Mulheres confrontadas com "perguntas proibidas" na entrevista de emprego: "Tem namorado ou noivo? Tenciona casar e ter filhos?"
À TSF, o advogado António Garcia Pereira sublinha que este tipo de questões visam "discriminar a pessoa que tenha responsabilidades familiares" e reconhece que o "astronómico custo das despesas judiciais" contribui para que "muita gente ilegalmente despedida acabe por não recorrer à justiça"
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O advogado António Garcia Pereira alerta para o facto de, aos dias de hoje, as mulheres ainda serem confrontadas, durante a entrevista de emprego, com "perguntas frontalmente proibidas pela lei": 'Tem namorado ou noivo? Tenciona casar e ter filhos?'
Em declarações à TSF, em reação à notícia de que mais de duas mil grávidas ou pessoas em licença parental foram dispensadas do trabalho, em 2024 — o segundo valor mais elevado em cinco anos —, Garcia Pereira aponta que ainda não existem "mecanismos eficazes de controlar os processos de seleção e recrutamento", pelo que os abusos começam, por vezes, muito antes de haver um contrato laboral.
"Ainda hoje chegam aos advogados relatos de entrevistas em que se pergunta a uma mulher se ela tem namorado, se tem noivo, se tenciona casar, se tenciona ter filhos. São perguntas frontalmente proibidas pela lei e que visam, obviamente, discriminar a pessoa que tenha responsabilidades familiares", revela.
O contexto em que ocorrem, explica, faz com que estas situações acabem por passar "impunes": a escassez de "agentes ou funcionários das inspeções de trabalho" impede que estes compareçam a essas entrevistas "disfarçados de candidatos" para apanharem em "flagrante delito esse tipo de atitude".
"Essas perguntas são feitas numa entrevista em que está apenas a candidata entrevistada e o entrevistador", vinca.
Sobre os dados divulgados pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), o advogado defende que é preciso perceber se o aumento dos despedimentos é real ou apenas resulta do melhor cumprimento da lei. Garcia Pereira reconhece, contudo, que há casos de despedimentos ilícitos que nem chegam a ser conhecidos.
"Uma coisa é o que está na lei. Outra coisa completamente diferente é aquilo que se passa na realidade", atira, completando que o Artigo 63.º do Código de Trabalho dita que o despedimento de uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental carece de parecer prévio da CITE. Não cumpridas estas regras, o despedimento é "ilícito".
"Só que, por muitas razões — e uma delas é seguramente o astronómico custo das despesas judiciais — muita gente ilegalmente despedida acaba por não recorrer à justiça para declarar ilicitude do despedimento", lamenta.
Nos despedimentos, 2024 foi o pior ano, de acordo com os dados do mais recente relatório sobre o progresso da igualdade entre mulheres e homens no trabalho, no emprego e na formação profissional citado pelo Público.
O Código do Trabalho indica que as empresas são obrigadas a comunicar à CITE a intenção de pôr fim à relação laboral com trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, além de trabalhadores que se encontrem a gozar a licença parental ou que sejam simultaneamente cuidadores.
Esta comunicação serve para que a CITE possa analisar a validade do motivo para o fim do vínculo laboral.
De acordo com o relatório, em 2024, a CITE recebeu 1894 comunicações relativas à não renovação de contratos de trabalho a termo, 138 referentes à cessação de contrato em período experimental e outras 138 sobre despedimentos.