Estarreja, no distrito de Aveiro, está cheia de gente que viveu na Venezuela e optou por sair do país. Nas ruas da cidade ouve-se com facilidade o sotaque e todos querem que Maduro abandone o poder.
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Crispim Rodrigues partiu com cinco anos para a Venezuela, e por lá viveu dezenas de anos. Regressou há mais de uma década, mas nunca mais perdeu a peculiar forma de falar. Atualmente trabalha na SEMA, uma associação empresarial, e tem ajudado muita gente chegada da Venezuela a encontrar emprego. Enquanto aponta para as fichas daqueles que chegaram já este ano, diz que "de janeiro a dezembro do ano passado foram mais de 500 pessoas". Encontrou trabalho cerca de 80%.
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Gente disposta a fazer qualquer coisa. Em Estarreja, há médicos a trabalhar na reposição de prateleiras em supermercados, em frutarias, cafés... a lista continua.
Uma dessas médicas é Dyara Abreu, uma "venezuelana pura". O marido ficou para trás a tomar conta de uma padaria "sem farinha". Ela agora trabalha num supermercado e diz que tem saudades do que fazia. E o que fazia? "Ficávamos para ali sentados a ver os pacientes a morrer porque faltavam os medicamentos. Às vezes não tínhamos como limpar uma ferida. Não havia gaze, álcool, seringas, analgésicos, não tínhamos nada".
E assim, Dyara comprou o bilhete e fugiu. Chegou há uns meses com o filho de cinco anos. Foi pela internet que acompanhou a declaração de Juan Guaidó: "foi emocionante. Os meus olhos encheram-se de lágrimas por não poder participar na manifestação".
No distrito de Aveiro sente-se facilmente os efeitos da emigração para a Venezuela e Estarreja será mesmo "a única cidade do país a ter um busto e uma praça com o nome de Simon Bolívar", o heroi da independência venezuelana. Outro habitante de Caracas a viver nesta Pequena Venezuela é Gustavo Fernandez. Quando chegou, esteve três dias sem emprego. Era cozinheiro na Venezuela e Crispim Rodrigues conseguiu encontrar-lhe o mesmo emprego por cá.
Ao seu lado, na cozinha do Restaurante do Mercado tem um telemóvel onde vai lendo notícias saídas do seu país. Ele não tem dúvidas. Para "o ditador" Maduro só há um desfecho possível: "ele vai ter que fugir. Só tem o apoio do Irão, Rússia e Cuba".
Apoios internacionais que vão ajudar a decidir quem vence. Jacinta, de 18 anos, gostaria de ver Donald Trump a fazer mais. Para esta jovem "seria bom que a América entrasse na Venezuela e tirasse de lá o Maduro. Assim o problema resolvia-se".
Outra hipótese levantada por estes imigrantes é inspirada na Revolução Portuguesa. É o decano Crispim Rodrigues quem põe "um novo 25 de Abril" em cima da mesa.
A estratégia é revelada já depois de saber que o ministro da Defesa de Maduro ter garantido que os militares estão com o regime. Crispim e outros venezuelanos admitem que assim seja: "eles é que mandam. A eles nunca falta o pão". Mas por "eles" entenda-se os de alta patente; "os majores e os coroneis". Esses estão com maduro, mas os de graduação mais baixa não vivem tão bem e "como aconteceu em Portugal" pode ser que "os capitães" façam "um novo 25 de Abril".
Talvez até com cravos.
Mas até ao desfecho pelo qual todos anseiam, ainda muito tempo deve passar. É isso que vão admitindo. Isso e pior.
Gustavo Fernandez, o cozinheiro há nove meses a residir em Portugal, estima que até "à mudança" a Venezuela vá passar "dias complicados, dias piores, dias muito maus, dias muito escuros". Está casado com uma portuguesa e por isso pode fugir do país onde nasceu. Para trás ficou o pai, os tios e os primos. A mãe não. Wilma Ruiz já está em Estarreja. Chegou há duas semanas e encontrou trabalho no mesmo restaurante onde está o filho.
Wilma Ruiz faz eco da opinião do filho: antes de melhorar, a situação no país vai piorar. Ela sublinha que Maduro e os seus apoiantes "são muito autoritários, muito possessivos e não vão largar facilmente o poder. Vai ser muito difícil. Vai haver muitos mais mortos. Já agora há mortos de que o mundo ainda não sabe". Não vai ser simples que o Guiaidó possa governar como deve".
Mas se um dia as coisas mudarem e a Venezuela se recompor, aí sim, talvez se regresse. Dyara Abreu admite voltar "se houver uma mudança a sério. Mas isso vai demorar, não é para amanhã ou um mês. Isso vai levar o seu tempo e só quando eu vir as coisas melhores é que volto com o meu filho".
Até lá, espera-se e acredita-se que Juan Guaidó é o homem que vai mudar os destinos da Venezuela. O cozinheiro Gustavo Fernandez gosta dele: "é um gajo novo, é um gajo que não tem manhas". Para muitos venezuelanos isto chega quando a alternativa é manutenção do regime de Maduro.
"Vamos ver o que acontece, a gente tem muita esperança", diz Gustavo.