Tinha 74 anos.
Corpo do artigo
O historiador António Manuel Hespanha morreu hoje, aos 74 anos, em Lisboa, confirmou à agência Lusa a editora Bárbara Bulhosa, da Tinta-da-China, chancela que editou este ano a sua obra "Filhos da Terra".
A notícia da morte de António Manuel Hespanha foi avançada pelo jornal Público. De acordo com o jornal, o historiador morreu hoje à tarde, na Fundação Champalimaud, em Lisboa, na sequência de um cancro no cólon.
À TSF, o historiador Fernando Rosas destaca a obra "absolutamente incontornável" de Hespanha sobre "a história do Direito, das instituições e da época moderna" até ao século XIX.
"Era um homem de esquerda, das causas da esquerda, e deixa também esse percurso cívico e político marcado", além do que fez também enquanto professor universitário, investigador e "homem do Direito".
"Deixa-nos um grande espaço vazio, a todos os amigos, antigos alunos e investigadores", conclui.
Uma obra "absolutamente incontornável"
O historiador António Manuel Hespanha nasceu em 1945, em Coimbra, e defendeu a sua tese de doutoramento, "As Vésperas do Leviathan" (1986), sobre o sistema de poderes das monarquias tradicionais europeias.
Foi professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Recebeu os graus de Doutor Honoris Causa pelas universidades de Lucerna, na Suíça, e Federal do Paraná, no Brasil.
Foi comissário geral para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses (1997-2000), diretor-geral do Ensino superior (1974), membro do Instituto Histórico-Geográfico do Rio de Janeiro (2003) e de conselhos científicos e conselhos editoriais de diferentes instituições e publicações universitárias.
Recebeu o Prémio Universidade de Coimbra (2005) e as insígnias de Grande Oficial da Ordem de Santiago (2002).
Foi membro externo do Conselho Geral da Universidade de Coimbra e sócio correspondente da Academia Nacional de História da Argentina.
Foi também diretor-geral do Ensino Superior (1974), no início da carreira, e inspetor-geral do Ministério da Educação (1976-1986).
Autor de mais de duas dezenas de livros e de mais de centena e meia de artigos científicos, sobretudo nas áreas da História, História do Direito e Teoria do Direito, História Política e Colonial, entre as suas obras destacam-se "A Cultura Jurídica Europeia", "Teoria da Argumentação e Neo-Constitucionalismo", "Guiando a Mão Invisível - Direitos, Estado e Lei no Liberalismo Monárquico Português" e "Cartas para Duas Infantas Meninas - Portugal na Correspondência de D. Filipe I para as Suas Filhas (1581-1583)".
A livraria Almedina reeditou, no mês de junho, o livro "Pluralismo Jurídico e Direito Democrático".
No início dos anos 2000, publicou, pela Imprensa de Ciências Sociais, "Feelings of Justice in the Chinese Community of Macao", com base num inquérito junto da comunidade chinesa, em 1999, quando da transferência de poder do território.
A obra inspiraria, pouco depois, o "Inquérito aos Sentimentos de Justiça num Ambiente Urbano", que seria publicado em 2005, tendo em conta "os sentimentos sobre o justo e o injusto num ambiente urbano português".
Em "Filhos da Terra. Identidades Mestiças nos Confins da Expansão Portuguesa", que publicou no passado mês de fevereiro, António Manuel Hespanha procurou "reunir e tratar conjuntamente elementos para a análise daquilo a que se vem chamando, desde há uns anos, o 'império sombra' dos portugueses, ou seja aquele conjunto de comunidades que, fora das fronteiras formais do império, sobretudo na África e na Ásia, se consideravam como 'portugueses' -- qualquer que fosse o sentido disso".
"A história da expansão está sobrecarregada de personagens únicas e exemplares: 'descobridores', heróis, santos. O espaço deixado para os que não são isso é muito pouco. E, no entanto, estes outros são a esmagadora maioria dos que viajam, se estabelecem e vivem no ultramar a vida de todos os dias", disse então o historiador à agência Lusa.
Para António Manuel Hespanha, também "os descobertos têm pouco lugar na história que se faz e se divulga", tal como as "suas perspetivas sobre a chegada dos europeus e as consequências na vida dos locais".
"Falamos muitas vezes no impacto que as viagens dos portugueses tiveram na história do mundo, mas raramente damos a palavra ao 'mundo' para falar delas. Mesmo as vozes de outros europeus sobre a expansão portuguesa estão muito pouco presentes no que contamos acerca delas", adiantou.