Metade das plantas endémicas de Portugal continental está ameaçada de extinção

Centaurea Exarata
Wikimedia Commons
Lista Vermelha da Flora identificou 381 espécies de plantas em risco. 53 delas só existem no país e algumas até habitam em zonas de proteção. O coordenador do projeto alerta que é preciso agir porque a biodiversidade está ameaçada
Das cerca de 110 espécies de plantas endémicas de Portugal continental, que são exclusivas daqui e que não existem em mais nenhuma parte do mundo, quase metade, 53 espécies, estão ameaçadas de extinção. Este é um dos dados mais preocupantes da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, um levantamento que nos últimos quatro anos avaliou o risco de espécies ameaçadas e cujos resultados são agora apresentados pela Sociedade Portuguesa de Botânica e pela Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação, em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
A investigação, cujo trabalho no campo decorreu entre 2016 e 2018, debruçou-se sobre um total de 630 espécies sobre as quais havia mais dúvidas e receios quanto ao seu estado de conservação. Concluiu-se que 381 espécies (60%) estão ameaçadas de extinção. Há ainda 19 espécies que foram mesmo extintas de Portugal continental nas últimas décadas.
Uma das plantas mais ameaçadas de extinção é a Linaria dos olivais, uma espécie endémica do Baixo Alentejo cujo habitat são as searas e os olivais tradicionais. Esta planta passou a estar sob uma "enorme pressão" devido ao aparecimento de culturas intensivas como o olival de regadio, explica o coordenador técnico da Lista Vermelha. André Carapeto diz mesmo que este "é um caso paradigmático" porque "existe um sítio da Rede Natura designado para proteger esta espécie mas que não a está a proteger". O biólogo adianta que outras 30 espécies estão a ser prejudicadas pelo desenvolvimento das culturas de regadio no Alentejo.
Situação semelhante acontece "no sítio Rede Natura Comporta-Galé que tem um conjunto muito alargado de espécies com estatuto de proteção, mas onde nos últimos anos se tem assistido à instalação de regadios que estão a destruir hectares e hectares do habitat dessas espécies que são protegidas por lei". Segundo o investigador, "a proteção numa área protegida não está a ser suficiente para assegurar a conservação da diversidade da flora nacional".
Ainda no Alentejo, André Carapeto mostra-se preocupado com o impacto de "estufas e regadios" que se têm instalado na costa vicentina. "As espécies das lagoas que eram uma das riquezas da flora dessa região, estão a desaparecer", diz o biólogo adiantando que "existe um padrão de declínio muito semelhante em várias espécies de plantas aquáticas" ao longo de todo o território continental.
Outra espécie ameaçada é a Centaurea Exarata, um tipo de cardo que corre o risco de ser severamente afetado por uma exploração mineira. "Ficámos a saber já neste ano de 2020 que está prevista uma área de extração para o sítio onde existe o maior núcleo populacional da espécie", revela o biólogo sublinhando que espécies como esta existem apenas "em 4 ou 5 locais do país" e por isso qualquer atividade inesperada e de maior impacto pode "fazer desaparecer metade da população".
Outras espécies subsistem em manchas de mato e pinhal junto a áreas urbanas e de grande pressão urbanística, o que as torna mais vulneráveis, particularmente no Algarve. Dado que muitos terrenos são privados, André Carapeto alerta que a sobrevivência das espécies "está dependente de se estabelecer uma relação com os proprietários" de modo a que estes fiquem sensibilizados para a proteção dos habitats.
Aqui entra também o problema da limpeza "sem critério" dos terrenos para prevenir os incêndios florestais. "Como esta limpeza tem de ser feita todos os anos, estamos a destruir o habitat e em poucos anos a tendência é que essas plantas desapareçam" dando lugar a espécies invasoras que "beneficiam destas intervenções humanas sucessivas" e aproveitam para se instalar.
De acordo com o Livro Vermelho, apenas 17% das espécies ameaçadas são legalmente protegidas e apenas 9% foram alvo de algum tipo de conservação do habitat onde se inserem. Cerca de 28% foram alvo de conservação fora dos seus locais de ocorrência, principalmente através da recolha de sementes e conservação em bancos de germoplasma. "Isto não é suficiente. Tem de haver mais medidas de conservação dos habitats. A conservação a longo prazo só é possível se o habitat para a espécie existir", pede o coordenador do projeto do Livro Vermelho.
Apesar de as equipas que andaram no terreno terem identificado as espécies ameaçadas e as que já desapareceram, o projeto trouxe também boas notícias. Foram encontradas 8 espécies de plantas que não eram conhecidas em Portugal. Algumas existem em Espanha, outras são da região mediterrânica. "É uma novidade agridoce porque destas 8 espécies, 7 estão ameaçadas", diz André Carapeto. Houve também reencontros com espécies que se supunham já estarem desaparecidas, "algumas não eram vistas desde a década de 40". Este trabalho foi conseguido "devido à persistência e saída para o campo em várias períodos do ano" por parte dos investigadores e dos cerca de 100 voluntários do projeto.
Elaborada a lista vermelha, e ainda sem saber se haverá financiamento para continuar o projeto, o coordenador pede ação política e cívica: "Isto é o diagnóstico e temos as sugestões, agora a tarefa é de todos e cabe à sociedade pressionar para que quem tem responsabilidades faça realmente conservação da natureza porque, como está, não está a ser suficiente".