O Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, em Évora, conhecido como Convento da Cartuxa, abriu portas a visitas guiadas, o que acontece pela primeira vez desde a sua reconstrução como eremitério, em 1960. Até aos dias de hoje o espaço esteve inacessível marcado pela clausura, silêncio e contemplação, como determinam os Estatutos da Ordem da Cartuxa.
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À entrada do mosteiro o letreiro ainda diz que "O Convento da Cartuxa" não se visita". Mas hoje o portão já se abre abre ao público em geral para visitas guiadas. O arquiteto e investigador, Luís Ferro, revela que o sino até tocava regularmente.
"Havia sempre muita gente que vinha procurar os monges, trocar algumas palavras, fazer pedidos e apelos. Imagino que, naturalmente, fosse para pedir proteção e orações", admite, enquanto atravessamos o pátio da lavoura, onde os trabalhos manuais tinham lugar.
Fica a saber-se que a comunidade cartusiana se dividia em dois grupos: os padres, que viviam isoladamente no interior da suas celas, saindo apenas três vezes ao dia para irem à igreja, e os irmão conversos, que tinha uma vida ativa. Do cozinheiro ao jardineiro, passando pelo porteiro.
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A primeira paragem é nos claustros pequenos, palco de festas e rituais coletivos. "É o espaço mais alegre e festivo. Mais disposto aos dias de celebração do calendário cartusiano", explica o guia. Era aqui que se definiam tarefas para os tempos mais próximos.
Passamos agora à igreja, que exibe o esplendor arquitetónico, reforçado com um imenso altar em talha dourada. Há muito tempo que não era utilizada para o culto, porque há cerca de dez anos que comunidade entrava em declínio. O mosteiro começou a esvaziar-se, perdendo alguns membros que foram levados para outros mosteiros em Espanha.
"Rapidamente esta igreja se tornou desconfortável ou quase obsoleta, porque era demasiado grande. No final já só eram quatro monges", justifica Luís Ferro, apontando a uma curiosidade no interior do templo, onde uma parede faz a separação do espaço religioso em duas alas.
Um detalhe que mostra como a liturgia era feita apenas pelos padres. "Os irmãos conversos não tinham ligação visual ao altar e não participavam nos cânticos. Ouviam apenas os padres a cantar", diz, atestando a duplicidade da vida cartusiana que se dividia entre vida contemplativa e vida ativa. Abrimos a porta aos segredos mais bem guardados do mosteiro nos últimos 60 anos. Pisamos o eremitério.
"É aqui que a chama cartusiana é posta em brasas. É aqui que os monges, no interior das suas celas conduzem a sua vida contemplativa, no caminho ascético", diz Luís Ferro. Era com base neste argumento que o padre Antão Lopes dizia que "mosteiros há muitos, cartuxas há poucas" quando apresentava o eremitério, traduzido num enorme claustro quadrado, com 78 metros de lado.
Está rodeado pelas celas onde monges viveram em constante contemplação. "O dia do monge cartusiano começa e termina no interior da sua cela, saindo apenas três vezes por dia para usar as galerias do claustro com ligação à igreja do mosteiro", explica por entre um espaço singular da arquitetura cartesiana.
No centro do jardim desponta um tanque repleto de simbolismos relevantes para interpretação do próprio edifício. Traduz "um olho do céu, pelo reflexo do céu que nos devolve a nós", justifica Luís Ferro, alertando que a " ideia ascética de trazer a imagem do céu ao centro do claustro grande sai reforçada pela presença dos oito ciprestes, que, pela sua sua fisionomia, convidam a esta ideia de elevação."
A chave mestra que abre todas as portas do convento garante o acesso ao interior de uma das celas onde os monges viveram fechados, de acordo com os votos de isolamento e silêncio. Afinal, o guia apresenta-nos uma área generosa, que combina espaço para a oração e trabalho. "Não são pequenas divisões, como as pessoas imaginam. São o objetivo de maior fascínio dos visitantes", relata.
A vista termina ainda no grande claustro onde o cemitério adota a designação de "casa da eternidade".
Ainda há visitas guiadas para os dias 5 e 19 de setembro (às 19h00 horas), cada uma com uma lotação máxima de 15 pessoas.