Beja, PS e PSD. O parecer que podia ter evitado a polémica e levou a trocas de acusações
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A audição ao ainda presidente do conselho de administração da TAP, Manuel Beja, jogou-se em dois palcos ao mesmo tempo: na sala 6 do Parlamento, onde decorreu a audição, mas também nos corredores onde os deputados prestaram declarações aos jornalistas. Tudo por causa de um parecer de uma sociedade de advogados, conhecido durante a negociação para a saída de Alexandra Reis, que alertava para o estatuto do gestor público a que a TAP está sujeita.
O PS, pela voz do deputado Carlos Pereira, acusou a CEO da TAP de "omitir ou não falar a verdade na comissão", sobre o seu conhecimento do parecer. Paulo Moniz, do PSD, apontou a Pedro Nuno Santos, que também teve conhecimento do documento. Os dois deputados saíram da sala para prestarem declarações aos jornalistas, enquanto Manuel Beja respondia aos parlamentares.
Na defesa da honra, o ainda presidente do conselho de administração da TAP, que também foi visado pelos socialistas, garantiu aos deputados que "se tivesse consciência da aplicabilidade" do estatuto do gestor público, no contrato em causa, teria evitado a saída de Alexandra Reis.
"Não me parece que seja expectável que a leitura de um parecer com muitas páginas, apreenda toda a informação lateral que conta no parecer", disse, ilibando também os membros do Governo que tiveram acesso ao documento, como foi o caso de Pedro Nuno Santos.
Mas, afinal, o que consta no parecer "com muitas páginas" que aqueceu a audição a Manuel Beja? O parecer é da sociedade Linklaters e não foi pedido pela polémica indemnização a Alexandra Reis, mas sobre cláusulas do contrato de gestão.
O documento foi enviado ao Governo a 12 de janeiro de 2022 e, no ponto 5, aborda "o contexto intrincado e particular do Conselho de Administração da TAP SGPS e da TAP SA".
"As administrações da TAP SGPS e da TAP SA, assim como de outras empresas do universo TAP que assumem o estatuto de empresas públicas, deverão cumprir, não só o disposto no Código das Sociedades Comerciais, mas também o Regime Jurídico do Setor Público Empresarial, assim como o Estatuto do Gestor Público e outras disposições de direito público aplicáveis", lê-se no documento, consultado pela TSF.
Manuel Beja inflexível com Governo e PS
Depois das palavras de Carlos Pereira aos jornalistas, que além de ter acusado Christine Ourmières-Widener de mentir, imputou cultas ao próprio Manuel Beja, o Chega desafiou o chairman da companhia aérea a um "primeiro comentário". Manuel Beja não poupou nas palavras e partiu para a crítica aos socialistas.
"Como tem sido muito evidente ao longo deste processo, o papel do Grupo Parlamentar do PS não é o papel de escrutínio enquanto grupo parlamentar da Assembleia da República, é um papel de proteção do Governo e poderá ser a melhor forma que têm para proteger o Governo", atirou.
Manuel Beja imputou ainda aos socialistas "conclusões ilógicas" quanto ao processo, já depois de ter criticado a gestão do Governo na companhia aérea. Embora tenha começado por elogiar Pedro Nuno Santos, com uma "vontade de fazer acontecer que era desacelerada pelo imobilismo das Finanças", o chairman admitiu que, a certa altura, o Governo "perdeu o norte".
"O princípio da não interferência foi sendo progressivamente substituído pela prática do controlo", admitiu.
Quando Fernando Medina substitui João Leão na pasta das Finanças, a "relação entre os ministros com a tutela da TAP melhorou", mas o mesmo não se pode dizer dos secretários de Estado. Muito por culta da saída de Miguel Cruz como secretário de Estado do Tesouro, muito elogiado por Manuel Beja.
Os pedidos de Beja para Pedro Nuno Santos. Sem sucesso
Na opinião do ainda presidente do conselho de administração da TAP, a saída de Alexandra Reis podia ter sido evitada, até porque as divergências com a CEO "eram ultrapassáveis", na opinião de Manuel Beja. No entanto, os quatro pedidos para falar com Pedro Nuno Santos foram em vão.
"Procurei chegar à fala, por quatro ocasiões, com o ministro Pedro Nuno Santos, mas sem sucesso. À época, não era do meu conhecimento a existência dos contactos entre a presidente da comissão executiva e o acionista sobre este tema, que foram posteriormente revelados", insistiu.
Manuel Beja elogiou o trabalho de Alexandra Reis e sublinhou que a saída da gestora colocou em evidência muitos dos problemas de governança da TAP, que culminaram no "despedimento injustificado" dos dois presidentes.
"A ação da tutela política da TAP culmina na decisão injustificada das demissões dos dois presidentes que só pode ser interpretada à luz de fatores de conveniência de política partidária", rematou.
Quanto à indemnização que Alexandra Reis tem a devolver à TAP, Manuel Beja revelou que a companhia aérea pediu, a 23 de março, instruções à diretora-geral do Tesouro e Finanças para a devolução dos 500 mil euros, e aguarda resposta.
"Ainda não fui demitido"
Manuel Beja garante, por outro lado, que ainda não decidiu se vai contestar a exoneração levada a acabo pelo Governo, até porque "ainda não foi demitido" formalmente pelo acionista. Só depois de conhecer toda a informação "tomará uma decisão, em devido tempo".
"Não tenho ainda informação sobre a provável destituição por parte do acionista, não analisei a argumentação que será utilizada pelo acionista e tomarei uma decisão sobre esse tema em devido tempo, não tenho ainda uma decisão sobre esse tema tomada", disse.
Depois de Christine Ourmières-Widener e de Alexandra Reis, foi a vez de Manuel Beja ir ao Parlamento, responder aos deputados na comissão parlamentar de inquérito à TAP. O ainda presidente do Conselho de Administração (ou chairman, em inglês) assinou o acordo para a saída de Alexandra Reis da TAP, em conjunto com a CEO da TAP. A assinatura valeu-lhe o despedimento por justa causa, anunciado pelo Governo a 6 de março.
Pouco depois da decisão anunciada pelos ministros Fernando Medina e João Galamba, Manuel Beja quebrou o silêncio com uma publicação na rede social LinkedIn, onde admitiu que tentou segurar Alexandra Reis, além de insistir com os antigos governantes Pedro Nuno Santos e Hugo Santos Mendes que existia um problema de governança na TAP. Sem sucesso.
Manuel Beja foi nomeado para a TAP em junho de 2021, e entrou para o lugar de Miguel Frasquilho. Desde então, Manuel Beja deu explicações aos deputados apenas uma vez, no Parlamento, sobre o plano de reestruturação, e nunca foi ouvido sobre as últimas polémicas.
