Ligado à história de Coimbra, o "emblemático" Café Santa Cruz celebra cem anos
O edifício que agora dá forma ao Café Santa Cruz já foi uma igreja, uma loja de materiais de construção, uma agência funerária, uma esquadra da polícia e um posto dos CTT. Estas são a história e as histórias deste edifício emblemático classificado como Monumento Nacional.
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O café abriu a 8 de maio de 1923 numa antiga igreja, na Baixa de Coimbra. O edifício está classificado como Monumento Nacional. Mais recentemente, o café abriu-se a eventos culturais, como sejam apresentações de livros ou concertos de fado de Coimbra, para atrair mais pessoas.
Na esplanada do Café Santa Cruz encontramos José Ferreira, cliente "há mais de 50 anos". Frequenta o café "duas a três vezes por dia". "Não me pergunte fazer o quê. Não faço a mínima ideia. De facto, isto tem uma boa panorâmica, conheço muitas pessoas, os empregados e fui sempre amigo do patrão".
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Os clientes são, para Vítor Marques, um dos três sócios do Santa Cruz, "a razão" de estarem ali. "São eles que nos permitem esta longevidade comercial, cultural, patrimonial e também a questão do património imaterial e as histórias que eles vão contando".
O Café Santa Cruz abriu por iniciativa de Adriano Ferreira da Cunha, Adriano Viegas da Cunha Lucas e Mário Pais. Segundo Vítor Marques, o espaço foi pensado logo a seguir à I Guerra Mundial, em que houve "uma participação muito ativa e, portanto, ver empresários que no final de uma I Guerra começam a pensar em fazer investimentos desta natureza é de louvar".
O café está ligado à história da cidade e, para que as memórias não se percam, o Santa Cruz tem vindo a recolher imagens de momentos vividos neste espaço. Um desafio lançado pelo 90.º aniversário.
"A subida do União de Coimbra na época 1971/72 à primeira divisão foi celebrada no café e tenho uma fotografia disponibilizada pelo Jaime Ramos, a cores, que foi um antigo presidente do União de Coimbra. Tenho também uma fotografia do último casamento que foi celebrado aqui em novembro de 1974. Tenho também um conjunto de fotografias que mostram a evolução da fachada do Café Santa Cruz da fachada desde 1861 até 1920 e qualquer coisa quando já tinha a fachada que podemos apreciar hoje".
Além das fotografias, Vítor Marques quer passar para papel "todas as histórias que se passaram no café e que, muitas vezes, são contadas pelos clientes com mais idade". "Não quero que isso se perca e quero fazer isso certamente nos próximos meses".
O Santa Cruz não guarda apenas histórias, sendo também História. O edifício, construído em 1530, está classificado como Monumento Nacional. Era a Igreja de São João, que fazia parte do Mosteiro de Santa Cruz, imediatamente ao lado. Em 1834 foi dessacralizada e acolheu várias atividades comerciais.
"A primeira notícia que temos de ocupação comercial data de 1896 em que é referido que este espaço parece uma tasca, só lhe faltando o ramo de oliveira à porta", recorda Vítor Marques em declarações à TSF.
Outras atividades se seguiram até ser café: uma loja de materiais de construção, uma agência funerária, uma esquadra da polícia e um posto dos CTT.
Para Vítor Marques "a principal característica do café é a sua estrutura enquanto Igreja". O espaço mantém também o que foi feito em 1923: "As madeiras laterais são exatamente as mesmas, as cadeiras e as mesas são réplicas daquilo que existia".
O número de pessoas que frequenta o café tem vindo a alterar-se ao longo dos anos e esse é um dos desafios para o Café Santa Cruz. "Vamo-nos conseguindo adaptar", atira o gerente, apontando a realização de exposições, tertúlias e debates como momentos "importantes" para que "as pessoas de Coimbra voltem novamente à Baixa e ao Café Santa Cruz".
"São esses momentos que nós tentamos aproveitar para mostrar esta versatilidade do espaço que vai para além de um espaço de cafeteira".
O futuro passa por continuar a realizar este tipo de atividades culturais, mas a gerência do Santa Cruz quer colocar os cafés históricos nos roteiros, "quer pessoais, quer familiares, quer institucionais".
"É um problema que é transversal a Portugal que é estes cafés emblemáticos, que acompanharam a história da própria cidade, não apareçam mencionados nesses roteiros como espaços patrimoniais, materiais e imateriais. Fico triste, porque vou a outras cidades na Europa e isso acontece. Acho também que é importante valorizar os cafés que nós temos".
Vítor Marques está na gerência do Santa Cruz desde 2005, mas a sua ligação ao café data de 1974, quando a família regressou de Moçambique e o pai ficou com o café. Recorda que, quando mais novo, "detestava" ajudar no café, mas que hoje não se vê "a fazer outra coisa". "Às vezes até penso que devia ter vindo para cá mais cedo".
As comemorações dos cem anos de Café Santa Cruz começaram no domingo, com uma programação que contemplou uma arruada, concertos e a entrega do certificado da integração do Santa Cruz num roteiro internacional de cafés históricos. Esta segunda-feira é também lançado um selo postal dos CTT alusivo ao café.
