O realizador Wang Bing tem a cargo a sessão de abertura do DocLisboa deste ano com "Man in Black", um documentário sobre o amigo Wang Xilin, o compositor de 86 anos que foi perseguido e torturado pelo regime chinês durante a Revolução Cultural, e vive exilado na Alemanha. O músico vai estar na estreia no São Jorge em 19 de outubro.
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Wang Bing fez questão de rodar "Man in Black" no teatro Bouffes du Nord. O documentário que agora traz a Lisboa é o resultado de três dias de filmagens. "Escolhi este teatro porque a estrutura é muito bonita. Impressiona-me. E também porque, visto de cima, parece o túmulo de um imperador chinês", afirma aos jornalistas em videoconferência na apresentação do programa do Doclisboa.
O filme tem um título que engana. O músico Wang Xilin não aparece de preto, mas despido. À vista de todos está um homem de 86 anos com as marcas da tortura de que foi vítima durante a Revolução Cultural. Perdeu 20 por cento da audição e um dente. Esteve preso. Foi forçado a trabalhar como operário. Passou seis meses num asilo para doentes mentais. Toda uma série de acontecimentos depois de em 1964, enquanto compositor residente da Orquestra Sinfónica da Rádio Central, ter feito um discurso público a criticar as mudanças políticas contra a música ocidental.
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Durante os 60 minutos do filme, o músico vagueia pelo Bouffes du Nord, a emblemática sala parisiense, toca ao piano excertos das sinfonias que compôs, canta. A dada altura descreve a China comunista como um país de prisioneiros.
"Tive esta visão de o colocar nu frente à câmara. Discutimos muito o assunto. Ele aprovou a ideia e trabalhámos muito bem", resume o cineasta.
Realizador e compositor conhecem-se há 20 anos. E é dessa amizade que nasce "Man in Black". Um filme sobre a vida do dissidente depois de se ter exilado na Alemanha, mas também da vontade de Wang Bing de olhar para a Revolução Cultural (1966-1976).
Wang Bing assume que "é impossível dizer em qual dos dois estava mais interessado" quando decidiu fazer o filme: se em Wang Xilin se no período que fortaleceu Mao Tsé-Tung no governo e no Partido Comunista chinês.
"Primeiro que tudo estava bastante interessado em Wang Xilin enquanto personagem. Gosto bastante da sua música. Não podemos separar a música, a pessoa, e a experiência pessoal de Wang Xilin da História chinesa. Está tudo ligado à realidade política", afirmou.
Wang Bing sublinha, no entanto, que o filme não se resume aos horrores vividos no país onde nasceu: "Quando Wang Xilin estava na China teve muitos problemas com o Governo chinês, mas quando chegou à Alemanha também se deparou com um estilo de vida a que não estava habituado, e teve muitas dificuldades de adaptação. Somos amigos há muito tempo e pensei que devia fazer um filme sobre a vida dele."
Ao longo de uma carreira com mais de 20 anos, o cineasta tem-se dedicado a documentar a pobreza, a migração, e a saúde mental na China. Em maio, levou "Youth" ao Festival de Cannes, um filme que expõe as dificuldades dos trabalhadores migrantes, na maioria jovens, que trabalham na indústria têxtil no Norte do país. Em 2018, apresentou "Dead Souls", um documentário com o testemunho de sobreviventes do campo de trabalhos forçados no deserto de Gobi, em Gansu.
O realizador admite que também já teve problemas com o regime chinês, mas prefere não falar no assunto: "No ano passado tive algumas questões com o passaporte, mas no final consegui sair da China."
Questionado sobre se vai voltar a filmar na China, responde que não sabe, porque "ainda não voltou a tentar".
"É tudo desconhecido. As questões políticas e económicas a nível global e também na China estão a mudar rapidamente. Por isso não faço ideia onde e sobre o quê vou filmar no futuro", conclui.
O DocLisboa vai decorrer entre 19 e 29 de outubro e conta com 35 estreias mundiais entre 250 filmes.