As chamas que corriam velozes. As temperaturas capazes de derreter o aço mais consistente. Em Midões, concelho de Tábua, apagaram-se as chamas, mas a memória dos dias horríveis, jamais se apagará.
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"Mãe, temos o fogo à porta". Os gritos da filha e os sinos que tocavam a rebate, deram a Élia Rocha a noção de urgência. As chamas de que tinha ouvido falar nas notícias nos concelhos limítrofes, tinham chegado a Tábua e entravam, à velocidade da luz, na histórica aldeia de Midões. "O sino tocava com uma aflição horrível", recorda a proprietária do restaurante A Paparoca na Adega do Vieira. A rua, de poucos metros, que serve o cemitério e o restaurante, continua negra de um lado e com casas, ainda de pé, do outro. As chamas ameaçaram atravessar a estrada e, acredita Élia Rocha, só por obra divina não o conseguiram fazer.
O que mais impressionou José Alberto Pereira foi a velocidade e a desorientação do vento."O vento levava para aqui, levava para acolá, ia sem destino", lembra o presidente da Junta de Freguesia de Midões, que do alto dos seus 67 anos, garante "nunca, na minha vida, assisti a uma coisa idêntica". José, que é autarca há 30 anos, calcorreou naqueles dias de outubro montes e vales, ruas e vielas, sempre acompanhado do restante executivo da Junta de Freguesia, a tentar ajudar quem perdeu muito ou em alguns casos, quem perdeu tudo. "Foi uma infelicidade nunca vista" , desabafa dois meses depois, sem nunca deixar cair totalmente o ânimo: "Nós nunca baixámos os braços".
Morrer à temperatura do aço
"O fogo foi um desastrado em Midões", remata José Alberto Pereira. Na verdade o autarca refere-se sobretudo à velocidade a que as chamas foram consumindo hectares, atrás de hectares. A explicação chega-nos pela voz de Pedro Bingre. Engenheiro florestal de formação, e de profissão, lembra que o vento, por estas bandas, tipicamente não correria a esta velocidade mas, avisa, "estas ventanias fortíssimas vão ser cada vez mais frequentes e temos que estar preparados para isso". A segunda parte da explicação, passa pelo material combustível que vai alimentando essas chamas. Pedro Bringre lembra que não há nada pior que "os arbustos. Eles são a grande causa dos incêndios".
Os arbustos, o vento e as elevadas temperaturas. A tempestade perfeita que desvendou um país imperfeito, incapaz de prevenir, de combater, de salvar as vidas que se perderam nos incêndios deste verão. À falta de melhor imagem, a descrição de quem viu "os metais a derreter" chega-nos para percebermos melhor porque morreu tanta gente. O engenheiro Pedro Bingre acrescenta o resto: "Muitas das vítimas destes incêndios morreram porque fugiram de carro, viram as chamas de um lado e do outro da estrada e acharam que enquanto não fossem tocadas pelas chamas, não morriam." O engano revelou-se fatal para dezenas dessas pessoas que "na verdade entravam num túnel de fogo e morreram com as altas temperaturas".
Na vila de Midões, concelho de Tábua, ninguém baixa os braços, ninguém fica para trás. As memórias dos dias negros, partilhadas nos Serões Inquietos da TSF, podem nunca se apagar. Mas a reconstrução, essa, é para ser feita e o mais rápido possível. Ou não fosse esta terra mais antiga que a própria nacionalidade.
Seis meses depois da tragédia de Pedrógão Grande e dois meses depois dos incêndios de outubro, a TSF parte para a estrada e percorre as zonas mais afetadas pelas chamas. Veja aqui todos os trabalhos desta emissão especial.