Milhões, o herói improvável na I Guerra com museu a partir desta segunda-feira
Aníbal Augusto Milhais enfrentou sozinho uma ofensiva alemã e permitiu aos camaradas aliados retirarem sem baixas. A Câmara Municipal de Murça recuperou a casa onde nasceu em Valongo de Milhais. A obra é inaugurada pelo Presidente da República.
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Marcelo Rebelo de Sousa inaugura, esta segunda-feira à tarde, um museu dedicado ao soldado Milhões, em Valongo de Milhais, no concelho de Murça. A casa de Aníbal Augusto Milhais, o único soldado herói da I Guerra Mundial, foi recuperada pela Câmara Municipal de Murça.
O objetivo é que seja um espaço interativo, que permita conhecer melhor a vida do pequeno agricultor de metro e meio, que, há mais de 100 anos, combateu sozinho uma ofensiva alemã, permitindo a retirada em segurança de tropas aliadas.
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António dos Santos Milhões é o único dos nove filhos do Herói Milhões que ainda é vivo. Nasceu há cerca de 90 anos na casa que agora foi transformada em museu. Diz que "ficou tudo muito bem", mas lamenta que a obra não tenha sido feita, no mínimo, "há quatro ou cinco anos", para que "outros irmãos a pudessem ver". "Assim só a vejo eu", frisa, já que outros faleceram, entretanto.
O filho de António e neto de Aníbal, Carlos Milhões, confessa que "é um orgulho muito grande ter a casa recuperada", mas não esconde "a tristeza de ver o avô esquecido entre 1970 e 2023". Mesmo no cemitério de Valongo de Milhais, onde foi sepultado, "tinha uma campa como um cidadão normal, sem qualquer referência".
Uma casa interativa
A Câmara Municipal de Murça reabilitou a casa onde o herói nacional viveu, e transformou-o num centro de memória de todos murcenses que participaram na guerra. "O soldado Milhões simboliza todos os que são heróis, de alguma forma, na vida", salienta o vice-presidente da autarquia, António Marques. Acrescenta que o núcleo museológico será "uma casa interativa e não um museu no seu formato tradicional".
António Marques destaca ainda o "enorme potencial turístico, cultural e de atratividade para o concelho" do nome do soldado Milhões, frisando o "orgulho de que seja natural de Murça o único que o país tem".
Refira-se que a aldeia de Valongo, em Murça, passou a chamar-se Valongo de Milhais em 1924, em homenagem a Aníbal Augusto Milhais, que morreu com 75 anos em 1970.
A família de Aníbal Augusto Milhais reclamava, há muitos anos, a recuperação da casa, que cedeu ao Município de Murça. A transformação do imóvel no Núcleo Museológico Soldado Milhões custou cerca de 300 mil euros, financiados em parte pelo programa Valorizar. Como a casa estava em avançado estado de degradação, foi necessário demoli-la e voltar a construí-la, preservando os traços originais exteriores.
Lá dentro existe agora um espaço largo com fotografias, objetos (originais e réplicas) e equipamentos de multimédia que vão permitir a quem o visite "viajar" à época em que viveu o soldado Milhões.
"Tu és Milhais, mas vales milhões"
Flandres, Bélgica, 9 de abril de 1918. Quando todos retiraram, Aníbal Augusto Milhais ficou para trás. Desrespeitou a ordem de um superior, pegou numa metralhadora e enfrentou sozinho a ofensiva alemã. Nas trincheiras, movimentava-se rapidamente e disparava, dando a ilusão de que eram muitos. Depois de os repelir por três vezes, os germânicos contornaram a posição. Ficou para trás e acabou salvo, num pântano, por um oficial médico escocês.
Os atos de bravura valeram a Aníbal Augusto Milhais a mais alta condecoração militar nacional - a Ordem de Torre e Espada. "Tu és Milhais, mas vales milhões", disse-lhe o comandante Ferreira do Amaral, aquando do seu regresso à base, por ter permitido salvar todos os camaradas portugueses e escoceses que estavam naquela posição.
O agricultor analfabeto de metro e meio, que nunca tinha saído de Murça, exceto para ir para a guerra, terá dito durante as mutas vezes que contou a sua história na guerra: "Se eu tenho de morrer aqui não há de ser com uma bala nas costas".