Mais de 60% das vagas para novos médicos de família ficaram desertas: este é o reflexo da "inabilidade" do Ministério da Saúde
Em declarações à TSF, o bastonário da Ordem dos Médicos justifica estes valores com a "falta de vontade e habilidade política para estruturar os concursos públicos". E garante que não são consequência da "falta de médicos especialistas": "A responsabilidade é totalmente do Ministério da Saúde"
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O Sindicato Independente dos Médicos adianta que mais de 60% das 582 vagas para a colocação de novos médicos de família ficaram por preencher. Ouvidos pela TSF, a Ordem dos Médicos e a Federação Nacional dos Médicos falam numa "decisão política" do Ministério da Saúde, que reflete a "falta de habilidade" de Ana Paula Martins para estruturar os concursos públicos.
Em comunicado, o sindicato avança que, no recente concurso para a colocação dos especialistas de medicina geral e familiar que terminaram a sua formação, foram abertas 582 vagas e, dos 411 candidatos, “apenas 219 optaram por escolher uma vaga”.
“Mais de 60% das vagas ficaram desertas – um reflexo claro de um sistema que falha aos profissionais e aos utentes”, lamenta o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), para quem este “cenário não é novo” e constitui um “sinal de alarme que não pode continuar a ser ignorado”.
Em declarações à TSF, o bastonário da Ordem dos Médicos justifica esta realidade com a "falta de vontade e habilidade política para estruturar os concursos públicos". Carlos Cortes lamenta que a situação se tenha tornado tão "crítica", numa altura em que há "cada vez há mais médicos de família a formarem-se como médicos especialistas". Denuncia, por isso, a "inabilidade" do Ministério da Saúde e da Administração Central do Sistema de Saúde, que tem empurrado estes profissionais a optarem por vagas no "setor privado" ou até pela via da "emigração", e atribui responsabilidades.
Aqui a responsabilidade não é da falta de médicos especialistas. A responsabilidade é totalmente do Ministério da Saúde.
Critica a não abertura na totalidade das vagas carenciadas a nível nacional e alerta que, no último concurso, 300 utentes ficaram sem médico de família. A Ordem dos Médicos defende igualmente a implementação de concursos de mobilidade regulares, que permitam aos médicos ajustar os seus percursos às necessidades do sistema, e abertura de todas as vagas em medicina geral e familiar nas zonas onde faltam médicos da especialidade.
A presidente da Fnam é igualmente crítica da atuação do ministério tutelado por Ana Paula Martins, vincando que das vagas disponíveis para médicos especialistas em medicina geral familiar foram abertas "apenas metade", num contexto "muito pouco atrativo". Ouvida pela TSF, Joana Bordalo e Sá afirma que esta foi uma "decisão política". "E é um erro que deve ser corrigido para os posteriores concursos", atira, defendendo também a implementação de concursos de mobilidade regulares — que "há muito que não abrem" —, "para que as pessoas também se possam mover de acordo com a sua vontade, de uma zona para a outra".
Aos olhos da líder da Fnam, a situação é "extremamente crítica" e lembra que os 1,6 milhões de utentes sem médicos de família e os bebés nascidos em ambulâncias devido às "dezenas de urgências" encerradas são "motivo de preocupação extrema".
Obviamente que a primeira medida deve ser negociar e fazer com que haja melhores condições para os médicos estarem no Serviço Nacional de Saúde.
Já segundo o SIM, o facto de estas vagas terem ficado desertas deve-se ainda aos atrasos nos concursos e à ausência de transparência e previsibilidade no processo, embora reconhecendo “melhorias substanciais” neste concurso comparando com o anterior. Além disso, o índice de desempenho da equipa está desajustado, refere o sindicato, uma vez que continua a atribuir um “peso excessivo” a métricas associadas à prescrição de medicamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica, em detrimento de outras dimensões clínicas. O SIM propõe uma revisão desta ponderação, defendendo que deve ser diminuída a favor de indicadores baseados no acesso dos utentes, continuidade de cuidados e resposta às doenças crónicas.
O sindicato considera também que os médicos de família estão sujeitos a uma “carga burocrática excessiva”, que os desvia da sua função principal, além de o sistema de avaliação do desempenho estar por implementar de “forma coerente e justa, bloqueando progressões” na carreira.
Perante isso, a estrutura sindical defende, entre outras medidas, a abertura “real e transparente” de todas as vagas necessárias em medicina geral e familiar, com concursos regulares e planeamento plurianual, assim como a “reorganização urgente” da mobilidade no SNS, com celeridade, previsibilidade e justiça nos processos.
Os últimos dados disponíveis no portal da transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) indicam que o número de utentes sem médico de família tem aumentado ao longo deste ano, passando dos 1.564.203 em janeiro para os 1.633.701 em abril, ou seja, mais cerca de 70 mil pessoas.
