Montenegro escreve a Costa para pedir duas demissões, colocar SIRP em causa e denunciar abuso de poder
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A carta de Luís Montenegro para António Costa tem duas páginas e dois pedidos de demissão. O primeiro, em forma de conselho ao primeiro-ministro, pela exoneração do ministro das Infraestruturas que "faltou à verdade" na comissão parlamentar de inquérito. O segundo, já antes solicitado, prende-se com a saída da secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), Graça Mira Gomes, que perdeu "a confiança" do maior partido da oposição.
Na missiva, o presidente do PSD acusa o Governo de "abuso de poder" na relação com os serviços de informações, por ter solicitado "uma intervenção" para recuperar o computador de Frederico Pinheiro. Além disso, escreve Montenegro, não foi apresentada "base legal" para a atuação das secretas.
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Luís Montenegro admite que António Costa vai "deixar tudo na mesma", mas quanto ao último pedido de demissão, existe "um facto inédito": "Quebra-se a regra política segundo a qual os dirigentes destes serviços beneficiam simultaneamente da confiança do Governo e do principal partido da oposição."
"Caso não ocorra qualquer demissão, quero que V. Exª saiba que passará a ocorrer um facto inédito em toda a democracia portuguesa: a direção do SIRP deixará de ter a confiança do maior partido da oposição. Espero que o SIRP continue a servir o Estado, mas fá-lo-á apenas com o aval e a confiança do Governo", lê-se na carta enviada por Luís Montenegro, a que a TSF teve acesso.
Pedido de demissão de Galamba
Tal como o PSD já tinha pedido, Luís Montenegro volta a desafiar António Costa a demitir João Galamba, no que é "uma questão política e ética", depois de "um comportamento que não é admissível" a um governante. Montenegro refere-se à "mentira deliberada" do ministro das Infraestruturas, na comissão parlamentar de inquérito à TAP, onde garantiu que a sugestão para chamar as secretas partiu do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes.
Não se trata de uma contradição banal. Trata-se, antes, de uma mentira deliberada
Para Montenegro, "não se trata de uma contradição banal", mas sim "de uma mentira deliberada, agravada ainda pela circunstância de ter sido assumida numa instância de inquérito parlamentar". Além disso, António Costa "corresponsabilizou-se" pelas ações do ministro quando "confrontou institucionalmente o Presidente da República".
O PSD já solicitou à comissão parlamentar de inquérito que envie a ata da audição a João Galamba para o Ministério Público, para que seja aberto um processo, e Luís Montenegro pede que a demissão ocorra "sem prejuízo da investigação que tal possa implicar em sede judicial".
Abuso de poder do Governo
Montenegro acusa o Governo socialista de "abuso de poder" na intervenção dos serviços secretos, na noite de 26 de abril, pelo pedido da chefe de gabinete de João Galamba para que o SIS recuperasse o computador levado por Frederico Pinheiro, já que não foi apresentada "base legal para fazer essa solicitação".
Houve abuso de poder na relação que o Governo teve com os Serviços de Informações
"Um roubo, foi e é essa a expressão utilizada por V. Exª, é matéria que requer intervenção policial, não intervenção de uma entidade que não dispõe dessa competência. V. Exª sabe bem que é assim. Sabe-o como primeiro-ministro e sabe-o como jurista", atira Montenegro.
O PSD rejeita "o argumento genérico de que o equipamento tinha informação sensível e classificada", lembrando que Frederico Pinheiro "não estava credenciado para esse efeito" apesar de lhe estar atribuído esse computador.
Montenegro assegura que o PSD vai propor alterações à fiscalização do SIS "para que este comportamento abusivo e irregular não se torne padrão" e para tornar o serviço "mais transparente e eficaz" sem, no entanto, adiantar quais serão as propostas do partido.
Pedido para saída da secretária-geral do SIRP
O segundo pedido de demissão na carta de Luís Montenegro, "prende-se com a necessidade de substituir a Secretária-Geral do SIRP", já solicitada pelo líder do PSD em chamada telefónica com o primeiro-ministro, dado que "este serviço nunca devia ter acedido à solicitação" do Governo para a atuação do SIS.
"Tendo feito o contrário, não podem deixar de ser tiradas as devidas consequências. E a primeira, e inevitável, é a demissão da maior responsável pelos Serviços de Informações: a Secretária-Geral do SIRP", lê-se na missiva.
Os Serviços deviam ter-se abstido de intervir
Montenegro volta a referir que a atuação das secretas "não tem cabimento, não tem sentido, nem tem base legal", pelo que os serviços "deviam ter-se abstido de intervir".
Facto "inédito" para pressionar Costa
Ora, Luís Montenegro até admite que o primeiro-ministro "pode teimar em manter tudo na mesma" e que é "até o mais provável face à promiscuidade" entre o Governo e os serviços. No entanto, nesse caso, "quebra-se a regra política segundo a qual os dirigentes destes Serviços beneficiam simultaneamente da confiança do Governo e do principal partido da oposição".
Darei conhecimento desta minha missiva ao Senhor Presidente da República
O presidente do PSD retira a confiança a Graça Mira Gomes e pressiona o primeiro-ministro "com um facto inédito em toda a democracia portuguesa" caso António Costa não tire o tapete à secretária-geral do SIRP: "A direção do SIRP deixará de ter a confiança do maior partido da oposição."
"Espero que o SIRP continue a servir o Estado, mas fá-lo-á apenas com o aval e a confiança do Governo", sintetiza.
Por último, Luís Montenegro dá conta que a carta seguirá também para o Palácio de Belém, para o conhecimento do Presidente da República.
