Metade dos doentes indicados para paliativos no privado ou social morreu sem vaga
Há um desequilíbrio geográfico: a ausência de oferta destas unidades nas regiões Centro e Algarve é um dos problemas, sublinha a Entidade Reguladora da Saúde, acrescentando que 77% está concentrada na região de Lisboa e Vale do Tejo
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Quase metade (48%) dos doentes referenciados no ano passado para unidades de cuidados paliativos contratualizadas com o setor privado ou social morreu antes de ter vaga, conclui uma análise da Entidade Reguladora da Saúde (ERS).
O relatório da ERS, divulgado esta quarta-feira, sublinha a ausência de oferta destas unidades nas regiões Centro e Algarve e refere que 77% está concentrada na região de Lisboa e Vale do Tejo.
Conclui ainda que a taxa de camas ajustada por 1.000.000 habitantes fica "aquém do limiar recomendado pela Associação Europeia para Cuidados Paliativos", que varia entre 80 e 100, abrangendo tanto o contexto hospitalar quanto o de cuidados continuados.
Ao nível da oferta, apenas o Alentejo apresenta uma oferta de cuidados paliativos superior ao limiar mínimo recomendado.
A Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP) contempla duas tipologias de Unidades de Internamento de Cuidados Paliativos (UCP): as UCP hospitalares, que prestam cuidados paliativos a doentes com doenças graves e/ou avançadas e progressivas, que necessitam de internamento, e as UCP - RNCCI [Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados], contratualizadas com entidades do setor social ou privado e prestam cuidados em situações de complexidade baixa a moderada.
"Atendendo a que a natureza de cuidados paliativos prestados em cada uma das tipologias de UCP (UCP-RNCCI e UCP hospitalares) se distingue pela complexidade clínica, poderá subsistir um problema de acesso a cuidados paliativos para utentes com necessidade de cuidados paliativos de baixa complexidade, em particular nas regiões de saúde do Centro e do Algarve", refere a ERS.
A monitorização feita pelo regulador, que analisa dados entre 2021 e 2023, incidiu no acesso às UCP-RNCCI, "por impossibilidade de obtenção de informação completa e sistematizada relativa às restantes tipologias de cuidados integradas na RNCP", refere o documento.
Dos utentes referenciados para UCP-RNCCI em 2023, mais de um em cada três (37%) foram admitidos em unidades do SNS. Cerca de 48% dos utentes referenciados durante esse período "não foram admitidos por óbito anterior à admissão", conclui.
O tempo médio de espera para admissão dos utentes referenciados em 2022 e 2023 foi inferior a um mês: os que foram referenciados e admitidos em 2022 aguardaram, em média, 20 dias e, em 2023, esse valor subiu para 21 dias. "Os utentes que faleceram, que representam a maior proporção dos utentes referenciados, estiveram em média 12 dias a aguardar uma vaga, nos dois anos em análise", refere o regulador.
Ainda quanto ao tempo médio de espera de internamento dos utentes admitidos na UCP-RNCCI, a ERS refere que é inferior ao das tipologias da RNCCI.
"O tempo médio de internamento dos utentes admitidos em ECCI, que é a tipologia com a segunda maior proporção de utentes com necessidades de cuidados paliativos admitidos, representa mais do dobro do tempo médio de internamento dos utentes admitidos em UCP-RNCCI", acrescenta.
A ERS concluiu ainda que mais de um em cada 10 (12%) utentes referenciados e admitidos em 2023 residiam a mais de uma hora de viagem da unidade em que foram internados.
O documento nota ainda que nem todos os utentes com referenciação para UCP-RNCCI são necessariamente admitidos em unidades dessa tipologia ou noutra tipologia da RNCP, sublinhando que apenas 32% acabaram admitidos em unidades daquela tipologia.
Segundo dados da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE - SNS) relativos ao período entre 2021 e 2023, existiam 14 UCP-RNCCI, um número que não se alterou nos três anos em causa.
A RNCP é composta por um conjunto de serviços e unidades que prestam cuidados paliativos a pessoas com doenças graves e/ou avançadas e progressivas, onde quer que se encontrem, seja nos cuidados de saúde primários, hospitalares ou continuados integrados.
A admissão de utentes nas equipas da RNCP é efetuada por referenciação do profissional de saúde que assiste o doente e baseia-se em critérios de complexidade, gravidade e prioridade clínica.
"Olhar muito sério e muito urgente"
Perante estas conclusões, a presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP), Catarina Pazes, assinala à TSF que um reforço no financiamento é "indispensável" para garantir que esta rede de cuidados paliativos chega a mais pontos do país. Mas também é preciso "uma atenção muito forte para que as unidades existentes não percam a capacidade de dar uma resposta de qualidade ao nível dos profissionais que lá estão, ao nível dos recursos que têm, ao nível do acompanhamento e do apoio para que a qualidade se mantenha", sublinha ainda.
A presidente da APCP pede um "olhar muito sério e muito urgente" para a realidade destas unidades. "O investimento ao nível das unidades de cuidados paliativos dentro da Rede Nacional de Cuidados Continuados não tem sido uma realidade nos últimos anos. As unidades que existem sentem falta de apoio, monitorização e sentem falta de um ajuste àquilo que é o seu trabalho, ao nível do financiamento também, àquilo que é o nível de cuidados e a qualidade de cuidados que os doentes necessitam", explica.
A associação assinala igualmente que importa haver uma maior articulação entre os cuidados continuados e os cuidados paliativos.
Notícia atualizada às 09h57 com as declarações de Catarina Pazes
