"Justiça é instrumentalizada" com denúncias "oportunistas" e é preciso "frieza" para que eleitores não se deixem "influenciar"
No Fórum TSF desta quinta-feira, é consensual a necessidade de "ponderar as repercussões públicas" da divulgação de averiguações preventivas, tendo em consideração que os danos causados podem ser "irreparáveis"
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As denúncias anónimas têm assumido um papel principal na vida política e a divulgação de uma investigação na sequência deste mecanismo deve ser "ponderada" devido aos "danos irreparáveis" que pode causar: é "inequívoco" que a Justiça tem sido "instrumentalizada", mas é preciso "frieza" para que uma averiguação preventiva não "influencie" o eleitorado e defina "o seu sentido de voto".
O mote para a discussão sobre as denúncias anónimas — um mecanismo de resto já criticado por vários políticos, como Miguel Albuquerque, líder do governo regional da Madeira — partiu da averiguação preventiva a Pedro Nuno Santos e aos dois imóveis que comprou em Lisboa e em Montemor-o-Novo. Esta surge depois da investigação que está a ser feita a Luís Montenegro, presidente do PSD e primeiro-ministro. No caso de Montenegro, está em causa a empresa familiar Spinumviva e a averiguação preventiva foi revelada publicamente pelo próprio procurador-geral da República, Amadeu Guerra.
No Fórum TSF desta quinta-feira, o bastonário da Ordem dos Advogados, João Massano, esclarece que, em termos legais, uma denúncia anónima é igual a qualquer outra, tendo o Ministério Público de investigar suspeitas que possam surgir. Ainda assim, considera que deveria haver uma "ponderação das repercussões públicas", porque os efeitos produzidos podem traduzir-se em "danos irreparáveis". A divulgação destes casos em fases muito iniciais, quando ainda não existem dados concretos, é "muito perigosa".
"Ainda há pouco tempo tivemos uma postura exemplar da Procuradoria-Geral da República, que tem que ver com a situação em que vieram esclarecer, na sequência das investigações que estavam a ser feitas em diversas entidades públicas, que não havia políticos envolvidos. Isso foi clarificador e muito bom em termos de comunicação", elogia.
A ideia de "recato" é também defendida pelo vice-presidente da Associação Frente Cívica que, olhando para o caso que envolve o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, afirma que, num cenário ideal, esta investigação ocorreria de forma "discreta", numa fase inicial.
"Até porque, de facto, é uma averiguação preventiva. Ou seja, não há um conjunto de factos para se perceber se há alguma suspeita sequer de que possa ter havido alguma ilegalidade. É uma coisa muitíssimo preliminar e que eu imagino acabará arquivada como foi arquivada a questão de Luís Montenegro", argumenta.
Ainda que possam haver "problemas éticos e de falta de rigor" no preenchimento das declarações patrimoniais, "muito dificilmente" existirão mecanismos que possam ser "acionados em termos jurídicos".
"A questão é que como provavelmente as denúncias foram feitas para precisamente poderem ser comunicadas à imprensa, a partir do momento em que os jornalistas perguntam à Procuradoria-Geral da República se há alguma investigação em curso ou se estão a fazer alguma coisa com as denúncias, mais vale responderem a verdade", reconhece.
E o que se faz, então, a partir daqui? João Paulo Batalha sublinha a importância de haver "frieza" para não empolar uma averiguação preventiva, que se situa muito longe de uma suspeita criminal.
Ainda que "involuntariamente", diz ser "inequívoco que a Justiça é instrumentalizada", mas esta é uma realidade que só pode ser contornada pelo autor das denúncias. Perante a impossibilidade de evitar estes "objetivos políticos", reforça que é importante perceber que uma averiguação preventiva "não é nenhum escândalo".
"Temos de ter a frieza — sabendo que também não vamos acabar com este tipo de denúncias oportunistas — de não nos deixarmos influenciar por coisas que estão em investigação preliminar e que seja isso a definir o nosso sentido de voto ou a forma como escrutinamos a função política dos responsáveis públicos", entende.
