"Não foi para isto que se fez o 25 de Abril." Memórias do homem que conduziu Salgueiro Maia
Cruzou-se brevemente com Salgueiro Maia, em 1984, tinha pouco mais de 20 anos. Foi motorista do então major. "Foi pouco tempo, mas parece que foi muito. Aprendi muito. Era um professor." Aos quase 60 anos, Jorge Pereira lembra esses dias em que tinha pouco mais de 20 e Salgueiro Maia era já um homem marcado pelo desencanto.
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Jorge Pereira recebe a TSF na sua casa em Mouriscas, concelho de Abrantes, cercado de animais e plantas. "Tenho 16 cães, ovelhas, gatos, galinhas." Também tem couves, árvores de frutos e morangos.
As memórias do tempo de militar ficam longe, já a Escola Prática de Cavalaria de Santarém, a que Salgueiro Maia voltou depois da passagem pelos Açores, e onde se cruzaram, fica pertinho.
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Enquanto descreve onde está e onde está o major, em cada uma das fotografias desse ano de 1984, a cores, Jorge Pereira conta o que se lembra melhor, passados já quase 40 anos. "Tinha sempre uma grande conversa quando entravamos ao seu serviço. Até me comovem, essas memórias. Perguntou-me de onde vinha, a minha família, se bebia álcool."
Fosse por natural empatia ou por também ter ficado sem mãe aos quatro anos, Fernando Salgueiro Maia fixou logo ali "uma afetividade por mim. E quando me deslocava com ele, nunca ía para o banco de trás, sentava-se sempre à frente".
Lembra o homem que ria "a esticar o lábio". Nunca lhe ouviu uma gargalhada, "não era homem de riso fácil". Mas falar sim, "gostava muito de conversar, era bom conversador. Era um gosto ouvi-lo, nunca cansava". Também nunca mais esqueceu a forma como olhava os outros, "sempre de frente, fosse quem fosse". Acredita mesmo que entre os outros oficiais da EPC havia "um certo receio" ou, no mínimo, "muito respeitinho".
Jorge Pereira tem memórias vagas da maior parte dos dias, mas recorda pontualmente sinais de que o capitão de Abril não estava feliz com o rumo que as coisas iam tomando: "Um certo almoço com oficiais de vários pontos do país", uma certa reunião "em que até pedi para sair do gabinete...achei que aquilo já não era para mim, para os meus ouvidos".
Jorge Pereira é hoje o que na época poderia ser considerado "um capitalista", mas remata, "um capitalista pobre, dos que não roubam". Tem uma pequena empresa de camiões e às vezes conduz um deles. Do major, guarda a desilusão com o que se seguiu. "Sentia-se muito injustiçado. Não era com isso das promoções, era outra coisa que lhe faltava, que lhe faltou."
Tal como ouviu a Salgueiro Maia, a par e passo também o ex-motorista desabafa: "Não foi para isto que se fez o 25 de Abril."