A trindade da revolução Francesa ainda tem a sua atualidade mas ao futuro juntam-se novos conceitos saídos da ciência. O coordenador do colóquio para debater o futuro, que hoje e amanhã se realiza na Fundação Champalimaud, o antigo presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso diz nesta entrevista à TSF que "existem limites para a diversidade" dos valores culturais.
Corpo do artigo
Fernando Henrique Cardoso está em Portugal a coordenar os trabalhos do colóquio sobre o Futuro, que começa esta sexta-feira Fundação Champalimaud.
O antigo Presidente brasileiro e Tim Berners-Lee, o pai da Internet, abrem esta conferência que decorre também sábado no Centro de Investigação para o Desconhecido da Fundação Champalimaud.
TSF: Fernando Henrique Cardoso, um espírito universalista como o do Padre António Vieira escreveu "Uma história do Futuro" e disse nesse livro que "nem todos os futuros são para desejar, porque há muitos futuros para temer" ainda continuamos a temer o futuro?
Fernando Henrique Cardoso (FHC): Temos sim. Temos agora mesmo com o aquecimento global. É um temor. Imagina se não há um acordo entre os países e começa a aumentar a emissão de gases de estufa. Isso vai mudar o mundo. Em segundo lugar, a questão atómica. As bombas ainda ai estão e, em terceiro lugar, as epidemias que se propagam e transmitem de forma mais rápida por causa por causa dos meios de transporte. E, em quarto lugar, o terrorismo que nos continua a inquietar.
Há muitos temores sobre o futuro mas há também crença no futuro. Eu acho que hoje o futuro vai depender muito de nós entendermos que a humanidade existe como tal. Não são apenas os interesses dos países, das classes, dos Estados e das pessoas. Nós somos sobreviventes da humanidade e os meios estão disponíveis para isso porque a ciência avançou muito.
TSF: Então que futuro é que nós podemos nesta altura inventar?
FHC: Realmente o futuro se inventa, essa invenção vai depender de acordos crescentes entre os vários setores do mundo para entender que há união, por causa dos mercados e das tecnologias mas há diversidade de valores culturais que nós temos que respeitar. Mas até que ponto? Temos que inventar também o que é que é aceitável e aquilo que não é. A tortura não é aceitável, a discriminação de mulher e homem não é aceitável, de raça também não. Você tem que aceitar a diversidade mas há limites para essa diversidade em nome da sobrevivência da humanidade.
TSF: Há 50 anos o futuro desejava-se à beira de uma revolução. A praia estava debaixo das pedras da calçada. Hoje ainda vive desses amanhãs que cantam?
FHC: Em 1968, eu era professor em Nanterre (Universidade de Paris X) e era professor do Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes da revolução de maio, eu lembro-me bem como era. Naquela época em França era mais uma revolução de comportamentos, era cultural, mas havia também a expectativa da revolução social, socialista. Eu diria que a revolução comportamental continua aí presente. A pobreza ainda existe e com isso a expectativa de um mundo melhor onde se tenha menos desigualdades. Os sonhos talvez sejam menos revolucionários no sentido antigo de tomar conta do Estado e a partir daí resolver os problemas e muito mais apostar nas pessoas e na sociedade civil organizada que tenha condições de pouco a pouco resolver estas questões. Portanto, eu acho que existem ainda sonhos possíveis e sem sonhos a humanidades, as pessoas, não sobrevivem. E qual é o sonho? Mais igualdade, mais liberdade, menos enfermidades, mais longevidade e a ciência está aí para garantir a viabilidade de um sonho viável.
Fernando Henrique Cardoso está em Portugal a coordenar os trabalhos do colóquio sobre o futuro "Daqui a 100 anos", esta sexta-feira e sábado na Fundação Champalimaud.