Médicos, atestados e baixas: está tudo na internet, nas "3222 unidades de telemedicina"
Portugal tem mais de três mil registos oficiais, mas só 662 sites estão a oferecer consultas pela internet. A Ordem dos Médicos admite que "falta regulação"
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Uma busca rápida na internet mostra que não faltam clínicas nem consultórios virtuais, basta pagar para ser atendido online.
Há sites nacionais registados na Entidade Reguladora da Saúde, mas também há os que parecem ser más traduções de sites estrangeiros, sem qualquer registo oficial, que até vendem medicamentos e planos de saúde. Testámos uma dessas clínicas.
O site apresenta uma lista de 34 médicos - bastante jovens - e muitos, 26, sem qualquer especialidade médica, de acordo com o registo que se pode consultar na Entidade Reguladora da Saúde. Ainda assim, oferece consultas de várias especialidades.
Todos os médicos têm número atribuído que (confirmámos) corresponde ao número de cédula profissional atribuído pela Ordem dos Médicos. A julgar pela variedade de especialidades que tem disponíveis, é como uma grande clínica.
Há cardiologia, consulta do viajante, sexologia ou queda de cabelo. Há consultas urgentes, para renovar receituário ou pedir uma multiplicidade de atestados e baixas. Ou a mais cara, de 125 euros, a consulta de psicologia com relatório.
Vamos então pedir um atestado de aptidão física: o pagamento primeiro, 39 euros. Pagamos por MBWay. Depois é só clicar e marcar a consulta. Pedimos para dali a cinco minutos.
O site leva-nos a uma sala de espera virtual e promete que, em média, ninguém aguarda mais de 15 minutos. Desta vez, pelo menos, foi verdade.
Surge-nos um homem de bata branca no ecrã do telemóvel. O nome e o número estão registados na Ordem dos Médicos. Pede o número de utente no SNS, faz algumas perguntas básicas (que medicamentos toma, tem queixas, doenças crónicas, etc), acredita em tudo o que lhe dizemos sem questionar e em poucos minutos chega-nos por correio eletrónico o dito atestado. O recibo é que foi preciso pedir por e-mail. Mas também não demorou muito.
Esta é apenas uma das "3222 unidades de telemedicina" registadas na ERS, a Entidade Reguladora da Saúde. Nem todas exibem o número de registo oficial, algumas parecem apenas más traduções de sites estrangeiros. Encontramos alguns que vendem medicamentos sem autorização e outro onde se sugere que, se pagarmos a consulta, poderemos ter o famoso medicamento (caro e comparticipado pelo Estado) para a diabetes que também faz emagrecer.
Em resposta a questões da TSF, a ERS acrescenta que nem todos estes sites estão a trabalhar efetivamente. São pouco mais de 600 "as unidades de telemedicina que têm anexados médicos ou especialidades médicas". De resto, lembra que "o funcionamento de estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde que não se encontrem registados constitui contraordenação punível com coima (artigo 61.º dos Estatutos da ERS)".
Quanto à fiscalização de práticas médicas é matéria para Carlos Cortes. Ouvido pela TSF, o bastonário da Ordem dos Médicos afirma que estas consultas online surgiram em força nos tempos da pandemia e nunca mais pararam. Admite que "há falta de regulação". Por isso mesmo, a Ordem está a preparar regulamentos específicos para a telemedicina. A "grande preocupação", diz o bastonário, "é garantir que todos são quem dizem ser", o médico e o utente. Também é preciso deixar claro que determinadas "avaliações médicas têm de ser feitas presencialmente".
Carlos Cortes questiona sobretudo a emissão de atestados e baixas médicas a pacientes que o médico desconhece e a quem só vê o rosto.