Tinha 91 anos e era considerada uma das mais importantes artistas portuguesas contemporâneas.
Corpo do artigo
A artista plástica Lourdes Castro morreu, este sábado, aos 91 anos, na ilha da Madeira, local onde nasceu a 9 de dezembro de 1930, avançou o jornal Público e confirmou a agência Lusa junto de fonte próxima da família.
A mesma fonte indicou à agência Lusa que Lourdes Castro morreu este sábado de manhã no Hospital do Funchal, onde se encontrava internada há alguns dias.
Também o Governo Regional da Madeira confirmou a morte da artista à Lusa, e o secretário Regional do Turismo e Cultura da Madeira, Eduardo Jesus, lamentou o "momento triste para a cultura regional, nacional e internacional".
"Lourdes Castro foi uma artista que marcou internacionalmente, através da sua intervenção, materializada em técnica, em obra, em mensagem, no olhar diferente sobre a realidade", salientou.
Sublinhou ainda "a forma de representar esse entendimento [artístico], que era só dela, de uma forma muito singular, que marcou várias gerações".
Lourdes Castro "deixou, acima de tudo, uma ideia que se deve reter: que o artista tem uma liberdade que não se esgota".
"Esta é a maior mensagem que a artista nos deixa através dos seus trabalhos e da sua criação. É este conceito de liberdade associado à arte, que faz parte da cultura e a alimenta. Ela soube ser um agente artístico vivo durante muitos anos, que nos deu o privilégio de estar entre nós", vincou ainda o secretário Regional.
Considerada uma das mais importantes artistas portuguesas contemporâneas, Lourdes Castro percorreu Paris, Berlim, São Paulo e foi condecorada, em 2021, pelo Ministério da Cultura português, com a Medalha de Mérito Cultural pelo "contributo incontestável" para a cultura portuguesa.
"Mais uma pétala para pôr ao pescoço", dizia a 26 de abril do ano passado, quando recebeu o título das mãos da ministra da Cultura, Graça Fonseca. Esta foi, talvez, a última aparição pública da artista.
Lourdes Castro nasceu a 9 de dezembro de 1930, no Funchal, ilha da Madeira, uma paisagem natural que deixou aos 20 anos para estudar em Lisboa, mas onde regressaria a partir de 1983 para viver em permanência, criando ali o seu refúgio.
A natureza era uma das suas grandes paixões, e com ela viveu uma estreita ligação que se projetou e entrelaçou profundamente no seu trabalho, nomeadamente na série "O grande herbário de sombras" (1972).
Lourdes Castro iniciou estudos no Colégio Alemão, mas, aos 20 anos, partiu em direção a Lisboa onde frequentou o curso de pintura da Escola Superior de Belas Artes (ESBAL), terminado em 1956.
Iniciou o seu percurso expositivo com uma coletiva ao lado de José Escada, no Centro Nacional de Cultura, em Lisboa, em 1954.
Em 1958, foi-lhe atribuída uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, o que coincidiu e ajudou o início da revista, impressa à mão, em serigrafia, "KWY" (1958-1963), de título composto por três letras que não existiam, na época, no alfabeto português.
A sua obra foi celebrada por exposições de caráter antológico como "Lourdes de Castro e Manuel Zimbro: a Luz da Sombra", no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, em 2010, e na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1992, intitulada "Além da Sombra".
Marcelo evoca "uma das mais inconfundíveis artistas portuguesas"
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já reagiu à morte da artista. "Manifesto o meu pesar pelo falecimento de Lourdes Castro, uma das mais inconfundíveis artistas portuguesas", pode ler-se numa nota publicada no site da Presidência.
"Nascida na Madeira, Lourdes Castro estudou Belas-Artes em Lisboa, casou-se com René Bertholo e viveu em Munique, Berlim e Paris. Em 1958, fundou a revista KWY, e essas três letras do alfabeto, pouco habituais em português, anunciavam todo um programa cosmopolita, desalinhado e moderno", recorda a nota de Belém.
O texto do chefe de Estado refere que, regressada à Madeira em 1983, com Manuel Zimbro, Lourdes Castro "dedicou-se a livros de artista, álbuns de família, memoriais da história e do quotidiano, coleções de lugares e de plantas, sem abandonar uma das suas marcas autorais: a dialética da luz e das sombras (concretas, sugeridas, projetadas, esfumadas, transfiguradas)".
"Figura discreta, mas muito admirada, recebeu nas últimas décadas diversos prémios (EDP, Vieira da Silva, AICA) e reconhecimentos tendo sido condecorada pelo Presidente da República em junho passado com a Ordem Militar de Sant'Iago da Espada", refere a nota, que recorda várias retrospetivas de que foi alvo.
Ferro Rodrigues manifesta o seu "sentido pesar" pela morte de um "nome incontornável da pintura portuguesa contemporânea"
Também o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, manifestou o seu "sentido pesar" pelo falecimento de Lourdes Castro.
"Nome incontornável da pintura portuguesa contemporânea, Lourdes Castro deixa uma vasta obra, marcada inicialmente pela abstração e pelo novo realismo e que conhece, no dealbar da década de 1960, o tema da sua eleição: a sombra", destaca a nota de Ferro Rodrigues.
O presidente do parlamento recorda ainda as "inúmeras exposições" em que participou ou que lhe foram dedicadas, como a retrospetiva "Além da Sombra", promovida em 1992 pela Fundação Calouste Gulbenkian, ou outra acolhida na Assembleia da República em 2018 ("Arte, Resistência e Cidadania"), no âmbito das Comemorações do 25 de Abril de 1974 e dos 40 Anos da Bienal de Cerveira, "na qual uma das suas obras assumiu lugar central no edifício-sede do Parlamento".
"Em meu nome e no da Assembleia da República, endereço à sua família e amigos as mais sinceras condolências", acrescenta o texto de Ferro Rodrigues.
Costa recorda "artista singular e surpreendente"
O primeiro-ministro, António Costa, manifestou "enorme tristeza" pela morte da artista plástica madeirense Lourdes Castro, que recordou como uma "artista singular e surpreendente".
"Artista singular e surpreendente, Lourdes Castro sempre se guiou por uma liberdade jovial e pela busca de uma arte da vida. Em 2019, inaugurámos nos jardins de São Bento um painel de azulejos figurando uma das suas sombras projetadas. A sua morte deixa uma enorme tristeza", refere o primeiro-ministro, numa mensagem na sua conta da rede social Twitter.
1479814052134141952
Ministra da Cultura lamenta morte de Lourdes Castro e recorda o seu contributo "insubstituível na história de arte"
A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou "profundamente a morte da artista Lourdes Castro (1930-2022)", recordando o seu contributo "insubstituível na história de arte", portuguesa e mundial.
A vida e obra de Lourdes Castro, "em permanente diálogo e complemento", representam, para Graça Fonseca, "um contributo incontestável para a cultura portuguesa e ocupam um espaço insubstituível na história de arte, tanto portuguesa, quanto mundial".
Graça Fonseca recorda o percurso artístico da artista, sublinhando que, manifestou "desde muito cedo aquelas que seriam as suas características mais evidentes: uma abordagem multifacetada, não conforme, inovadora, com recurso a técnicas e processos muito próprios e que mostram a sua profunda sensibilidade face à impermanência e a atenção particular com que o seu olhar artístico se relaciona com o mundo".
"Em 1957, juntamente com René Bertholo, Costa Pinheiro e outros artistas jovens partiu para Munique, tendo-se fixado, no ano seguinte, em Paris, onde participou na fundação da revista 'KWY' (1958-1963), publicação que reuniu um conjunto heterogéneo de artistas e que representou um momento fulcral para a internacionalização das artes plásticas portuguesas, com a adoção de novas técnicas e linguagens que agitaram e mudaram significativamente o panorama artístico nacional".
Graça Fonseca recorda igualmente que a obra de Lourdes Castro está "amplamente representada em grandes coleções de arte mundiais, nacionais e estrangeiras, públicas e privadas, como o Victoria and Albert Museum, de Londres, o Museu de Arte Contemporânea de Belgrado, a Coleção de Arte Contemporânea do Estado [português], a Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea e o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian".
"Lourdes Castro construiu, com as suas inconfundíveis sombras e os seus livros de artista, algumas das peças mais emblemáticas e imediatamente reconhecíveis da arte contemporânea portuguesa", reconhece a ministra da Cultura.
Paralelamente ao seu trabalho artístico, Graça Fonseca sublinha também "a relevância cultural, histórica e documental do trabalho arquivista [de Lourdes Castro], que cuida dos documentos, das obras, das fotos, da correspondência com tantos artistas, críticos, curadores, agentes da cultura mundial desde os anos 50 até hoje, e que representam um outro testemunho do seu percurso e do seu impacto".
"Esta forma de preservar a vida e o quotidiano foram também obras maiores de uma artista que nunca deixou de dar atenção ao aqui e agora", reforça a ministra, que recorda ter sido Lourdes Castro distinguida, em dezembro de 2020, "com a Medalha de Mérito Cultural, num gesto do Governo português que veio fazer justiça e dar forma pública a uma homenagem há muito devido a uma artista maior da cultura portuguesa".
"Com um perfil subtil e tímido, a obra de Lourdes Castro marcou de forma indelével a história da arte contemporânea portuguesa. Desde finais dos anos 50 e ao longo de muitas décadas, a artista perseguiu uma poética da sombra, na sua despojada dimensão estética e existencial, buscando nos seres e nos objetos que faziam parte da sua vida o auxílio necessário à tarefa infinita de reunir todas as sombras, contrastes e matizes que a inspiravam".
"Multidisciplinar e experimentalista, do 'objetualismo' reciclado à materialização diáfana da sombra, Lourdes Castro deixa-nos uma obra ímpar, com um perfil cósmico que nos acompanha e acompanhará ao longo das nossas vidas", conclui a ministra da Cultura.
* Notícia atualizada às 14h58