O Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho dos Estivadores em Portugal mostra também que a grande maioria dos profissionais de estiva estão exaustos, ultrapassados apenas pelos tripulantes de cabine da Ryanair.
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Quarenta e nove por cento dos estivadores portugueses consideram ser alvo de assédio e a esmagadora maioria (80%) aponta o dedo às entidades patronais.
"É uma resposta que pretende isolar aquele trabalhador. É escolher para eles os piores turnos, tratá-los mal, colocar os seus índices de produtividade à vista de toda a gente, escalá-los na pior altura de férias, no limite colocá-los na prateleira", explica Raquel Varela, coordenadora do Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho dos Estivadores em Portugal.
Os dados surpreenderam os investigadores, que nunca tinham encontrado um índice de assédio moral tão elevado nas várias carreiras analisadas. "É, de facto, um valor muito elevado e que nós na investigação empírica conseguimos explicar. Este inquérito foi realizado numa altura em que os estivadores de Leixões e da Madeira estavam a ter perseguições sindicarias e os estivadores de Lisboa estão há mais de 16 meses com salários em atraso", explica a investigadora.
Raquel Varela considera que "o assédio moral se tornou numa forma de gestão, generalizada em muitos setores" e que contribui para outros fatores como a exaustão emocional.
80% sofrem de exaustão emocional
Os dados do inquérito mostram que mais de 80% por cento apresenta sinais preocupantes de exaustão emocional, sendo que 25% estão em exaustão emocional extrema devido a trabalho excessivo, trabalho por turnos e noturno, insegurança no emprego e assédio moral.
O estudo revela que 19,5 % dos profissionais têm sinais críticos de cansaço e 15,6% dos trabalhadores entrevistados estão em cansaço extremo, apresentando respostas máximas na maioria das questões.
"Temos um índice do chamado burnout que é um dos mais altos de todas as categorias que temos vindo a estudar, só ultrapassado pelo pessoal de cabine da Ryanair", sublinha Raquel Varela.
Estes fatores aumentam a probabilidade do aparecimento de doenças cardiovasculares, que "estão intimamente relacionadas, sem qualquer sombra de dúvida, com o trabalho por turnos e ainda é mais grave em quem trabalha por turnos incertos".
O excesso de trabalho traz também consequências para a vida pessoal, com 81% dos estivadores a afirmarem não terem tempo para a família ou para si e com 71% dos profissionais de estiva a não conseguirem descansar nas folgas.
ACT deve atuar
A coordenadora do Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho dos Estivadores em Portugal considera que as autoridades não podem ignorar os resultados deste inquérito desenvolvido entre março e junho do ano passado.
"Isto tem de ser realmente enfrentado e pensado pelo conjunto do país e sobretudo pelas instituições políticas têm de atuar. Não é possível ter dos trabalhadores a dizerem-se vítima de assédio moral e que não haja uma intervenção imediata da ACT e do próprio governo que concessionou o porto de Lisboa", afirma Raquel Varela.
Em declarações à TSF, a Inspetora-Geral da Autoridade para as Condições de Trabalho garante que a ACT está atenta ao caso dos estivadores e que "está a ser acompanhada a situação".
"A ACT tem tido uma intervenção muito significativa de acompanhamento nos portos e o assédio é umas das prioridades máximas pela gravidade da situação. Nós atuamos com base em pedidos de intervenção, denúncias e queixas. Isso não quer dizer que o estudo [Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho dos Estivadores em Portugal] não sirva como indicador para fazer uma intervenção", conclui.