Quase quatro meses depois, as vítimas do surto de legionella que em outubro atingiu a região do Grande Porto dizem-se abandonadas. O pai de Renata Martins continua internado e Luis Mendenha ainda não consegue subir escadas.
Corpo do artigo
A ARS- Norte já deu o processo como terminado, apesar de não ter identificado a origem do surto de legionella que atingiu os concelhos de Matosinhos, Póvoa de Varzim e Vila do Conde. Surto que provocou 15 vítimas mortais e infetou 88 pessoas.
O pai de Renata Martins tem 73 anos, acredita que contraiu legionella durante uma viagem de metro entre a Póvoa de Varzim e o Hospital de São João, onde tinha marcada uma cirurgia. Os primeiros sintomas chegaram no dia 30 de outubro, quatro dias depois da operação para remover um rim.
TSF\audio\2021\02\noticias\11\11_fev_rute_fonseca_surto_legionela
"Foi induzido em coma e completamente sedado porque estava com legionella. O meu pai era independente e ficou imóvel, totalmente dependente, amarrado a uma cama, usa fralda, algália...".
Do São João foi transferido para o Hospital Senhor do Bonfim, em Vila do Conde, onde está há mais de três meses. "Nunca veio para casa, desde outubro que não sabe o que é estar em casa, continua internado".
Renata Martins explica que o pai sempre foi autónomo, em 2019 fez um transplante renal e estava bem. Agora, sente-se revoltada, sente que foram abandonados pelo estado. "A única vez que telefonaram foi do SNS para perguntar os passos que deu na semana em que ficou infetado. Nem câmara municipal, nada... fomos completamente esquecidos. O meu pai precisa de reabilitação e somos nós que pagamos".
Luís Mendenha, uma das primeiras vítimas do surto de legionella no grande Porto, também não esconde a revolta. "Sinto-me abandonado, só se fala de Covid mas o caso da legionella foi muito grave..."
Luís Mendenha tem 48 anos, é carpinteiro, vive em Modivas, Vila do Conde. Não sabe como contraiu legionella, os primeiros sintomas chegaram a 3 de setembro e começou com uma dor de cabeça, depois febre alta. "Quando me disseram que era legionella eu já tinha "apagado", tive uma paragem cardiorrespiratória de dois minutos, estive muito mal".
Passados 5 meses sente-se melhor, mas ainda não conseguiu recuperar as rotinas. "Canso-me na mesma, não consigo jogar à bola, pescar, subir escadas..."
Luís Mendenha afirma que recebeu um único telefonema das autoridades de saúde. "Só me ligaram do Hospital de Famalicão e depois do Hospital Pedro Hispano a perguntar por onde eu tinha andado, onde tinha passado..."
Não se conforma que até hoje ainda ninguém tenha sido responsabilizado, pensou avançar com um processo em tribunal, mas entretanto desistiu. "Não vale a pena é gastar dinheiro e deitar dinheiro fora".
Luis Mendenha já regressou ao trabalho na carpintaria mas ainda se cansa com muita facilidade. O pai de Renata Martins vive num segundo andar e a família está a tentar vender o apartamento para comprar um no rés-do-chão. O pai, que entretanto também está infetado com Covid-19, deixou de ter pulmões que lhe permitam subir as escadas.
A TSF questionou a Procuradoria-Geral da República sobre o inquérito aberto há precisamente 3 meses pelo Ministério Público para apurar responsabilidades no surto de legionella. Na resposta, a PGR indica que "a investigação prossegue" e que o inquérito "encontra-se em segredo de justiça e não tem arguidos constituídos".
*Notícia atualizada às 21h07