
"A Justiça no seu todo não sai muito bem na fotografia deste e de outros processos pelo tempo que demora. Há a noção de que ao fim de muito tempo, falar de Justiça é um bocadinho complicado", reconhece, completando, contudo, que é preciso fazer-se a "pedagogia de se perceber que alguns processos têm mesmo de demorar".
O sistema da justiça, diz, "não aufere unicamente por esta pequena amostragem": "É muito mais do que isso."
Já Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, considera que "não é aceitável" que um processo deste tipo demore tanto tempo a ser resolvido, mas destaca que este tem sido também um "processo atípico".
"Este tem sido um processo atípico em muitas coisas: a fase de investigação demorou algum tempo - mas é um processo complexo que implicou um conjunto de diligências muito diferentes do processo habitual, mesmo dentro da criminalidade económico-financeira -, teve uma fase de instrução muito prolongada no tempo, o que também não é usual e a instrução, que seria apenas para comprovar a decisão do MP, acabou por ser uma espécie de pré-julgamento e depois entramos numa fase que tem tido sucessivos recursos", explica à TSF.
Paulo Lona entende, por isso, que este caso revela que há temas dentro da Justiça que devem ser repensados, nomeadamente os recursos e também a própria fase de instrução.
"Embora não devamos extravasar o que são processos atípicos para a generalidade, devemos equacionar, na fase de instrução, a forma como é realizada na prática, que deve ser concentrada no debate oral sobre a prova recolhida. Na fase do julgamento, analisar o processo e verificar como é que é possível conferir mais celeridade. Em relação aos recursos, devemos equacionar a questão dos efeitos", remata.
No processo, José Sócrates foi acusado pelo MP, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, a 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar Sócrates de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento e três de falsificação.
Uma decisão posterior do Tribunal da Relação de Lisboa viria a dar razão a um recurso do MP, e em janeiro determinou a ida a julgamento de um total de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória, que remeteu para julgamento apenas José Sócrates, Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, Ricardo Salgado e o antigo motorista de Sócrates, João Perna.