A vila alentejana recebe, em vários locais, desenhos de Nelson Mandela que só por uma vez estiveram na Europa.
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Mitch e Vicky, sul-africanos, transportam consigo a admiração por um compatriota que não deixa ninguém indiferente. Já viajaram por mais de 45 países em todo o mundo, mas foi o Alentejo que os conquistou.
"Viemos para Évora Monte há três anos e apaixonámo-nos pelo sítio. É uma vila fantástica!" Tanto que venderam a casa que tinham em Londres para se fixarem em Évora Monte.
"Foi a melhor decisão que alguma vez tomámos. É como um sonho e somos sortudos por podermos viver aqui", celebra o casal, que admite que a calma, o tempo, as pessoas e também a história da vila foram o que mais os fascinou.
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Em Évora Monte abriram o The Place, um alojamento local situado centro da vila. O presidente da junta, António Ganhão Serrano, sublinha que esta freguesia, que pertence ao concelho de Estremoz, é conhecida "pela riqueza do seu património histórico e monumental", com dois destaques: o castelo e a assinatura, a 26 de maio de 1834, da convenção de Évora Monte, "um tratado de paz que pôs termos à única guerra civil que aconteceu no nosso país".
Foi precisamente essa paz - um marco desta vila - que inspirou Mitch a ter uma ideia arrojada.
"Vimos que havia uma exposição dos trabalhos de Mandela em Londres. O meu irmão tem um amigo na África do Sul que está muito ligado à Fundação House of Mandela Art. Então pensámos: «Porque é que tudo acontece sempre em Londres ou em Nova Iorque?» Achamos que chegou a altura de alguma coisa vir para Évora Monte."
Além da intenção, esta é uma ideia que tem uma outra dimensão - mais pessoal - para Mitch: a de comemorar e relembrar o legado de Mandela. "A celebração de tudo o que Nelson Mandela conquistou na África do Sul. Toda a gente sabe a história de Paz que ele trouxe. Como sul-africano poder celebrar essa paz em solo estrangeiro é muito importante", explica.
O repto foi então lançado à fundação House of Mandela Art, que o aceitou de imediato. A partir daí, Évora Monte uniu-se para trazer os desenhos de Nelson Mandela até à vila. Matilde Ruas, dona da empresa Andar a Monte, que promove passeios pedestres, foi das primeiras a apoiar este projeto.
"Toda a gente reagiu lindamente. Todos ficámos muito contentes com a ideia, percebemos todos a importância que teria para Évora Monte e que fazia muito sentido", começa por contar. "Fomos tomando decisões juntos, cada um ia dando a sua opinião sobre se fica melhor assim ou melhor assado" e assim se vai fazendo um trabalho que tem um só objetivo: melhorar Évora Monte.
O trabalho deu resultado e agora, até ao início de junho, os trabalhos de Nelson Mandela estão expostos em Évora Monte. São duas séries de desenhos que, como explica Mitch, têm grande simbolismo: "Nelson Mandela começou a fazer estes desenhos com 83 anos. Depois de ter conquistado tudo. A primeira série que fez foi a "Luta" e desenhou-a em 2001."
São desenhos simples, sobre folhas brancas nas quais Mandela escolheu traçar a preto punhos cerrados, mãos algemadas e grilhões partidos que acabam por contar a história de vida do líder sul-africano. Depois de "Luta", explica Mitch, seguiu-se um período na Ilha Robben, onde esteve preso. Em 2002 fez uma série batizada com o nome da ilha.
"Aqui somos convidados a conhecer o caráter do homem. Os desenhos são cheios de cor. Não são cinzentos, sombrios, terríveis. Reflete a visão de Mandela sobre o mundo. Apesar de ter passado anos horríveis ali... As memórias que guardou da ilha Robben são dos pássaros, das cores, do mar... Foi isso que ele pintou", recorda o sul-africano.
Esta não é uma exposição de um só local. O castelo, a galeria de arte Silveirinha, o The Place (de Mitch e Vicky), a empresa de Matilde e a loja de artesanato Celeiro Comum vão ser os palcos dos desenhos de Mandela. Matilde explica que a ideia da união - presente na preparação - continua a fazer-se sentir na exposição.
"É precisamente a ideia de nos unirmos enquanto habitantes e, neste caso, comerciantes em Évora Monte e acaba por ir ao encontro da ideia de Mandela de que juntos, conseguimos fazer melhor. Lutou por isso a vida inteira e, como o próprio dizia, estava disposto a morrer por esse ideal", recorda.
Entre os parceiros desta exposição está a junta de freguesia. O presidente, António Ganhão Serrano, sente que, mesmo para os portugueses, Évora Monte é algo saído de um livro de História.
"Não associamos, mas aprendemos no liceu algo sobre a Convenção de Évora Monte. É um facto que não está muito visível", admite. Houve, no entanto, um momento recente em que a vila foi pré-finalista do concurso "Sete Maravilhas" de Portugal" e, desde aí, o interesse tem aumentado. Mas nada que se compare à loucura que chega às grandes cidades.
"É muito distante. Quase não nos apercebemos de todas as mudanças e alterações. Gostávamos muito que pudesse ser aproveitada de forma positiva e que as pessoas não ficassem só em Lisboa ou no Porto", algo que leva António Ganhão Serrano a fazer uma sugestão aos visitantes: que libertem essas cidades, visitando o interior.
Para isso, o autarca vê a exposição como uma oportunidade para colocar Évora Monte no mapa e mostrar que nem tudo acontece nos centros urbanos.
"Não é todos os dias que recebemos em Portugal uma exposição com esta qualidade e com esta dimensão internacional. É a primeira vez que ela está em Portugal e o único sítio onde esteve na Europa foi Londres. Por aí conseguimos ver a dimensão e a projeção que esta exposição poderá ter", explica o presidente da junta, admitindo que a expectativa é "enorme". Tão enorme que os locais veem esta exposição como algo que poderá projetar Évora Monte "se não a nível internacional - é pedir muito -, pelo menos a nível nacional".
Voltando a quem desencadeou todo este processo, Mitch admite ter cometido um único erro: foi não ter descoberto a vila 10 anos antes.
"Agora Évora Monte é a minha casa e estou a tentar com todas as forças aprender português. É o mais difícil. A minha mulher consegue, eu estou a lutar com os vossos verbos. São um grande desafio... Mas vou lá chegar", garante.
Só parece mesmo faltar isso. Mitch já é um evoramontense de coração.