Mutilação genital feminina enraizada em "lógica patriarcal". Mais casos em Portugal, crianças têm de ser "acompanhadas desde que nascem"
À TSF, a jornalista Sofia Branco, escritora do "Cicatrizes de Mulher", desconfia da meta da ONU para erradicar esta prática até 2030. A razão? "O tipo de discurso que existe hoje, o retrocesso nas políticas" e o corte do financiamento a países pobres
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O Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina assinala-se esta quinta-feira. Segundo a Direção-Geral da Saúde, registaram-se 254 casos de mutilação genital feminina (MGF) em 2024, mais 31 do que em 2023. Desde 2020 que as situações detetadas têm aumentado. No ano passado, nenhum caso foi praticado em Portugal. Ouvida pela TSF, a gestora da Rede de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação da APAV, Joana Menezes, fala em prudência a analisar estes números.
"Representam uma parte da realidade. Naturalmente que não refletem todos os casos que existem. Devemos olhar para os dados de forma crítica. Há uma realidade importante que nos mostram: existem muitas mulheres que vivem em Portugal e que foram anteriormente sujeitas à mutilação genital feminina. Se calhar, há um aumento seja pelo número de pessoas migrantes, seja também pela deteção e pela capacidade de alerta que têm os profissionais de saúde para identificarem estas situações em circunstâncias específicas, como o parto ou o acompanhamento ginecológico", justifica.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 230 milhões meninas e mulheres de todo o mundo vivem com este problema e mais de quatro milhões correm o risco de serem submetidas a esta prática em 2025.
A jornalista Sofia Branco, autora do livro "Cicatrizes de Mulher", alerta, na TSF, para uma sociedade vigilante, desde a escola até ao Estado.
"Aquelas crianças que nascem e que sejam do sexo feminino devem ser acompanhadas a partir desse minuto."
Sendo "uma prática que passa de geração em geração", Sofia Branco aponta que o risco existe "a partir do momento em que há uma mãe, uma mulher, que foi sujeita".
A ONU procura eliminar a MGF até 2030, uma meta que a jornalista acredita ser "impossível" até pelo "tipo de discurso que existe hoje, o tipo de políticas que estão a retroceder, o tipo de financiamentos que não vão existir para países que, em larga maioria, situam-se na África negra, o continente mais pobre do mundo".
"É bom que haja metas, é bom que eles se comprometam, [mas] raramente cumprem os seus compromissos."
Por sua vez, a presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, Sandra Ribeiro, assinala que a mutilação genital feminina tem "origens ancestrais, radica muito em questões tradicionais conexas com uma lógica patriarcal, de desigualdade de género e de supremacia".

