Mário Nogueira: "O trabalho sindical faz-se nas escolas e não nas redes sociais"
A terminar uma liderança de 18 anos, o secretário-geral da FENPROF revela as estratégias usadas nas batalhas em que enfrentou 7 ministros. Na Grande Entrevista TSF-JN, Mário Nogueira recusa fazer uma contabilidade de vitórias e derrotas, e diz que o grande desafio imediato é a revisão do Estatuto da Carreira Docente.
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Quem é que, no centrão político, melhor geriu o Ministério da Educação nos seus anos de sindicalista?
Eu diria que às vezes não se distinguiu muito um de outro. As alterações entre as alternâncias do PS e do PSD e dos vários ministros, uns que tinham um estilo mais afável, outros um estilo mais duro, mas de resto eu diria que as políticas não foram muito diversas. Por exemplo, se me lembrar, em 2008 quando a gestão das escolas foi profundamente alterada, e o próprio estatuto, com a ministra Lurdes Rodrigues, depois o PSD, que esteve ali entre 2011 e 2015, não alterou. Portanto eu diria que muitas vezes o que vai de um governo para o seguinte é muito aproveitado por esse, e não há rupturas nem alterações. Onde é que se notam alterações? Por exemplo, agora na questão da contagem de tempo de serviço, quando há lutas muito fortes dos professores por um determinado objetivo, como aconteceu agora. Mas não foi porque mudou do PS para o PSD, em que o PS não quis contar e o PSD já quis, porque o próprio Partido Socialista com Pedro Nuno Santos, que era então o candidato do Partido Socialista nas últimas eleições, tinha-se comprometido, tal como o PSD, e como todos os partidos, que se chegasse ao governo contaria o tempo de serviço aos professores. Portanto, a questão aqui não teve a ver com a alteração do governo e da côr política, teve a ver sobretudo com a pressão e a força e a luta que os professores tiveram.
Portanto, o centrão tem coerência e continuidade, é isso?
Sim, o centrão é muito coerente e tem uma continuidade muito grande nas políticas, em pequenas coisas. Diria, talvez, que o Partido Socialista terá, quando é governo, um pouco mais de preocupação na defesa da escola pública, do ensino público. À direita, há um pouco uma perspectiva, uma visão um pouco mais liberalizante, é verdade! Isso às vezes depois não se reflete em relação aos profissionais e aos professores. Defende-se mais a escola pública, mas, estou a lembrar-me da ministra Lurdes Rodrigues. Nós até dizíamos, meio a brincar “é uma grande defensora da escola pública, mas é pena as escolas terem professores”. Mas do ponto de vista do que é essencial - estou a lembrar-me da municipalização - ambos têm a mesma posição em relação a isso, em relação à gestão das escolas, são uma série de aspectos que são estruturantes do sistema educativo.
Nestes 18 anos que esteve à frente da FENPROF, negociou com 7 ministros, muitos mais secretários do Estado, quem é que lhe infligiu a derrota mais pesada?
Negociámos com 6, porque, embora passassem 7, a senhora ministra Margarida Mano, esteve lá 15 dias. Dou-me bem com ela, é da minha terra - é de Coimbra - mas nunca tivemos qualquer reunião sequer, porque foram muito poucos dias. Eu não consigo dizer qual foi a derrota maior, porque também não consigo dizer qual foi a vitória maior. Eu penso que nestas coisas da atividade sindical e dos movimentos sociais, de uma forma geral, nunca há vitórias e derrotas. Há momentos em que nós conseguimos avançar no sentido dos objetivos que temos, há momentos em que não conseguimos e por vezes até recuamos, porque há recuos que nos são impostos, e há recuos que nós fazemos taticamente para podermos depois avançar um pouquinho ao lado, ou temos que esperar uma alteração de governo para conseguirmos, com a pressão que fizemos antes desse governo lá chegar, alcançar o objetivo. Se reparar, nós lutámos muito contra a divisão da carreira com a ministra Lurdes Rodrigues, mas só conseguimos a seguir, com a Isabel Alçada. Nós lutámos muito com o ministro anterior, o João Costa, e já até o Brandão Rodrigues, pela recuperação do tempo de serviço, mas só conseguimos isso já com o ministro seguinte. Nós sabemos que a luta sindical, social, das pessoas, no caso dos professores, nunca é uma luta que nós pressionamos hoje e amanhã eles vêm de bandeira branca a dizer “ok, e tal, rendo-me! Façam lá como queiram”. Isso nunca acontece. É sempre um património que se vai ali acumulando e que depois, normalmente, nas eleições que se seguem a esses momentos fortes de luta, os partidos todos se comprometem a dar resposta àquele objetivo que é a bandeira principal da luta. E nós investimos nisso e depois reunimos com os partidos, como aliás estamos agora a fazer. Procuramos que eles assumam compromissos para a legislatura seguinte, e depois, mal aquilo começa, estamos lá para cobrar. É assim que se faz, porque nós não conseguimos publicar a legislação, não é?
Então, e neste caso, qual é o compromisso que querem garantir para a próxima legislatura?
Neste momento, eu diria que, embora várias áreas sejam importantes, o compromisso dos compromissos é a valorização da profissão designadamente através da carreira docente e da sua revisão, porque a revisão da carreira docente é fundamental. Aliás, o próprio ministro atual ainda falava nisso, embora agora o programa do governo, do PSD, até refira que é só para depois de 2027. A prioridade é só para daqui a dois anos.
Mas também dizia antes que era para ser até ao fim do mandato?
Dizia. Mas também dizia que ao longo dos anos vários governos desvalorizaram muito a profissão e que essa tinha que ser uma prioridade. De tal ordem assim era que estava previsto começar essa revisão em janeiro que passou. Só que depois meteu-se ali a mobilidade por doença, em janeiro, em fevereiro. depois em março começam as questões da crise política, digamos assim, o governo cai e aquilo parou. Nós ainda não começámos, mas em dezembro houve um protocolo, no dia 27 de dezembro, para começar a rever em janeiro o estatuto. Agora o programa do PSD diz que é só em 2027. Mas essa eu acho que é a prioridade das prioridades porque o estatuto não tem só a ver com o salário. Tem a ver com o salário, tem a ver com a carreira, tem a ver com as condições de trabalho, com os horários e tudo isso. E nós sabemos que neste momento, temos um problema gravíssimo que é a falta de professores, e a falta de professores tem a ver com o envelhecimento, com as pessoas que saíram, mas tem a ver também com um afastamento e um abandono de mais de 15 mil jovens nos últimos 6 anos. E estes jovens saíram porque consideraram que a profissão estava muito desvalorizada, as condições de trabalho eram as que eram, e não é suposto que mantendo-se tudo igual, eles pensem, está tudo igual mas eu vou voltar. Se eles abandonaram, com determinadas condições, que era uma desvalorização muito grande da profissão, eles voltarão quando essa situação se alterar. E portanto esta é a prioridade se nós queremos ter professores suficientes para as escolas, porque nós até podemos ter agora muitas vagas abertas nas instituições de ensino superior. Primeiro é preciso que elas consigam abri-las, segundo é preciso haver candidatos, terceiro é preciso que havendo candidatos eles não desistam no final do curso. E em quarto lugar é que mesmo que nada disso aconteça, eles só cá estão daqui a 5 anos e nós precisamos dar a resposta não hoje nem amanhã, mas ontem. Portanto, no dia 1 de setembro, tem que ter havido qualquer coisa que conseguisse, pelo menos, recuperar muitos daqueles que saíram. E aqui, as medidas que o Governo tem feito são medidas que nós sabemos que fazem cócegas ao problema. Podem a 14 ou 15 mil aposentados que saíram nos últimos 15 anos para que voltem à profissão. Voltaram 55! Quer dizer, são medidas que não estão a resolver o problema. Nalguns casos estão a disfarçar, porque estão a ser contratadas pessoas que nem qualificação científica têm, o que é gravíssimo, porque também cria aqui uma desigualdade para os alunos que têm essas aulas e depois parece que não faltam tantos como os que faltam, mas na verdade faltam. E este é um problema gravíssimo e recuperar quem já existe tem que ser prioridade.
Mas já fez uma estimativa do impacto que será a adiar o início destas negociações para 2027, em termos de alunos a ficar sem aulas e em termos de perdas de professores.
Se nós fizermos essas contas, vai ser tremendo. No ano de 2013, no ponto de vista da aposentação, e já não vamos falar aqui da desistência de professores que abandonam a profissão, 2013 foi um ano excepcional de aposentação, porque se alterou o regime de aposentação e as pessoas sabiam que saindo até 31 de dezembro de 2013 perdiam menos, mesmo antecipando a aposentação, do que saírem com a aposentação completa em 2014. Mas tirando essa excepcionalidade, que aliás só teve um número elevadíssimo de aposentações em novembro e dezembro, porque o ano foi um ano normalíssimo, o ano que passou foi o que bateu de longe o número de aposentados neste século. E até agora o número de aposentações que nós temos já em 2025 ultrapassa o de 2024. Portanto, é suposto, o ano passado ficámos a 19 aposentados dos 4 mil, este ano vamos passar aos 4 mil. E o que se prevê é que para o ano ultrapasse o deste ano.
Sempre em déficit?
Sempre a aumentar.
Com mais aposentações que entradas?
Nós estamos em 2025. Se em 2025, em 2026 e em 2027 saíssem nem que fosse só 4 mil por ano - provavelmente serão mais, mas nem que fosse 4 mil por ano - estamos a falar de 12 mil professores. E estes 12 mil professores, de forma alguma, são compensados pelos que chegam, porque os que estão agora a chegar ao sistema nem sequer são os que estão a entrar nos cursos, são os que entraram há 5 anos. E há 5 anos não chegavam a mil. E, portanto, recuperar quem existe, quem é formado, quem tem habilitação profissional e, sobretudo, garantir habilitação profissional, portanto pedagógica, a muitos professores que têm habilitação própria e que não têm a profissional, mas querem ser professores. Há quem esteja a dar aulas sem habilitação profissional e não quer ser professor. Aproveita, há falta de pessoas, vai dar ali umas aulas e ganha uns dinheiros. Mas há muitos que querem e que, se lhes permitirem a profissionalização, eles vão ficar. E é fundamental apostar aí e apostar na recuperação dos que existem. Essa é a resposta imediata e passa pela valorização da profissão.
E o Governo devia criar uma solução específica para os que têm habilitação própria e estão a dar aulas há 2, 3 anos, porque, neste momento, a solução é fazerem um estágio com uma bolsa. Deveria ser outro tipo de solução para cativar, para ter? Que tipo de solução?
Aquilo que já existiu. Nós já tivemos no passado foi que quem fazia estágio eram professores estagiários e essa foi uma das grandes discussões no âmbito do diploma da formação de professores. A nossa perspectiva era que esses fossem considerados já professores estagiários, com um contrato de trabalho, com turmas a seu cargo, porque muitos, como disse a Alexandra, já têm muitos anos de serviço e, portanto, poderiam perfeitamente acompanhar-se com um professor do quadro, que fosse o seu orientador onde ele trabalhasse, na escola que trabalhasse e com alguém ainda da instituição de formação, mas um professor estagiário com um contrato de trabalho, com suas turmas e a fazer a profissionalização. Não foi essa a opção, a opção foi criar uma bolsa, uma bolsa de 360 euros por mês, dar-lhe algumas turmas, mas, de forma alguma, essa é uma situação que dá resposta não só àquilo que até já era justo que acontecesse - e aqui estamos a falar de profissionalização de jovens, de jovens que estão ainda nos cursos - porque aqueles que entraram, por exemplo, este ano na vinculação com habilitação própria e que têm nomeação provisória, bom, esses já estão com nomeação provisória, já são professores. Há 4 anos para eles fazerem a profissionalização, sou pena da nomeação provisória não se transformar em definitiva, se nos 4 anos que vêm não fizerem a profissionalização, agora, falando dos jovens, porque já foi assim, aliás acabou, cá está, mais uma vez, quando era Ministra a doutora Lurdes Rodrigues, precisamente por ter acabado com a situação de professor estagiário, para quem estava a fazer o estágio na altura, e estamos a falar ainda em estudantes, que tinham acabado de ser estudantes, é o que são os estagiários, ter acabado com isso e ficarem só estudantes estagiários foi uma forma de poupar dinheiro. Piorou, agravou, reduziu a qualidade da formação, nomeadamente a formação pedagógica, mas também reduziu a despesa, infelizmente este é um dos problemas, muitas as medidas são tomadas a educação, têm muito menos a ver com a educação e muito mais a ver com as finanças, e esse é um problema que, aliás, se olharmos para o que têm sido os valores do financiamento da educação ao longo dos anos, às vezes parece-nos muito. Há dias estava a fazer contas dos 18 anos que cá estive, em 2007, para 2024, que este ano não sabemos, a educação aumentou 1.000 milhões de euros, e 1.000 milhões, nós dizemos, 1.000 milhões é muito dinheiro, bom, mas 1.000 milhões foi passado, dos 6.000 milhões para os 7.000 milhões, ora, são 16%, 16 e qualquer coisa, nestes anos, nestes 17 anos, a inflação em Portugal ultrapassou os 32, ou seja, foi mais do dobro, por isso é que nós deixámos de ter um valor, as verbas para a educação deixaram de representar cerca de 3,5% do PIB, e passaram a representar em 2024, 2,45%. Tem havido de facto um desinvestimento, e depois, quer se queira quer não, os problemas não se resolvem só com o dinheiro, mas se não houver financiamento, depois não há recursos e não há outras condições que são necessárias para as escolas darem as respostas que têm que dar.
Quando estava a falar das vitórias, das derrotas, e que não consegue fazer essa contabilidade, mas pode...
Não considero que haja vitórias e derrotas, há avanços, há recuos, há momentos melhores e piores...
Mas eu quero ir à tática: como é que se ganha uma batalha sindical? É com mais teimosia ou com diplomacia?
Como se consegue ganhar uma batalha sindical é, sobretudo, com o envolvimento dos professores. Às vezes há colegas até que nos dizem que nós vamos às reuniões...
Mas é na rua?
Não é na rua, é nas escolas. A rua é já um culminar, a rua é um culminar, é o trabalho do dia-a-dia. Ninguém pensa que consegue mobilizar os professores e ganhar uma batalha a mandar para as redes sociais, ou pelos mails, ou pelos facebooks, ou por isso não. Pode ajudar, mas às vezes até cria ruído, porque não é correto, não é rigoroso a forma como se refere, não é? É nas escolas, e esse tem sido o nosso segredo. Por exemplo, nós agora aprovámos uma proposta global de revisão do Estatuto da Carreira Docente. Nós fizemos 380 reuniões com mais de 6 mil professores, algumas delas grandes plenários com centenas, e que são sobretudo para esclarecer, para informar, passamos um powerpoint, o pessoal vai vendo e tal. Mas aquelas reuniões nas escolas, com 10, com 15, com 20, com 40 professores, são fundamentais, porque é aí que os colegas se soltam mais. No grande plenário...
Ficam mais envolvidos?
Ficam mais envolvidos, porque no grande plenário, nós puxamos e falamos e dizemos o que é que está em causa, é claro! Mas, muitas vezes, as pessoas não vão lá falar do pequeno problema, do seu problema, porque têm vergonha. Às vezes vêm falar e é no fim - ah, estava ali aquela malta toda, eu não me sentia à vontade - mas nas pequenas reuniões de 20, 30 numa escola, onde cada um já conhece os que estão lá, que são os seus colegas de escola, essas são fundamentais para nós termos, digamos, a elencagem das questões. E este é o trabalho fundamental. Tudo ajuda, mas não se pense que é estar sentado lá na sede do sindicato com o computador à frente a mandar bocas nas redes sociais... isso não leva a lado nenhum. Depois, pode ajudar, mas o que sobretudo resolve os problemas é (o trabalho) nas escolas. Muitas vezes, até um esclarecimento, pedido por e-mails de colegas que nos enviam, que é mesmo uma questão de má informação, portanto não estavam informados e nós vamos às escolas, as pessoas põem as suas dúvidas, nós esclarecemos, nós discutimos, nós falamos, fazemos pequenas ações, às vezes, que não é a grande ação dos 100 mil, é a ação que vemos aflitos para serem 100, quanto mais 100 mil, pequenas ações, chamamos a comunicação social, às vezes, quando é para que as coisas passem melhor, arranjamos ali uma forma , uma encenação diferente, sei lá, um acampamento. Um acampamento, a única coisa que exige é sacrifício dos colegas que ficam de noite em janeiro, extremamente frio, porque de resto, mas é algo diferente e, portanto, são estas coisas que vão chamando a atenção dos colegas para alguma coisa se está a passar e depois temos que ir lá dizer.
São estas reuniões?
São, aí é que está. Depois, nas reuniões do Ministério, depende se o Ministério sabe sabe ou percebe que as pessoas não estão atentas, não estão mobilizadas, eles nem querem saber do que nós dizemos. Eu lembro, por exemplo, o Ministro João Costa, a certa altura até chegou a pôr em causa a possibilidade de realizar reuniões se tivesse à porta os professores com palavras de ordem. Porquê? Porque era a pressão que se fazia sentir ali sobre ele. Ele sabia que estava ali a comunicação social toda e depois apanhava as pessoas e tal.
Mudaram até a sala, não foi?
Mudaram até a sala por causa do som. Portanto, ali, isso conta. Não é o jeito ou a falta dele. Não! É a pressão. E depois, claro, é (preciso) que os dirigentes sindicais estudem os problemas, dominem os assuntos, tenham propostas, porque se nós só formos fazer uma barulheira contra aquilo que o Ministério tem, mas não tivermos uma alternativa... Se não tivermos uma proposta, e uma proposta que seja alternativa, mas exequível. Não é só lá chegar e dizer aquilo que nós sabemos, por exemplo, nós quando falámos - e quem nos acompanhou sabe isso - da recuperação do tempo de serviço sempre tivemos consciência de que isso tinha o peso orçamental, por isso, nós desde a primeira hora que dissemos sempre, nós estamos abertos, disponíveis, somos até favoráveis a que seja de uma forma faseada, não é, queremos para amanhã, isso não é possível, portanto, nós temos que ter, e por isso temos que estudar, e isso às vezes há muito trabalho, tira-nos tempo que era da nossa vida, mas é mesmo assim.
Está a mandar uma indireta ao STOP?
Eu não estou a dar indiretas a ninguém, não estou a dizer isto, não estou, não, estou a dizer é que não basta fazer o barulho de rua, a rua é importante, uma greve é importante, é preciso saber fazê-la no momento em que se faz, se o Ministério, como aconteceu no final do ano de 22, suspende as negociações para o ano de 23, nós não vamos armados ali em Dom Quixote fazer as greves quando não há negociação, porque também não vamos fazer greves por fazer, quer dizer, há que gerir as coisas, e quando são greves prolongadas, no caso de 23, nós como não queremos que a greve tenha algum impacto, mas que tenha o menos possível nos alunos - nós, por exemplo, quando fizemos 18 dias de greve, fizemos por distritos, porque só dava um dia em cada escola, não dava mais que isso, não íamos fazer 18 dias, nem uma semana, não é? - porque às vezes há quem nos diga “epá, isto ia lá, era com uma greve de uma semana, ou de um mês”, e é o que eu costumo dizer, uma greve do dia, de um dia, com 90% de adesão, é mais forte do que uma greve de um mês com 5%, porque não serve para nada, não serve para nada, porque o que é preciso numa luta que o poder perceba, é que as pessoas que estão neste caso conosco, com os sindicatos, estão conosco, não é que há ali um grupito que tem uma posição, pronto, e eu acho que aí é, depois na negociação, é também saber apanhar as fragilidades do outro lado, as contradições do outro lado, as dificuldades do outro lado, que o outro lado está muito bem munido, porque enquanto nós, como eu costumo dizer, somos nós que há a unha, temos que ler, temos que ir trabalhar, temos que ir pensar, temos que ir reunir, temos que ir construir, temos que ir às escolas, eles, quando lá chegam, tem os assessores que já lhes fizeram a papa toda, e eles às vezes é só a conversa mais da política, e quando a gente entra nos aspectos técnicos, até vemos as caras de alguns que se percebe que nem sabem bem do que é que se está a falar, porque pronto, os assessores, é também por isso que eles servem, mas nós não temos nada disso, nós, é à unha que fazemos e que trabalhamos, não é?
Já traçou linhas vermelhas por causa da revisão do Estatuto de Carreira Docente para os futuros dois secretários-gerais?
Não, eles têm que fazer o caminho. Aliás, o Estatuto de Carreira Docente já não tem conversa, porque nós já aprovámos o documento de revisão. Nós já aprovámos, com as tais quase 460 reuniões - 382, precisamente - mais de 6 mil professores e um plenário nacional que se realizou no ISCTE. Neste momento, sobre o Estatuto de Carreira Docente, nós temos uma proposta do primeiro ao último artigo, sem problema nenhum. Está construída, e a única coisa que temos é de atualizar - e isso é fácil - os valores das tabelas para 2026, porque foram feitos para 2025. Não sabíamos, na altura, que o Governo ia cair. Mas eles é que vão fazer, eu não vou deixar linha vermelha para ninguém, nem amarela, nem nada. A linha é verde para que eles andem em frente, porque, inclusivamente, nos órgãos da FENPROF, os meus camaradas que hoje são secretários-gerais adjuntos, achavam que eu saia, mas que devia continuar como presidente do Conselho Nacional, e não podia ser, porque, na verdade, houve um tempo para tudo. Houve o tempo do António Teodoro, houve o tempo do Paulo Sucena, houve um tempo em que eu fui dando a cara também, e agora é o tempo deles. Portanto, o caminho tem que ser eles, eles não têm que ter ninguém a dizer se é por ali ou é por acolá. Os objetivos sabemos quais são, os princípios e os valores não se alterarão, mas o caminho têm que ser eles a percorrê-lo, e não precisam de um paizinho para lhes dizer como é que as coisas se fazem, porque eles fazem-no muito bem.
A propósito disso, o que é que justifica serem dois (José Feliciano Costa e Francisco Gonçalves) e não um?
Podia ser um e podiam ser quatro, não é essa a questão. Nós tivemos uma experiência nos nossos sindicatos, e todos têm coordenações colegiais. Em Lisboa, no Sul, na Madeira e nos Açores, têm um coordenador. Não há secretário-geral, mas há um presidente ou um coordenador, e um vice-presidente. No caso de Lisboa até tem três vice-presidentes. E depois temos os sindicatos do Norte e do Centro, que é o caso do meu, que têm, se quiser, no caso do Norte, dois coordenadores ou presidentes, e no caso do Centro, três, um presidente e dois vices. Portanto, esta é uma experiência que nós já desenvolvemos com muito êxito nos nossos sindicatos, porque ajuda-nos muito, e nós, neste mandato…
Ao nível da distribuição do trabalho?
Da distribuição do trabalho, da possibilidade…
Mas não são vozes divididas?
Não, não são. Nós fomos três e funcionámos muito bem. Aliás, como se sabe – e isso foi público em 2022 - eu queria sair, era essa a minha intenção. Só que aquele congresso calha mesmo em cima de um momento em que era visível que o que era preciso era dar ali uma forcinha para conseguirmos aquilo que conseguimos, que era a contagem do tempo de serviço. E, portanto, a saída naquele momento, podia parecer que estava a fugir de um momento que era importantíssimo. E uma das condições que eu coloquei, foi “eu não continuo sozinho, porque temos que ser três”: um secretário-geral, ok, mas tem que haver dois adjuntos”. E houve dois adjuntos e funcionámos muito bem. Foram dois adjuntos, mas que ao mesmo tempo éramos já três secretários-gerais, porque, nas reuniões do secretariado da FENPROF, foram sempre à vez: eu, o Francisco e o Zé. Os temas principais, dividimos por nós, um tinha a responsabilidade A, B e C. Antes de cada reunião, sempre fizemos uma reunião os três. Aliás, a proposta de ficarem os dois, vem deles, e eu nem tinha pensado nisso antes. Aquilo funcionou tão bem, e demos tão bem, que eles propuseram-se para poder continuar, ao mesmo tempo acho que até é justo, porque é assim, eles são tão bons no desenvolvimento do trabalho e na prosseguição do trabalho, que eu acho que até era injusto que um ficasse e o outro não. Até acho isso, mas, portanto, e independentemente disso, não, mas a gente vai trabalhar aqui e tal, tal como, por exemplo, no Conselho Nacional, o Conselho Nacional da FENPROF é o órgão máximo, até pode emitir o secretariado e essas coisas todas, não é, pronto, e considerámos até o seguinte: bem, mas se aqui vão estar estes dois, por razões de continuidade do trabalho e de aprofundamento e de melhoria, há uma coisa que nós temos que fazer, o órgão máximo da FENPROF, que é que depois também a presidência desse órgão máximo é quem presida o próprio congresso, e este é que é o órgão máximo, o Conselho Nacional é o máximo de congressos, tem que ser uma professora, porque nós somos mais professoras que professores na nossa profissão, e assim é. Portanto, eu saio mais a Manuela, porque fizemos um percurso junto, e entrará a Anabela Soutaia, que é, pronto, do seu sindicato, porque também aqui estamos a falar dos três sindicatos maiores que a FENPROF tem, não é que os outros sejam, aliás, nós, a Manuela vai ser e continuará a ser a nossa representante no plano internacional, nós conseguimos elegê-la no último congresso internacional de educação, que representa 33 milhões de docentes e outro pessoal de educação no mundo inteiro, e conseguimos ser a organização mais votada nas eleições e ela pertence à executiva mundial, por uma professora, na CGTP somos representados por uma professora, a nossa tesoureira é uma professora, eu diria que, nesse aspecto do género da igualdade estamos bem servidos e queremos continuar assim, porque, realmente, há mais professoras que professores.
Os 35 anos em que foi sindicalista, a tempo inteiro, nunca teve saudades dos alunos?
Sim, muitas vezes. Fui estando muitas vezes na minha escola durante 17 anos até chegar à FENPROF, mas depois deixei de ter tempo para isso. Eu fui dirigente desportivo em Coimbra, da Académica, e aí trabalhávamos com os miúdos. E portanto, tive sempre um trabalho muito próximo com rapaziada nova, com jovens, com crianças, e em relação à escola, com a minha escola, quase em frente à minha casa. Agora, isto não dá muito para quem não é de Lisboa, não há hipótese. Porque os nossos colegas de Lisboa, do sindicato, têm todos serviço na escola, não há ninguém a tempo inteiro. Só que nós não podemos fazer isso. Nós, os de Faro, os de Coimbra, os do Porto. Porque o Ministério hoje marcou uma reunião às oito e meia da manhã, e se eu tivesse aulas, tinha que faltar, e passávamos o tempo a faltar, e isto era um prejuízo grande até para os alunos. Portanto, infelizmente, Coimbra, Porto, Faro, são longe do sítio que continua a ser Portugal, que é Lisboa. Não há grande hipótese, porque das duas uma: ou não podíamos cumprir a função de que estávamos responsabilizados, ou então passávamos o tempo a faltar. Ainda me aconteceu isso, e nem que estivesse de rastos com uma febre ou assim, eu não faltava porque nós tínhamos de faltar para o trabalho sindical, e é muito complicado.
No caso do Mário Nogueira, foi professor do 1.º ciclo...
Primeiro ciclo, sim. Depois fiz a parte da licenciatura de problemas comportamentais, ligados aos miúdos de educação especial mas ainda não havia grupos de educação especial, nem nada disso. Quando acabei o meu curso do liceu, em Tomar, no 7.º ano, o meu objectivo era ser professor, mas era mais para a área da matemática. Ir para a universidade tirar o curso de matemática e dar aulas. Só que eu acabo em 1975, quando começa o serviço cívico. E o serviço cívico, estávamos nós rapaziada de 17 anos todos já orientadinhos para sair de casa e para ir para Coimbra, outros para Lisboa, e caía-me um ano a fazer limpezas no hospital. Não é que isso fosse um problema grave, e não era o fazer limpezas. Era continuar um ano em casa. Portanto, fomos procurar o que é que dentro da nossa área, que gostaríamos de estar, o que é que havia. E havia as escolas, na altura do magistério, que tinham os cursos em que não era necessário fazer serviço cívico. Eu lembro-me que fui fazer o exame de aptidão, eram mil e cento e tal pessoas para 100 vagas, e entrámos. Depois entrei em economia, lá na universidade, em Coimbra, ainda fiz umas quantas cadeiras, só que fui colocado longe, e o problema da universidade de Coimbra era que não tinha aulas à noite. Aliás ainda não tem. Para quem trabalha, tirar um curso, há quem consiga, mas um curso com economia, com estatística, com matemática, com isso tudo é uma impossibilidade. Não é possível. E acabei por deixá-lo a meio, mas foi, e depois também nasce um miúdo pequeno, a pessoa quer estudar, e o miúdo vai tirando e rasgando as folhas, as sebentas, e depois já não dá para continuar.
Uma das críticas que sempre lhe fizeram, é que se afastou, durante muito tempo da sala de aula, e isso retirou-lhe a percepção dos problemas efetivos que os professores têm, neste momento sente-se mais sindicalista, ou ainda é um professor?
Eu se não fosse professor não era sindicalista. Eu acho que é uma crítica injusta, por uma razão simples. Porque eu só estou com a função que estou, porque os meus colegas me escolheram para estar. Ou seja, não fui eu que decidi ficar, não fui eu que disse ”eu não quero ir e vou aqui ficar”. Por várias vezes quis ir, e os colegas disseram: “não, tu deves ficar, e portanto tens que ficar”. Mesmo agora, que, enfim, já está fora de hipótese, não vou ficar, nem imaginam a quantidade de pessoas que me apanham, até que eu nem conheço no supermercado, e de mails que a gente recebe, a dizer: “ Pá, ó Mário, não.. e tal, aguenta... ainda podes... não vai... não sei o quê.... Portanto, nós temos dois processos eleitorais, sempre no meu sindicato, no meu sindicato, de três em três anos, com voto universal nas escolas, trezentas e tal mesas de voto, onde as pessoas em voto secreto vão lá e votam na urna, e o congresso da FENPROF, com 662 delegados que vamos ter agora, dos quais 505 eleitos pelos colegas, pelos pessoas, nem faz ideia quem são, foram eleitos nas escolas, e que nos votam, na última eleição que tivemos, que até parecia alguns políticos nos partidos deles, mas tivemos 97% dos votos favoráveis. Acho que se os colegas achassem que eu me tinha afastado dos seus problemas, me tinha afastado da defesa daquilo que é essencial para a escola e tudo isso, já tinham corrido comigo, porque podiam fazer-lo. E o que eu sinto é exatamente o contrário, mesmo quando chega às escolas, e eu costumo dizer que a sede de um sindicalista nunca pode ser aquele lugar lá onde estão os serviços administrativos. A sede de um sindicalista, o seu território, tem que ser a escola, e eu passo o tempo em escolas, em plenários, em reuniões, a minha vida é mais essa do que outra coisa. E depois as reuniões do Ministério, e o tempo para preparar trabalho para as reuniões do Ministério, eu retiro em casa à noite, ao fim de semana e tudo isso, e quando chega às escolas, é colegas que são dos outros sindicatos, que não são sindicalizados, e os nossos sócios, eu sinto mesmo que os colegas reconhecem muito o trabalho e reconhecem que estamos a par. Agora é evidente: há quem não goste de nós. Eu ainda não tinha chegado ao sindicalismo há um dia, e havia pessoas que achavam que já era tempo demais, mas isso dito por alguns que eu cá sei, eram elogios, ainda hoje o são.
Mas consegue fazer aquele exercício que o professor pede ao aluno às vezes, que é o exercício da autoavaliação?
Sim, sempre.
Consegue autoavaliar-se melhor como professor ou como sindicalista?
Eu conseguiria fazê-lo, sim. Agora, é evidente que o sindicalismo foi uma opção minha. Foi uma opção, não foi ninguém que me obrigou, não foi ninguém que me mandou para lá, não foi ninguém que… Não! Ser sindicalista foi uma opção, e talvez uma opção de um jovem que viveu uma fase deste país, o 25 de Abril, numa idade muito boa que foi com 16 anos. Talvez tivesse tido uma primeira escola em casa, porque antes do 25 de Abril, o meu pai já era um velho militante da CDE, da oposição. Já tínhamos ali vizinhos que tinham sido presos, um pai de colegas meus do liceu que estava em Caxias. Nós tínhamos uma aprendizagem, e eu já era da associação de estudantes do liceu, e portanto já havia alguma coisa…
Já havia uma valorização da luta.
Da luta e de defender valores que eram os valores democráticos. Tivemos um reitor - eram sempre terríveis os reitores - em Tomar, que só tenho a dizer bem. Quando nós, na associação de estudantes, organizávamos a feira do livro, a única coisa que ele pedia era que não virássemos os livros de grande contestação para o lado da rua, e que puséssemos a música baixa. De resto, podíamos fazer como quiséssemos. Dá-se o 25 de Abril, eu continuo na Associação de Estudantes. Com aquela idade, que ainda não se tem a responsabilidade de construir a sociedade democrática, mas também não se tem aquela idade de fazer só bonequinhos com um tropa e uma espingarda. 16 anos é uma idade muito boa para se viver esses momentos, e acho que isso deixou aqui um vírus que nunca mais saiu. Portanto, a associação de estudantes, o sindicato, e achei que era ali que também tinha que estar. Para mim, isso foi uma coisa absolutamente normal, e quando faço a opção de vida de ser sindicalista, ou de me assumir como sindicalista, faço-a porque tive esta consciência de que das duas, uma: ou estava lá em Coimbra e não podia ser um sindicalista que desse de corpo e alma e entrega, que é assim que eu gosto de estar nas coisas, ao trabalho que fazia, ou então tinha que fazer esta opção de estar no sindicato o tempo inteiro. Costumo explicar e acho que é importante, que não foi uma opção dos sindicalistas, foi uma opção do ministro. Penso que foi o João Deus Pinheiro. Os sindicalistas sejam professores, jornalistas, sejam o que forem, têm direito a 4 dias por mês de falta. É claro que há profissões que nós podemos faltar hoje, e amanhã repomos, ou trabalhamos mais no dia seguinte. Mas nas aulas não é possível, e 10 meses de aulas, 4 dias por mês, são 40 dias de aulas que os miúdos perdiam. Então propuseram-nos o seguinte: que criássemos um regime que permitisse que por cada grupo de 5 – em que 4 dias de cada eram 20 dias no total - houvesse 4 que prescindiam dos seus dias e um que acumulava os dias. Nós, inicialmente, até fomos contra porque achávamos que era retirar um direito aos outros 4. Mas a justificação era que, assim, estes 4 já não faltavam, o 5.º já não ia dar aulas, mas era substituído e também não faltava. Pronto, e acabámos por compreender isso, porque também a nós nos custava faltar. Ou seja, é algo que vem do Governo e nem vem de nenhuma exigência dos sindicatos. Até aí, isso não se podia fazer, e se alguém ficasse a tempo inteiro, o sindicato tinha que pagar os dias todos e não era uma questão de acumulação de tempos, foi uma forma de nós não estarmos a faltar. Na verdade, nós quando estamos a discutir com governos com tantas assessorias, eles são profissionais, e nós somos uns amadorzecos que vamos para o sindicato porque sentimos que há alguma coisa que não está bem, que é injusta, e estamos lá para tentar combater, e depois acabamos de ter que fazer tudo e mais alguma coisa, e isso não se faz com dias de aulas.
Então, e nessas negociações todas, tem algum arrependimento, ou algum acordo que hoje pense que deveria ter assinado e não assinou?
Nós assinámos acordos quando eram para assinar. Assinámos acordos quando acabámos com a divisão da carreira. Assinámos acordos críticos, e não assinámos acordos que, mesmo estando de acordo com boa parte das coisas, não podíamos assinar estando em desacordo. Às vezes nós chegávamos, e aquela parte que era a parte positiva, até podia aplicar a mim ou ao colega que estava ao meu lado, ou ao outro, mas não se aplicava a todos. Por exemplo, com a questão do tempo de serviço. Nós dissemo-lo, e repetimo-lo, e dizemos hoje: foi um importante ganho dos professores e só foi possível porque se lutou muito por isso. A maioria das pessoas estava beneficiada, mas logo ali à cabeça, houve 25 mil professores que ficaram excluídos, todos aqueles que já não tiveram tempo de recuperar, ou os que se aposentaram com prejuízos graves no cálculo da sua pensão de aposentação porque perderam o tempo como os outros e não o recuperam como os outros. E depois, outros aspectos mais técnicos, lá pelo meio, que não foram ali resolvidos. Nós temos dito isso aos governos. Eu acho que eles perdem oportunidades. Nós dizemos “É pá, vocês querem um acordo porque o acordo é para a política” porque um governo tanto pode, com acordo ou sem acordo, publicar o decreto-lei, nós é que não. Porquê é que eles querem então o acordo? Nós já lhes dissemos para em vez de pôr “acordo”, ponham uma “ata final da negociação”, e nós dizemos logo à cabeça em relação a este processo e a esta solução final, que a FENPROF concorda com isto, com isto, com isto, mas com aquele e com o outro aspecto, ficaram aquem e são insuficientes ou não se resolveram, e portanto ainda temos que continuar. Porque, se nós assinássemos, por exemplo, o acordo do tempo de serviço, ficando problemas por resolver, nós não tínhamos legitimidade para mais tarde exigir resolver o problema tendo nós assinado o acordo. Quando não se resolve tudo, nós temos que deixar em aberto a possibilidade de continuarmos a fazer alguma coisa para resolver esses problemas.
Voltando aqui às eleições e aos programas eleitorais, o da AD prevê flexibilização, já prevê aliás, das cargas leitivas obrigatórias nos vários níveis de escolaridade. O que eu lhe pergunto é se tem que esta seja a solução para se acabar com o número de alunos sem aulas?
O problema às vezes é que, em vez de se acabar ou em vez de se combater a medida que deve ser combatida, encontra-se maneira de dar a volta ao problema. Muitas vezes é uma volta que é dada de uma forma menos qualificada. Eu recordo-me que este problema da falta de professores era perfeitamente previsível nos anos 2010, 12, 13. Porquê? Porque havia um envelhecimento da profissão e toda a gente percebia que dali a uns anos havia um conjunto largo de professores, ainda que se fosse aumentando os requisitos para a aposentação havia um momento em que a aposentação havia de chegar, não é? Quando comecei a trabalhar, a minha expectativa era aposentar-me aos 55 anos. Quando chego aos 55, aquilo foi sempre andando, andando, e atrasou-se mais 10 ou 11 anos. Mas já era previsível que as pessoas tinham que sair, não é? E nada foi feito. Pelo contrário, foram tomadas medidas ao nível da carga curricular, ao nível do aumento da carga letiva dos professores, o fim do parque pedagógico na EVT. Foram tomadas medidas, porque na educação é sempre possível disfarçar um problema como este da falta de professores. Reduzir cargas letivas ou aumentar cargas letivas nos docentes, isso é sempre possível. Mas isso não é a forma de o fazer porque não é qualificado. Se começam a tomar medidas dessas para resolver a falta de professores, e essas medidas desqualificam a própria escola e o ensino, isso vai ter consequências nas aprendizagens dos alunos. E se a extrema direita algum dia tomasse o poder... Eu, só de ver o Trump a acabar com a Secretaria da Educação, ou o Milei a acabar com o Ministério da Educação, eu faço ideia o que é que esses bacocos aí da extrema direita portuguesa fariam se algum dia chegassem ao poder.
Tanto o PS como a ADE pretendem mexer no modelo de colocação dos professores, não é uma intenção nova ou recente sequer. O recrutamento direto pelas escolas pode ou não melhorar os desequilíbrios regionais que causam muitas dificuldades nas substituições?
Não tem nada a ver. Nós também achamos que o modelo de concurso dos professores carece de melhorias, não é essa a questão. O problema aqui é que há falta de professores. Nós podemos ter o melhor regime de colocação de professores, uma coisa imbatível, e que não merece uma crítica, mas se não houver professores como é que se faz? Uma colocação direta pelas escolas até criaria dificuldades acrescidas em algumas. Eu estou a ver o que é que, por exemplo, em concelhos em que os municípios com dinheiro conseguissem criar uns incentivos especiais para os docentes, conseguissem criar habitação para os docentes, conseguissem dar condições que outros não conseguiam, esses não iam ter problema nenhum. E os outros, até os poucos qualificados que lá têm, deixavam de os ter. Isto acontece na Suécia. Na Suécia, não há um sistema educativo extremamente municipalizado, nós temos municípios onde não há problema nenhum e temos outros que ficaram desgraçadamente sem professores. E depois, há um outro problema que as pessoas também se esquecem.Uma coisa é um ensino com um colégio. Um colégio tem um patrão, tem um dono, e ele tem todo o direito, ninguém tem nada a ver com isso, ele escolhe quem quer. Nós quando falamos nas escolas públicas estamos a falar em emprego público, e o acesso a emprego público. Isso não é só para as escolas, é válido para tudo. O acesso a emprego público é obrigatoriamente feito por concurso, e este concurso tem que ter critérios, porque todo o cidadão que tenha os requisitos para aceder a esse emprego público, tem que ter o direito de concorrer e o direito de ter um regime transparente que possa perceber se ficou de fora, porque não era ele que devia ficar, ou se foi ele o escolhido. A escolha pelas escolas, e nós tivemos o exemplo das BCES, das Bolsas de Contratação de Escola, toda a gente sabe o que aconteceu em montes de sítios: acabaram nos tribunais, acabaram com a anulação de colocações. É um sistema que pode propiciar isso, e, portanto, nós continuamos a achar que o concurso nacional por graduação profissional não é perfeito, eu digo-lhe isso de caras, mas é de todos, o menos imperfeito, porque apesar de tudo vai dando resposta. O problema da falta de professores não tem a ver com se quem seleciona é o A, o B ou o C, tem a ver com não haver, porque se houvesse professores em número suficiente, quando havia, os concursos eram nacionais e não faltavam professores. Agora, o problema é este, e se nós municipalizamos ou se nós tornamos a contratação só a nível de escola, pode ter a certeza, eu tenho a certeza que há escolas que melhorarão e outras que piorarão. Aliás, não é por acaso que eles foram sempre tendo essas propostas. O João Costa teve, estes tiveram, e tiveram que deixar cair, porque a realidade impõe-se sobre essa ficção de alguns ministros.
Quero terminar perguntando-lhe se acha que o professor está a ganhar ou se está a perder a batalha pela credibilidade profissional, até em função do contexto social que vivemos?
Às vezes diz-se assim: antes do 25 de Abril, o padre, o professor e o médico tinham um estatuto, e depois a partir daí... Eu acho que há razões, algumas menos positivas e outras mais positivas, de algum decréscimo desse prestígio, e um deles é a democratização da educação. A democratização da educação fez com que a escola passasse a ser para todos, coisa que não era antes do 25 de Abril. A democratização da educação levou a que hoje, toda a gente tenha um nível de escolaridade que não tinha antes do 25 de Abril. Antes do 25 de Abril, nessas aldeias, em muitas terras, havia um nível elevadíssimo de analfabetismo e quando chegava lá alguém que sabia ler, que escrevia as cartas às pessoas e coisas dessas, era uma referência. E o padre também. Hoje não, pois com a democratização, hoje um grande número ou a maior parte das pessoas já tem um nível de escolaridade mais elevado, muitas ao nível ou até superior aos próprios profissionais. Toda a gente tem na família, um filho, um sobrinho, ou toda a gente conhece o professor. Há uma democratização da profissão e essa, eu diria, é a parte boa. Na parte menos boa tem a ver também e sobretudo, com campanhas absolutamente condenáveis que se fizeram neste país. Eu não me esqueço, por exemplo, do governo de Sócrates, com campanhas em que houve a necessidade, ou se quis reduzir muito, despesas na educação, de desvalorização da educação, com aquelas frases que ficaram aí inesquecíveis, como “perdi os professores mas ganhei na opinião pública”, ou “os professores têm muitas férias e ganham muito e não fazem nenhum”. O Sócrates gostava muito de dizer esse tipo de coisas e, como é evidente, uma mentira passada muitas vezes, por vezes vai pegando. Eu penso que, ultimamente, apesar de tudo, tem havido um discurso contrário e de valorização, mesmo dos próprios governantes. Às vezes, os atos não correspondem bem a esse discurso, mas o discurso de grande desvalorização da profissão já não existe tanto e eu acho que, de resto, a desvalorização em si é um pouco o que acontece com os profissionais de saúde, com toda a gente, em que, enfim, às vezes também há alguns discursos facilitistas populistas que nós vamos ouvindo por aí, que estão contra tudo e todos e atacam tudo e todos, também não ajudam. Eu acho que os professores têm vindo a fazer o que é possível para serem reconhecidos como uma profissão importante. Tenho para mim que é uma profissão com futuro, acho que para poder sê-la é preciso valorizar, e não é só a carreira, não é só o salário, é também, por exemplo, a formação. Não se pode ir fazendo baixar cada vez mais a formação e as pessoas chegarem às escolas e não terem a formação adequada, quer científica, quer pedagógica, para poderem trabalhar com os alunos e ajudá-los a crescer, também do ponto de vista do seu futuro, e, portanto, acho que as coisas são como são, há fatores negativos, positivos, mas penso que, apesar de tudo, os professores continuam a ser reconhecidos. Eu, às vezes, até costumo dizer que os governantes para irem a qualquer sítio têm que levar um guarda-costas atrás. Nós, no sindicalismo, não. Muita gente me conhece. Eu vou a qualquer sítio, e evidentemente, não vem toda a gente dizer bem, alguns até fazem uma cara de quem fica enjoado. Mas nunca senti, mesmo nos momentos mais duros da luta, que houvesse uma ameaça, e, pelo contrário, também muita gente diz: “é pá, é assim mesmo”. Encontro o polícia que me manda parar o carro na autostrada e que diz “professor, é você, é pá, a gente precisava de uma FENPROF na polícia”. Eu vou ao médico, os enfermeiros “é pá, professor, então agora que vai sair, não quer vir aqui para o nosso sindicato e tal...”.
Antes de acabar, quero perguntar-lhe: se um dos seus netos lhe dissesse que gostava de ser professor, o que é que lhe diria?
Para ser.
Incentivava?
Não incentivava, nem deixava de incentivar. Acho que, em relação aos meus netos, é como com o meu filho, eles é que têm que escolher a profissão. Se quer ser professor, que seja professor, se quiser ser bailarino, que seja bailarino, se quiser ser o que for, eu estarei sempre do lado deles, como estive do lado do meu filho, e ajudo-lhe a ser o que for, porque eu acho que as pessoas devem ser aquilo que gostam, aquilo que querem, para não serem frustrados na sua vida.
Como é que convencia um jovem a ser professor?
Como é que convencia? Ainda convenço! Nós fazemos muitas reuniões com os jovens que estão nos cursos de formação de professores, e até nos convidam muitas vezes as instituições superiores, as universidades, as escolas superiores de educação, para lá ir-mos. E nós, o que costumamos dizer é assim: a profissão tem muitos aspectos que tem que melhorar, mas precisa muito de vocês, precisa muitos dos jovens, precisa de muitos professores, e sobretudo de pessoas jovens, e portanto, o que é que tem que fazer, é esse o nosso discurso, o que é que tem que fazer. Ter a melhor formação possível, vir para a profissão, identificar o que está mal. Nós até podemos ajudar e já vamos dizendo o que é, e a seguir estar disponíveis.
