Médicos de família e administradores hospitalares com dúvidas sobre direção executiva do SNS
Novo estatuto aprovado esta quinta-feira cria uma figura para coordenar a resposta assistencial das estruturas de saúde e prevê a concessão de maior autonomia aos hospitais na contratação de recursos humanos.
Corpo do artigo
A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) e a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) têm dúvidas sobre a nova direção executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), criada no âmbito da aprovação final do novo estatuto do Serviço Nacional de Saúde.
O presidente da APMGF, Nuno Jacinto, explica à TSF que os médicos estão céticos quanto à criação da figura de um diretor-executivo do SNS - "uma incógnita" - e receiam que haja um afastamento das verdadeiras necessidades dos utentes.
Com a criação do novo cargo, que vai "centralizar algumas das funções que antes estavam atribuídas a outras instituições", os médicos temem que se perca a "ligação à realidade local e à atenção que tem de ser dada às especificidades de cada concelho, cada agrupamento de centros de saúde e cada centro de saúde".
TSF\audio\2022\07\noticias\08\nuno_jacinto_1_direccao_executiva_sns
A APMGF espera também que esta figura do diretor-executivo seja "alguém que dialogue, que ouça os profissionais no terreno e que ouça as suas necessidades" para permitir que o SNS seja "mais robusto, com profissionais satisfeitos e melhores cuidados prestados aos utentes".
Uma das linhas orientadoras deixadas pelo governo na apresentação, esta quinta-feira, do novo estatuto, foi a de conceder mais autonomia aos centros de saúde e hospitais, mas Nuno Jacinto confessa querer esperar para ver melhorias naquele que é um ponto "muito sensível".
TSF\audio\2022\07\noticias\08\nuno_jacinto_2_desconfianca_autonomia
"É o mesmo governo o que agora anuncia estas medidas e o que, há poucos dias, divulgou uma lei do Orçamento do Estado (OE) que indica que podemos ter médicos não especialistas e substituir médicos de família nos centros de saúde", aponta o representante dos médicos, algo que gera "enorme preocupação".
Para já, a associação vê apenas "palavras bonitas" mas pede também "investimento concreto", sendo que para já o novo estatuto deixa "muitas dúvidas" aos médicos de família: "Não consegue apagar a nossa desconfiança e indignação perante as medidas anunciadas no OE."
Administradores hospitalares apontam "incógnitas"
O presidente da APAH, Xavier Barreto, assinala que os administradores hospitalares mantêm algumas das dúvidas que manifestaram quando o documento esteve em consulta pública.
"A criação desta direção executiva e a forma como esta direção vai integrar e articular-se com as restantes estruturas do Serviço Nacional de Saúde, levanta-nos dúvidas", disse esta quinta-feira à agência Lusa Xavier Barreto.
O administrador hospitalar sublinhou que as "novas funções" que são dadas à direção executiva é essencialmente coordenar a resposta assistencial do Serviço Nacional de Saúde, comentando que soube pela Ministra da Saúde, Marta Temido, que também nomeará os dirigentes do SNS.
"Temos dúvidas sobre se faz sentido esta função de coordenação e de nomeação das pessoas estar desligada, por exemplo, da função de contratualização que à partida era a ACSS [Administração Central dos Serviços de Saúde] ou até da aprovação dos planos e orçamento que tem sido o Ministério das Finanças e ao que parece manter-se-á deste modo", sublinhou.
Apesar destas dúvidas serem, à partida, esclarecidas com o diploma que criará a direção executiva, disse, "neste momento temos estas incógnitas que nos levantam algumas reservas".
Em matéria de recursos humanos, os administradores entendem que o Estatuto do SNS "poderia ter ido mais longe", contemplando um modelo de retribuição em função do desempenho para todo o Serviço Nacional de Saúde para "valorizar mais" os profissionais.
"Não o faz, fala apenas em dedicação exclusiva, o que me parece curto, e o estatuto ignora também totalmente a carreira da administração hospitalar", que está estagnada há mais de 20 anos e que explicará também porque é que se fala tanto da necessidade de haver uma "melhor gestão" no SNS, criticou.
Quanto ao facto dos hospitais passarem a ter maior autonomia para a contratação de recursos humanos e para a implementação de incentivos, Xavier Barreto observou que a autonomia esteve sempre esteve prevista no estatuto anterior e nos próprios hospitais EPE.
Contudo, a autonomia foi limitada por diplomas legais que saíram depois, sendo por isso "bom que seja retomada agora".
"Mas ela continua a estar condicionada, quer pela aprovação do plano e orçamento, quer pelo equilíbrio financeiro que é isso que parece que vai acontecer", disse o presidente da APAH.
Avisou ainda que se o ministro das Finanças não dotar os hospitais dos orçamentos de que necessitam essa autonomia poderá estar em risco.
"O que nós esperamos é que este estatuto seja acompanhado também dos recursos financeiros que são necessários para que os hospitais cumpram a sua missão. É isso que esperamos que aconteça", rematou Xavier Barreto.