"Não havendo nem pronúncia, nem acusação, não pode haver julgamento." Sócrates contesta acórdão "ilegal e infame"
O antigo primeiro-ministro promete continuar a defender-se e critica a decisão do Conselho Superior de Magistratura de criar um grupo de trabalho para acompanhar a Operação Marquês
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José Sócrates prometeu contestar "com toda a energia" um acórdão que considera "ilegal" e "infame". O antigo primeiro-ministro reagiu, este sábado, à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que remeteu o processo da Operação Marquês para julgamento, sem que os recursos tenha efeitos suspensivos.
Em conferência de imprensa, esta manhã, José Sócrates reafirmou que não pode haver julgamento sem uma acusação e uma pronúncia, prometendo continuar a defender-se.
"Neste momento, não há nem pronúncia, nem acusação. Não havendo nem pronúncia, nem acusação, não pode haver julgamento nenhum", considerou, aproveitando o momento para atirar farpas aos jornalistas: "Aquilo a que assisti ontem, ao entusiasmo do conjunto do jornalismo português: 'Desta vez é que vai haver julgamento...' Eu lamento muito, mas, pela minha parte, não estou disposto a abdicar de nenhum direito individual, de nenhuma garantia da Constituição, nomeadamente o direito ao recurso, apenas para satisfazer o gáudio de muitos dos jornalistas que confundem a sua atividade profissional com o ativismo político."
"Eu vou defender-me de um acórdão que considero infame", garantiu. A crítica foi dirigida a um acórdão de janeiro que notava um lapso de escrita na acusação original, resultando, no entender do antigo primeiro-ministro, numa terceira acusação.
"Por mais que o juiz se esforce, não conseguirá transformar um acórdão que está sob contestação num acórdão transitado em julgado", sublinhou.
Sócrates criticou também a decisão do Conselho Superior de Magistratura de criar um grupo de trabalho para acompanhar a Operação Marquês. O antigo primeiro-ministro afirmou que a decisão contraria a lei fundamental do país: "É ilegal e é contra a Constituição."
"Trata-se, no fundo, de estabelecer uma tutela administrativa sobre o poder jurisdicional num processo criminal em concreto. O propósito deste grupo de trabalho é evidente: limitar o direito de defesa e pressionar os juízes a tomar decisões desfavoráveis aos visados", referiu, acusando o Conselho Superior de Magistratura de "abuso de poder".
"O Conselho tem competência para averiguar o que se passou, não tem competências para influenciar o que se vai passar. Neste sentido, a decisão de constituir um grupo de trabalho constitui um descarado abuso de poder", acrescentou.
O Tribunal da Relação de Lisboa ordenou que o processo da Operação Marquês fosse, de imediato, para a primeira instância. Sem entraves e livre de recursos - que serão apreciados à parte -, poderá, assim, avançar, o julgamento do ex-primeiro-ministro José Sócrates.
"Após, baixem os autos imediatamente à 1.ª instância – remetendo-se os mesmos para distribuição para julgamento pelos juízes do Juízo Central de Instrução Criminal de Lisboa do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa. Dê conhecimento desta remessa ao Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, a fim de se proceder, igualmente, de parte do processo que ali se encontra", lê-se no despacho a que a TSF teve acesso.
Ainda na sexta-feira, o advogado do ex-primeiro-ministro, Pedro Delille, considerou, em declarações à TSF, que esta é uma decisão "absolutamente ilegal, que viola um princípio básico de qualquer Estado de direito", porque "não é possível levar alguém a julgamento antes de, sendo requerida a instrução, haver uma decisão instrutória de pronúncia, que neste momento não existe". "Não é possível fazer este julgamento e a única consequência que esta decisão tem é arrastar ainda mais a conclusão deste processo. Esta, sim, é mais uma manobra dilatória dos senhores juízes no sentido de evitarem que o processo se concluam o quanto antes. Não há nenhum juiz de julgamento que possa iniciar um julgamento sem haver uma pronúncia. Neste momento, não há acusação, nem pronúncia", sublinhou, em declarações à TSF.
Pedro Delille afirmou, por isso, que vai "recorrer desta decisão" e considerou que o processo tem de regressar ao Tribunal de Instrução Criminal, "o quanto antes", para poder ser proferida a decisão instrutória.
No processo Operação Marquês, José Sócrates foi acusado pelo Ministério Público (MP), em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, em 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o ex-governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento e três de falsificação de documentos.
Uma decisão posterior do Tribunal da Relação de Lisboa viria a dar razão a um recurso do MP, e em janeiro determinou a ida a julgamento de um total de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória, que remeteu para julgamento apenas José Sócrates, Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, Ricardo Salgado e o antigo motorista de Sócrates, João Perna.