Mais críticas a Montenegro. Ministra defende que violência doméstica é "demasiado importante para aproveitamento"
A APAV esclarece, no Fórum TSF, que "não é possível dizer com toda a clareza" que existe "um número crescente do número de pedidos de ajuda e não um número efetivo de criminalidade a acontecer"
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As críticas ao primeiro-ministro continuam a aumentar, após confessar ter dúvidas de que o aumento no número de casos que se regista nas estatísticas "signifique o aumento da criminalidade tipificada para a violência doméstica". Joana Mortágua acusa Luís Montenegro de "desvalorizar" aquilo que o PAN apelida "um flagelo que atinge todos os anos milhares de mulheres". A ministra da Juventude e Modernização desvaloriza as condenações feitas e ressalva que "este tipo de temas são demasiado importantes para este tipo de aproveitamento".
Após as declarações do chefe do Governo, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, acusou na segunda-feira o primeiro-ministro de "ligeireza" e pediu "mais respeito pelos factos". Ao líder dos socialistas junta-se agora um coro de vozes que lamentam as considerações feita por Montenegro, entre as quais está Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, e Inês Sousa Real, do PAN.
"Não é aceitável que um primeiro-ministro, que organiza operações policiais de grande escala contra imigrantes, em nome de uma perceção de segurança, que não corresponde aos números - porque não há nenhum número que associe a imigração à criminalidade -, depois vem desvalorizar uma realidade de segurança, essa, sim, confirmada pelos números, que é a violência doméstica e a violência contra as mulheres, é a maior causa de insegurança no país", defende Joana Mortágua, no Fórum TSF.
Já Inês Sousa Real admite que Portugal se vê confrontando com um "flagelo que atinge todos os anos milhares de mulheres". Fala ainda em "casos bem reais" e não "apenas um aumento de denúncias, como referiu o primeiro-ministro".
A porta-voz do PAN destaca, por isso, um conjunto de medidas defendidas pelo partido, no Orçamento do Estado para 2025, entre as quais estão a proposta de alargamento da Porta 65 a vítimas de violência doméstica, bem como a aprovação de um guia de boas práticas para acompanhar, não só para vítimas de violência doméstica, mas também de assédio ou de outros crimes de cariz sexual.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) esclarece que não tem dados concretos que comprovem que está a aumentar o crime de violência contra as mulheres, mas garante que há cada vez mais mulheres a pedir ajuda.
"Os dados que apresentamos no dia de ontem [segunda-feira] e relativamente aos anos de 2022 e 2023, mostram-nos um crescendo do número de pedidos de ajuda para mulheres vítimas de violência. Estes dados não são apenas relativos à violência doméstica, mas a todas as formas de violência contra mulheres", explica Carla Ferreira, da direção da APAV.
Acrescenta ainda que quer "acreditar que se trata de um crescendo do número de pedidos de ajuda, mais do que até um crescimento das situações violentas". "No entanto, não é possível fazermos esta ligação e dizermos isto com toda a clareza que, de facto, apenas temos um número crescente do número de pedidos de ajuda e não um número efetivo de criminalidade a acontecer", insiste.
Ouvida também no Fórum TSF, a ministra da Juventude e Modernização sai em defesa de Luís Montenegro afirmando que "este tipo de temas são demasiado importantes para este tipo de aproveitamento".
"Aquilo que o senhor primeiro-ministro disse é que tem havido - e bem -, uma desocultação do fenómeno, ou seja, uma maior sensibilização do tema deste crime, que é vergonhoso, ao longo dos últimos anos, e tem levado a que exista o aumento das denúncias", esclarece.
Margarida Balseiro Lopes considera, por isso, que o secretário-geral do PS criticou "uma evidência", sublinhando que Pedro Nuno Santos foi "ministro de Governos que nem sequer para a teleassistência garantiram financiamento".
Com este mote, garante que "o ano de 2025 vai trazer o maior investimento de sempre na prevenção e combate à violência doméstica: 26 milhões de euros, com ações de formação com investimento nas nossas forças de segurança".
Lembra igualmente que na segunda-feira foi anunciado a abertura de dois novos gabinetes de apoio às vítimas, no Porto e no Seixal, reconhecendo ser necessário "dotar também os profissionais dos instrumentos necessários".
"Desde 2019 que está para ser feita a revisão da ficha de avaliação de risco. Para que as pessoas saibam do que é que eu estou a falar: quando uma mulher se dirige, por exemplo, a uma esquadra para denunciar uma situação, é preenchida uma ficha para avaliar o risco da vítima. A ficha está para ser revista desde 2019. Finalmente, em 2024, nós vamos terminar o processo de revisão desta ficha", destaca.
Já Elza Pais, deputada do PS, enumera as propostas que o partido já tem no Parlamento e espera que sejam aprovadas.
"O PS apresentou um projeto à AR, que espero que venha a ser discutido brevemente, que tem, sobretudo, três vetores essenciais: por um lado, um acesso rápido e gratuito à Justiça, através de uma atribuição de patrono automática e gratuita; por outro lado, um rendimento de autonomia que achamos que as vítimas devem ter, independentemente da sua situação de recurso; e depois, nos casos de homicídio conjugal, percebemos que as vítimas pedem ajuda e não têm ajudas", diz, completando que é preciso "apurar responsabilidades".
Pelo Chega, a deputada Cristina Rodrigues acredita que o número real de casos de crimes contra as mulheres é maior do que aquilo que se pensa e pede um inquérito nacional.
"Os números de que temos conhecimento são assustadores, mas os números reais devem ser muito piores. E, por essa razão, o Chega tem proposto que se faça um inquérito nacional de vitimação para percebermos exatamente qual é a gravidade do problema em Portugal relativamente à violência contra as mulheres", defende.
Cristina Rodrigues vinca igualmente a importância da formação dos órgãos de polícia criminal para esta questão, reconhecendo o seu "trabalho assinalável neste âmbito".
O PCP argumenta a urgência de "intervir na prevenção, desde logo interrompendo, o mais cedo possível, contextos onde germina e se adensa a violência doméstica - seja física, seja psicológica -, dando oportunidade a que as mulheres tenham projetos de vida".
"A maioria das mulheres e muitas delas que estão determinadas a corromper com essas situações não o podem fazer, porque o salário não comporta o pagamento de uma renda de casa, nem assegura a subsistência dos filhos", critica Fernanda Mateus.
Também o Livre se assume "preocupado" com este problema, destacando um conjunto de propostas "para alterar este quadro".
"O Governo atribui 26 milhões de euros, o que é manifestamente insuficiente, e o Livre propõe 60 milhões. Mas o Livre também propõe-me, neste Orçamento do Estado, a proteção jurídica de vítimas, independentemente dos seus recursos financeiros e na anterior legislatura propusemos o subsídio de desemprego para as vítimas de violência doméstica", assinala.
A mesma nota é feita pela IL, que aponta o contributo do partido para o combate à violência contra as mulheres: "Apresentamos três [propostas] na legislatura passada e uma delas conseguimos, felizmente, aprovar e atualmente já se encontra fazer a diferença na vida destas vítimas, que se refere à suspensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio, quando haja um caso julgado pelo crime de violência doméstica."
Patrícia Gilvaz lamenta, contudo, que duas outras medidas, "essenciais para o combate e para a sensibilização deste crime", tenham sido chumbadas pela maioria absoluta do PS, mas também pelo PSD.
"Eu refiro-me, por exemplo, à consagração expressa do crime da exposição de menores a violência doméstica - nesta legislatura iremos continuar a lutar por esta autonomização -, mas queria também referir-me à nossa proposta que assegura a nomeação de patrono às vítimas especialmente vulneráveis", explica.
