Metade das plantas endémicas de Portugal continental está ameaçada de extinção
Lista Vermelha da Flora identificou 381 espécies de plantas em risco. 53 delas só existem no país e algumas até habitam em zonas de proteção. O coordenador do projeto alerta que é preciso agir porque a biodiversidade está ameaçada
Corpo do artigo
Das cerca de 110 espécies de plantas endémicas de Portugal continental, que são exclusivas daqui e que não existem em mais nenhuma parte do mundo, quase metade, 53 espécies, estão ameaçadas de extinção. Este é um dos dados mais preocupantes da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, um levantamento que nos últimos quatro anos avaliou o risco de espécies ameaçadas e cujos resultados são agora apresentados pela Sociedade Portuguesa de Botânica e pela Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação, em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
A investigação, cujo trabalho no campo decorreu entre 2016 e 2018, debruçou-se sobre um total de 630 espécies sobre as quais havia mais dúvidas e receios quanto ao seu estado de conservação. Concluiu-se que 381 espécies (60%) estão ameaçadas de extinção. Há ainda 19 espécies que foram mesmo extintas de Portugal continental nas últimas décadas.
Uma das plantas mais ameaçadas de extinção é a Linaria dos olivais, uma espécie endémica do Baixo Alentejo cujo habitat são as searas e os olivais tradicionais. Esta planta passou a estar sob uma "enorme pressão" devido ao aparecimento de culturas intensivas como o olival de regadio, explica o coordenador técnico da Lista Vermelha. André Carapeto diz mesmo que este "é um caso paradigmático" porque "existe um sítio da Rede Natura designado para proteger esta espécie mas que não a está a proteger". O biólogo adianta que outras 30 espécies estão a ser prejudicadas pelo desenvolvimento das culturas de regadio no Alentejo.
Situação semelhante acontece "no sítio Rede Natura Comporta-Galé que tem um conjunto muito alargado de espécies com estatuto de proteção, mas onde nos últimos anos se tem assistido à instalação de regadios que estão a destruir hectares e hectares do habitat dessas espécies que são protegidas por lei". Segundo o investigador, "a proteção numa área protegida não está a ser suficiente para assegurar a conservação da diversidade da flora nacional".
Ainda no Alentejo, André Carapeto mostra-se preocupado com o impacto de "estufas e regadios" que se têm instalado na costa vicentina. "As espécies das lagoas que eram uma das riquezas da flora dessa região, estão a desaparecer", diz o biólogo adiantando que "existe um padrão de declínio muito semelhante em várias espécies de plantas aquáticas" ao longo de todo o território continental.
Outra espécie ameaçada é a Centaurea Exarata, um tipo de cardo que corre o risco de ser severamente afetado por uma exploração mineira. "Ficámos a saber já neste ano de 2020 que está prevista uma área de extração para o sítio onde existe o maior núcleo populacional da espécie", revela o biólogo sublinhando que espécies como esta existem apenas "em 4 ou 5 locais do país" e por isso qualquer atividade inesperada e de maior impacto pode "fazer desaparecer metade da população".
Outras espécies subsistem em manchas de mato e pinhal junto a áreas urbanas e de grande pressão urbanística, o que as torna mais vulneráveis, particularmente no Algarve. Dado que muitos terrenos são privados, André Carapeto alerta que a sobrevivência das espécies "está dependente de se estabelecer uma relação com os proprietários" de modo a que estes fiquem sensibilizados para a proteção dos habitats.
Aqui entra também o problema da limpeza "sem critério" dos terrenos para prevenir os incêndios florestais. "Como esta limpeza tem de ser feita todos os anos, estamos a destruir o habitat e em poucos anos a tendência é que essas plantas desapareçam" dando lugar a espécies invasoras que "beneficiam destas intervenções humanas sucessivas" e aproveitam para se instalar.
De acordo com o Livro Vermelho, apenas 17% das espécies ameaçadas são legalmente protegidas e apenas 9% foram alvo de algum tipo de conservação do habitat onde se inserem. Cerca de 28% foram alvo de conservação fora dos seus locais de ocorrência, principalmente através da recolha de sementes e conservação em bancos de germoplasma. "Isto não é suficiente. Tem de haver mais medidas de conservação dos habitats. A conservação a longo prazo só é possível se o habitat para a espécie existir", pede o coordenador do projeto do Livro Vermelho.
Apesar de as equipas que andaram no terreno terem identificado as espécies ameaçadas e as que já desapareceram, o projeto trouxe também boas notícias. Foram encontradas 8 espécies de plantas que não eram conhecidas em Portugal. Algumas existem em Espanha, outras são da região mediterrânica. "É uma novidade agridoce porque destas 8 espécies, 7 estão ameaçadas", diz André Carapeto. Houve também reencontros com espécies que se supunham já estarem desaparecidas, "algumas não eram vistas desde a década de 40". Este trabalho foi conseguido "devido à persistência e saída para o campo em várias períodos do ano" por parte dos investigadores e dos cerca de 100 voluntários do projeto.
Elaborada a lista vermelha, e ainda sem saber se haverá financiamento para continuar o projeto, o coordenador pede ação política e cívica: "Isto é o diagnóstico e temos as sugestões, agora a tarefa é de todos e cabe à sociedade pressionar para que quem tem responsabilidades faça realmente conservação da natureza porque, como está, não está a ser suficiente".