Mais de metade dos municípios portugueses ainda não têm Plano Municipal de Ação Climática
Um ano após a data-limite imposta pela Lei de Bases do Clima, 158 municípios do país estão sem planos municipais de ação climática. Mapa de Ação Climática Municipal revela progressos, mas também atrasos e disparidades regionais, com as regiões a sul de Lisboa (Alentejo e Algarve) e Madeira em maior incumprimento
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A 3.ª edição do Mapa de Ação Climática Municipal, que avalia a resposta dos municípios portugueses face à emergência climática, revela que, apesar de avanços significativos em algumas frentes, apenas 150 dos 308 municípios têm um Plano Municipal de Ação Climática (PMAC) em vigor ou em consulta pública – o que representa "menos de metade do território nacional", em termos de número de concelhos.
Apesar da Lei de Bases do Clima de 2021 ter obrigado à realização dos Planos Regionais de Ação Climática (PRAC) e existirem orientações metodológicas desde 2022, a verdade é que, "até ao momento, nenhuma região cumpriu esta obrigação legal".
A data-limite imposta pela Lei de Bases do Clima expirou em fevereiro de 2024 e, um ano depois, "o incumprimento é a norma, não a exceção". A nova edição do Mapa revela que, "apesar de algum progresso, a resposta municipal continua muito aquém do exigido pela legislação e pela urgência climática", segundo os dados do estudo elaborado pela Get2C, uma empresa especializada em alterações climáticas, sustentabilidade, carbono e energia.
Em declarações à TSF, Jorge Cristino, um dos autores e especialista em Direito do Ambiente e Cooperação para o Desenvolvimento, afirma que "esta é realmente a nota de maior preocupação".
"Há outras notas numa análise mais fina sobre os dados que recolhemos, alguns do ponto de vista qualitativo, outros, como é óbvio, também do ponto de vista quantitativo. Diria que estamos num momento em que podemos ver o copo meio-cheio ou meio vazio e depende muito da perspetiva. Se olharmos para aquilo que é a emergência climática do ponto de vista dos objetivos das reduções das emissões, da necessidade de aumentar a captura das emissões para conseguirmos atingir os compromissos que assumimos da neutralidade carbónica, agora antecipada para 2045, estamos efetivamente num caminho que numa análise global nacional é positivo, mas que depois vamos precisar que os municípios contribuam mais para esta redução, para que possa ser atingida essa meta", explica.
Cristino entende mesmo que "esse trabalho tem de ser feito o quanto antes". Além disso, "há outras análises relativamente ao facto do ponto de vista da adaptação", diz, reconhecendo que o trabalho está a ser feito "com dados da adaptação às alterações climáticas com quase dez anos e que, por isso, com o sexto relatório do IPCC, estaríamos agora em condições de iniciar um processo daquilo que poderiam ser estratégias aos planos de adaptação de segunda geração, com novos modelos e novos dados, em que os riscos de alguma forma se tornaram mais severos, existe um maior impacto, uma maior vulnerabilidade e percebermos se as ações que foram implementadas nos últimos anos resultam efetivamente numa mitigação deste impacto das alterações climáticas ou se é preciso fazer um maior esforço para não estarmos sujeitos a realmente catástrofes que nos podem, de alguma forma, trazer muitos prejuízos, quer económicos, quer de vidas humanas".
O número de municípios que assumiram compromissos com os objetivos de neutralidade carbónica subiu para 97, representando 31,5%, dos quais 47 com estratégias ou roteiros específicos para a alcançar – um crescimento impulsionado pela aprovação recente de vários PMACs.
Desde a 1ª edição em 2022, o Mapa de Ação Climática Municipal tem permitido acompanhar a evolução do compromisso dos municípios com a neutralidade carbónica. Nessa altura, apenas 11% tinham assumido esse objetivo, número que triplicou desde então, apesar do longo caminho a percorrer que o Mapa também revela. Para Cristino, "há municípios que não só lideram esta ambição e esta ação climática do ponto de vista de políticas públicas e do ponto de vista do planeamento, como também existem municípios que, ainda que não liderem, foram, de alguma forma, implementando muitas destas medidas". Na verdade, cerca de metade dos municípios "foram fazendo o caminho da transição ao longo destes dois últimos anos. Mas, mais uma vez, aquilo que realmente acaba por nos preocupar é o facto de existir um conjunto de outros municípios que não fez essa evolução e que não implementou nenhum dos requisitos". Aqueles que são mais atrasados do ponto de vista de políticas públicas para a ação climática "continuam na mesma sem preencher os requisitos" e aqueles que, de alguma forma, fizeram o caminho e "preenchiam dois e três requisitos, neste momento preenchem quatro e os cinco requisitos, enquanto que os outros ficaram para trás".
Energia e adaptação na liderança das respostas municipais
Um dado positivo prende-se com a estratégica energética: 177 municípios contam com um plano neste setor, quando no ano anterior eram menos de sessenta. Já no que diz respeito à adaptação às alterações climáticas, o cenário é mais robusto: "todos os municípios portugueses estão cobertos por uma estratégia municipal ou intermunicipal, ainda que muitos sejam de 1.ª geração, com quase 10 anos de existência", que se revelam, frequentemente, desatualizadas "face a novas projeções relativas aos impactos e danos causados por um clima em mudança".
Destas 177 estratégias, 53 dizem respeito a "documentos desenvolvidos especificamente para o setor da energia (ao abrigo do da participação dos municípios no Pacto de Autarcas para a Energia e Clima ou por iniciativa do próprio município), enquanto os restantes 124 municípios contam com estratégias para o setor inseridas nos Planos Municipais de Ação Climática e/ou Estratégias ou Roteiros para a Neutralidade Carbónica adotados pelo executivo municipal".
Mas os avanços na mitigação de emissões são ainda muito desiguais. A nova edição do Mapa de Ação Climática inclui também um mapa de intensidade carbónica, que "revela fortes discrepâncias territoriais, com os municípios do litoral – especialmente nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto – a registarem os níveis mais elevados de emissões por km², em energia e transportes". Após a análise às regiões NUTS II, verifica-se que a região de Grande Lisboa (89%) e Península de Setúbal (78%) são as duas regiões onde se verifica o maior número de municípios com Estratégias de Energia, seguidas da região Centro (68%), Norte (64%) e Região Autónoma da Madeira (55%). É ainda importante realçar que as restantes regiões detêm uma taxa de implementação abaixo dos 50%, com os valores mais reduzidos a encontrarem-se na região do Alentejo (40%) e Algarve (44%). Portanto, menos trabalho feito, nesta matéria, nas regiões mais a sul no continente português. O especialista ouvido pela TSF admite que este cenário "preocupa porque aumenta a desigualdade entre os municípios, aumenta um fosso entre aqueles municípios que não têm capacidade para realizar um conjunto de ações e de investimentos para combater as alterações climáticas e aqueles que realmente acabam por ser o exemplo e acabam por liderar todo este processo. As principais razões que apontamos para que existam estas diferenças entre municípios, principalmente do interior e de baixa densidade e os municípios de maior densidade, é pelo facto de terem menos recursos técnicos e financeiros, de não terem a capacidade de poder implementar um conjunto de exigências que a legislação vai fazendo ao longo do tempo e por isso também é preciso que, de alguma forma, sejam mais apoiados e que, de alguma maneira, sejam mais ajudados para implementar este conjunto de exigências".
Os responsáveis pelo relatório afirmam que há municípios que, através das comunidades intermunicipais, vão desenvolvendo alguns desses planos municipais de ação climática e outras estratégias nas quais, de alguma maneira, "prevêem um conjunto de ações e investimentos locais, mas nunca é a mesma forma de um plano municipal propriamente dedicado e especificado para o concelho, tendo em conta que há ações que são totalmente diferentes para o município A e B. O mesmo evento extremo, a mesma catástrofe, tem impactos completamente diferentes, ainda que estas alterações climáticas, como sabemos, não reconheçam fronteiras, mas, consoante aquilo que é a especificidade de cada território, têm impactos completamente diferentes num município vizinho e, por isso, também obriga a que as ações e os investimentos que são feitos, quer para a adaptação, quer para a mitigação e para a redução das emissões também tenha que ser especificado e personalizado, digamos assim, a cada um dos municípios". Na verdade, há três regiões que se "destacam pela negativa, estamos a falar do Alentejo, Algarve e Madeira, que realmente acabam por ainda estar aquém daquilo que são os objetivos e o cumprimento das metas para cumprir com a Lei de Bases do Clima".
Ferramentas digitais ao serviço da ação climática
Este estudo, com várias entradas e indicadores, baseia-se em informação pública e em respostas dos próprios municípios, além dos dados recolhidos através do projeto Compromissos Municipais para a Ação Climática (compromissosmunicipais.pt), iniciativa da Get2C em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Esta plataforma permite aos municípios "calcular automaticamente, e de forma gratuita, a sua pegada de carbono nos setores da energia e transportes, definir metas alinhadas com os objetivos nacionais e monitorizar compromissos assumidos".
“Embora esta nova edição do Mapa evidencie progressos, o facto de mais de metade dos municípios ainda não terem um PMAC em 2024 é motivo de preocupação” sublinha Jorge Cristino, partner da Get2C. “A transição climática está em curso, mas a passos lentos e desiguais. É urgente acelerar”.
Para além de cumprir metas climáticas, a ação municipal tem impacto direto na captação de população, empresas e financiamento. O planeamento climático "é, cada vez mais, um fator de competitividade e resiliência territorial", concluem os responsáveis pelo mapa da ação climática municipal e que prestam apoio a entidades públicas e privadas de vários setores na avaliação e definição de estratégias, planos e projetos de mitigação e adaptação às alterações climáticas. No caso dos compromissos para a neutralidade carbónica, a análise às regiões NUTS II destaca a região de Grande Lisboa (56%) e Península de Setúbal (56%) como "as duas regiões onde mais de metade dos municípios assumiram um compromisso de neutralidade carbónica. No extremo oposto, a Região Autónoma da Madeira (9%) e as regiões do Alentejo (11%) e do Algarve (13%) apresentaram as menores percentagens, com uma taxa de implementação abaixo dos 15%".
Recomendações para arrepiar caminho
Entendem os autores que devem ser desenvolvidos esforços para "estratégias e ações de adaptação de 2ª geração, a fim de acomodar modelos mais atuais e realizar novas avaliações de risco, no que respeita à exposição, vulnerabilidade e impacto. Em segundo lugar, torna-se crucial decompor o aumento generalizado no cumprimento dos principais requisitos existentes na componente de mitigação de emissões de gases com efeito de estufa".
Jorge Cristino recomenda que, ao nível de uma "sintonia mais fina municipal e regional, consigamos fazer esta monitorização e perceber onde existem os pontos negros do ponto de vista das emissões para poder combater e articular com aquilo que é o roteiro nacional da naturalidade carbónica e articular com os compromissos internacionais. E esta é uma vertente que é fundamental. A segunda é conseguir conciliar e fazer com que os municípios, de alguma maneira, apliquem aquilo que está previsto nestes planos municipais da ação climática".
O especialista afirma que no que diz respeito "ao ordenamento, aos transportes públicos, à energia, ao alavancamento de investimento privado para a transição energética, todos os setores, seja também no ponto de vista da prevenção de incêndios florestais, do aumento das remoções e da captura de gases de efeito estufa, tudo isso faz parte de um plano ao nível concelhio e regional", como também faz que ao nível nacional deva existir "uma governança multinível e uma articulação entre tudo aquilo que são os planos e as ações em concreto e os investimentos que por aí são previstos".
Apesar da evolução positiva e progressiva na componente de mitigação de emissões de gases com efeito de estufa, os autores assinalam "um gap evidente entre as obrigações legais de implementação de um Plano Municipal de Ação Climática e o número de PMACs efetivamente implementados até ao momento". O mesmo gap é visível, por exemplo, quando a lente de análise é expandida para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que à luz da Lei de Bases do Clima deveriam também desenvolver um Plano Regional de Ação Climática até fevereiro de 2024. Em março de 2025, "ainda nenhuma das CCDRs tinha terminado o desenvolvimento deste documento". A verdade é que "o conjunto é mais do que a soma das partes: a importância dos planos regionais revela-se essencial, considerando que muitas ações e investimentos supramunicipais" acabam por ser fundamentais para a mitigação e a adaptação.
O Mapa da Ação Climática revela a importância das cidades e das regiões para a resiliência do país, bem como na forma como estas medidas “impactam diretamente a vida das pessoas, como, por exemplo, nos seguros, na qualidade do ar, na saúde das pessoas, na alimentação, na segurança, na economia, entre outras dimensões”.
No que respeita ao novo mapa de intensidade carbónica por área (km2), 117 dos 308 municípios portugueses (38%) apresentam uma intensidade carbónica residual (abaixo de 100 toneladas de CO2e/km2) face aos valores médios nacionais (aproximadamente 450 toneladas de CO2e/km2). Contudo, "60 municípios (19%) contam com uma intensidade carbónica elevada (mais do dobro da intensidade média nacional) ou muito elevada (mais do triplo) criando desafios para a descarbonização do território numa grande parte dos municípios nacionais", sustenta o relatório detalhado a que a TSF teve acesso. E se os 117 municípios com "intensidade carbónica residual encontram-se quase unicamente situados na faixa interior de Portugal", os que a têm elevada e muito elevada estão maioritariamente no litoral, "com particular presença nas Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa, e Região de Aveiro". Tais resultados demonstram, uma vez mais, "a disparidade de desafios entre os municípios situados no interior e litoral do país".
A empresa dirigida por Jorge Cristino espera "poder iniciar um acompanhamento sistemático dos Planos Regionais para a Ação Climática, também previstos na Lei de Bases do Clima, de forma a reforçar a transparência no quadro nacional de descarbonização e aumento da capacidade adaptativa face aos efeitos das alterações climáticas".