Movimento das Mulheres sobreviventes da violência doméstica pede que seja decretado luto nacional
Desce o início do ano, já foram quatro as mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica e o Movimento das Mulheres - Mover pelos Direitos sublinha a urgência de travar este crime. Além de apelar ao luto nacional, quer também ser ouvido no Parlamento para apresentar ideias que permitam combater este flagelo
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A notícia de mais duas mortes, uma mãe e uma filha adolescente assassinadas em Sesimbra, despertou no Movimento das Mulheres - Mover pelos Direitos uma urgência há muito sentida. Este movimento que junta mulheres que foram vítimas e se apresentam como sobreviventes de violência doméstica pede luto nacional pelas mulheres mortas. Quatro só em janeiro.
Joana Silva, uma das mulheres que faz parte deste movimento que surgiu no Instagram, conta que sentem uma grande dor, uma sensação de insegurança e, por isso, destaca a necessidade de mudanças urgentes. "Mesmo com um botão de pânico, facilmente, enquanto aperta o botão, uma mulher leva um tiro e morre", assegura Joana, que admite que estes são equipamentos que podem ajudar, mas defende que eles não protegem as mulheres. "E o que nós queremos é estar seguras."
"Não nos sentimos protegidas pelo Estado, que era quem devia proteger-nos e perpetuamos a violência institucional quando os juízes nos obrigam a contactar com o agressor, quando obrigam os nossos filhos a estar com o agressor e quando dizem que a violência foi passado, quando não é", lamenta.
É este sentimento de desproteção que leva o Movimento das Mulheres - Mover pelos Direitos a pedir para ser ouvido no Parlamento com caráter de urgência. Joana Silva sublinha que as palavras não chegam, são precisas medidas. Ainda assim, reconhece que foram importantes as palavras da ministra da Justiça, que na abertura do ano judicial perguntou: "O que temos a dizer aos filhos de Alcina Cruz?", referindo-se à primeira vítima mortal de violência doméstica do ano que foi assassinada pelo marido em frente aos filhos.
Para Joana Silva, há um esforço da ministra Rita Júdice, mas urge passar das palavras aos atos. "Na prática, nada mudou, a legislação não mudou, os crimes continuam a ter uma moldura penal muito pequena, estes homens continuam a ser presentes a juiz e a serem libertados", constata Joana.
Mas além de uma moldura penal mais pesada, o Movimento das Mulheres - Mover pelos Direitos quer que, no momento da denúncia, seja automaticamente atribuído um advogado e apoio psicológico às vítimas e que, ao longo do processo, todos (vítimas adultas, vítimas crianças e agressor/a) tenham direito a acompanhamento por um psicólogo. Joana Silva vai ainda mais longe e defende que é preciso que nos tribunais existam psicólogos que ajudem a decidir "se calhar tanto como o juiz, porque não é só de leis que estamos a falar, às vezes aqui estamos a falar de vidas e de emoções".
"As vítimas que sobrevivem, que não chegam a ser mortas, têm de ser elas a provar que foram vítimas e não eles a provar que não foram agressores", lamenta ainda Joana para dizer que é necessário formar pessoas e ter nos tribunais pessoas que entendam todos os sinais. "Se ouvimos nos tribunais 'como o vosso caso há muitos', então isto não é um, são vários casos e, se são vários casos, é fácil encontrar um padrão", acredita.
Joana Silva refere ainda que hoje em dia os agressores são "completamente funcionais", "enquadrados na sociedade" e "ninguém acredita ser possível que isto possa acontecer". Nota igualmente que para cometerem estes crimes recorrem a armas pouco convencionais e que estão à disposição de qualquer um.
"São objetos que temos dentro de casa, que são facas, tesouras de trinchar frango, são os próprios corpos arremessados contra as paredes", evidencia.
É para apresentar um conjunto de reivindicações e propostas de alteração legislativa que o Movimento das Mulheres - Mover pelos Direitos quer ir à Assembleia da República com urgência. "Só estamos em janeiro!"