Greve inédita. Médicos do Instituto de Medicina Legal iniciam hoje paralisação
Os médicos legistas exigem a negociação da carreira médica com "equiparação plena" à dos médicos do Ministério da Saúde. Contestam ainda uma proposta do Governo para alterar o regime das perícias médico-legais.
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Uma paralisação de dois dias para reivindicar direitos mas também para se manifestarem contra as contratações realizadas diretamente pelo Ministério Público (MP). Uma proposta de lei que foi aprovada em Conselho de Ministros e que está em discussão pública até ao fim de junho.
A proposta de lei retira ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses a competência exclusiva sobre a avaliação pericial. Nair Pinto, médica legista e delegada sindical do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), considera que podem surgir questões de ética e riscos técnicos.
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"Essa lei abre as portas a que as perícias possam ser solicitadas diretamente pelo Ministério Público aos privados o que, de alguma maneira, pode vir a comprometer o facto de todos os cidadãos terema cesso a um regime de perícias médico-legais públicas, independentes e isentas", defende.
Com esta proposta de lei, empresas privadas como clínicas, hospitais, seguradoras e até gabinetes de advogados passam a poder assegurar autópsias e perícias médico-legais em casos de acidentes de viação ou até situações de violência doméstica e abuso sexual, questões demasiado graves para serem feitas com leveza, defende Nair Pinto.
"Apesar de tudo, aquilo por que nos pautamos é pela diferenciação técnico-científica e pela exigência e rigor do nosso trabalho, coisa que não podemos garantir se forem outros colegas a efetuar estas perícias", refere a médica legista.
Nair Pinto lembra que os médicos legistas fazem uma especialização de quatro anos e quase todos os colegas externos são de outras especialidades e têm formações de apenas algumas semanas. A proposta de lei, sublinha a especialista, é aumentar a capacidade de resposta às solicitações da Justiça, mas a que preço, questiona.
No entanto, este não é o único motivo da greve de dois dias. Depois de mais uma reunião cancelada com a tutela, Nair Pinto diz que é tempo de ouvir os médicos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
"Temos problemas de carreira decorrentes da separação de ministérios (da Saúde e da Justiça) que já têm décadas, temos um decreto-lei que nos regulamenta a carreira que é de 1998 e que nunca foi revogado, o que nos deixa numa indefinição entre aquilo que já foi conquistado relativamente à carreira médica para a Saúde, e que depois na medicina legal tem sempre umas aplicações que não são assim tão lineares quanto isso", enumera.
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"Perdidos" entre o Ministério da Saúde e da Justiça, os médicos legistas defendem que deveria existir uma equiparação imediata e Nair Pinto dá um exemplo concreto: "Em 2018, em agosto, foi aprovada uma lei que determina a contratação de recém-especialistas da Saúde no prazo de 30 dias após a homologação das notas de conclusão da especialidade. Para a medicina legal isso não se verificou, o que significa que os nossos especialistas muitas vezes estão anos à espera, em que estão a trabalhar como especialistas e a ganhar como internos".
Além disso, sublinha, há cada vez menos médicos a seguirem esta especialidade porque "do ponto de vista emocional é um bocadinho complicado de lidar. Implica, por exemplo, lidar diariamente com vítimas de violência doméstica, vítimas de agressões sexuais, vítimas de acidentes de viação, vítimas de acidentes de trabalho, e tudo isto acaba por ser uma especialidade que, logo à partida, não é muito apetecida pela maior parte dos colegas".
De acordo com os dados da Ordem dos Médicos, quase 70% das vagas do quadro de pessoal médico do Instituto de Medicina Legal estão por preencher. A Ordem já apelou a medidas urgentes sob o risco da especialidade se extinguir em menos de uma década.
O Ministério da Justiça (MJ), questionado pela Lusa, respondeu que "é absolutamente inegável e inatacável o atual empenho do MJ na satisfação" das legítimas reivindicações de carreira destes profissionais, indicando o processo para descongelar carreiras e sublinhando que está a negociar a inclusão da medicina legal no Acordo Coletivo de Trabalho.
O MJ recorda que iniciou "o processo de descongelamentos nas carreiras específicas do INMLCF, aprovou normas que muito beneficiam a atividade do Instituto e dos seus profissionais e encontra-se a negociar outros diplomas por iniciativa do Conselho Diretivo do INMLCF, designadamente a proposta de integração da carreira médica de medicina legal na carreira especial médica e a proposta de inclusão da medicina legal no Acordo Coletivo de Trabalho".
"Entre os anos de 2017 e 2019 entraram na carreira médica de medicina legal do INMLCF 23 assistentes de medicina legal, tendo em 2018 o Ministério da Justiça assegurado a entrada de todos os médicos recém-especialistas em medicina legal, tendo ficado inclusivamente três vagas por ocupar", lembrou o MJ, sublinhando: "De assinalar que, desde 2012, não ocorria a abertura de concursos para assistentes da carreira médica de medicina legal".
Na nota, o ministério tutelado por Francisca Van Dunem indica ainda que "foi já iniciado o processo para a promoção de 25 trabalhadores do INMLCF, nas três carreiras especiais existentes no INMLCF, dos quais 10 médicos da carreira médica de medicina legal, oito na de especialistas superiores de medicina legal e sete na carreira de técnicos-ajudantes de medicina legal".