"Melhor era impossível." Tradutor de língua gestual desesperou com Ventura e João Ferreira
André Ventura e João Ferreira protagonizaram um debate cheios de atropelos, sobreposições de vozes e de muito trabalho para o intérprete de língua gestual. Nuno Calado foi o técnico de serviço. Viu-se e desejou-se para fazer passar a mensagem.
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Quando dois políticos se interrompem, constantemente, num debate, o caos instala-se. Nuno Calado fez a tradução de língua gestual do confronto que opôs João Ferreira a André Ventura, para a corrida presidencial. Aconteceu o que ele mais temia.
"Tivemos sempre ali duas vozes literalmente uma em cima da outra e isso torna-se difícil. A língua gestual, sendo uma língua visual nós não conseguimos duplicar essa mesma voz. Portanto, ou seguimos um, ou seguimos o outro. Nestes casos, o que mais se faz é seguir uma voz e tentar simplificar ao máximo a mensagem para dar tempo para passar para a outra voz. E, de uma forma ou de outra, tentar compensar as duas mensagens que estão a chegar em simultâneo".
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Sem poder intervir, mas obrigado a traduzir, Nuno Calado teve de continuar mesmo com os candidatos a Belém a não lhe facilitarem a vida.
"O mais difícil foi a velocidade e eu ter a consciência, enquanto cidadão, de não conseguir estar a passar mais informação daquilo que eu fiz. Era impossível. Gostava muito e acho que era importante todas as pessoas terem acesso àquilo que se passa no nosso país, mas nesta situação, o mais difícil foi estarem duas pessoas a sobreporem-se e eu não conseguir dar mais".
No final, Nuno Calado, membro da Associação de Tradutores e Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, acusou o cansaço.
"A maioria das pessoas desconhece e acha que a língua gestual portuguesa, que é uma língua oficial e reconhecida, segue o nosso português. Mas não segue. Estamos a falar de duas línguas completamente distintas e opostas. Cada uma tem as suas características. E isto, para nós, este trabalho mental de pegar naquilo que estamos a ouvir em língua portuguesa e modificá-la para a língua gestual, é difícil".
Nuno Calado trabalhou no canal Parlamento, onde adquiriu uma experiência que se tem revelado valiosa nos canais generalistas. Apesar disso, antes de um debate político, o tradutor está atento a tudo o que é possível, como por exemplo o vocabulário. O próximo debate que vai traduzir é esta quinta-feira. Se pudesse fazer um apelo aos candidatos, isso sim seria fácil.
"Apelava ao bom senso de todos. Explicava-lhes que, em casa, há pessoas que necessitam de ter acesso à informação da mesma forma que todos os outros têm. Gostava que houvesse uma certa descontração na forma como falam".
Acredita que vai a tempo, Nuno Calado? Resposta: "Honestamente? Não, acho que não".